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Sexta-feira, 18/6/2004
Histórias naturais
Eduardo Carvalho

Richard Conniff escreveu sobre vários animais para a National Geografic, e decidiu escrever um livro sobre mais um: a sua História natural dos ricos. O título funciona como apelo publicitário - até porque Conniff é especializado em assuntos da natureza -, mas não é bem isso: é mais uma História íntima dos ricos. Os ricos, além do mais, tem muita intimidade e pouca naturalidade.

Conniff não é preconceituoso. Não parte do princípio de que que ser classe-média é melhor, apesar de acabar com essa conclusão - um pouco forçada, convenhamos. O jornalista, na verdade, aproveita teorias conhecidas da história natural - como a da evolução das espécies - e explica o motivo dos ricos se comportarem assim: de se fecharem em clubes exclusivos, se exibirem aos amigos, se dedicarem a filantropia, etc.

Conniff provavelmente não é milionário, mas também não parece um deslumbrado quando entrevista um bilionário americano. Ele sabe descrever as situações certas - da forma certa, com uma ironia discreta e constante: "O clima se modifica e alguns macacos, balançando-se nas árvores, aos poucos evoluem para chipanzés, enquanto outros descem, saem vagando pelas planícies relvadas e se transformam na Julia Roberts."

Não é exatamente outro exemplo de ironia, mas quando, digamos, Conniff compara o hábito sexual das cambaxirras-do-brejo de bico longo com o de Armand Hammer, fundador da Playboy, na hora nos perguntamos: por que os jornais não contratam colunistas sociais assim?

Mais prazeres

Escrevi, na coluna passada, sobre as dezenas de livros que comprei recentemente, mas esqueci de alguns: entre eles os volumes II e III dos Ensaios de Montaigne, que preconceituosamente eu adiava a leitura. Pensei que Montaigne fosse lento, que apontasse referências desconhecidas e desnecessárias, que o modelo de seu ensaio fosse oposto ao que hoje tentamos praticar - um texto suave e aberto, com impressões pessoais, comentários diretos, etc. Claro que eu sabia que Montaigne inaugurou essa modalidade literária, mas não imaginava que já a praticasse com tanta facilidade. Montaigne descobriu e revelou a essência do ensaio; escreveu sobre assuntos importantes e variados, como a conversação, os livros, a diversão, as mulheres.

Sobre os livros: "Gostaria muito de ter um entendimento mais perfeito das coisas, mas não o desejo adquirir, de tão caro que custa. Minha intenção é passar docemente, e não laboriosamente, o que me resta da vida. (...) Não procuro nos livros mais do que me proporcionar prazer por um divertimento honesto; ou, se estudo, não procuro neles mais do que a ciência que trate do conhecimento de mim mesmo, e que me ensine a bem viver e a bem morrer." Alguém procura mais do que isso? O pior é que sim.

Um exemplo

Um milionário exemplar, no Brasil, é Marcos Moraes, que agora pretende expandir sua fortuna exportando cachaça. Foi ele quem fundou e vendeu o Zipnet, por 360 milhões de dólares, no auge da Internet. E depois arriscou uma pequena bolada no ramo da moda, em NY, que lhe consumiu US$ 10 milhões. Acontece. Marcos Moraes, aliás, investe parte de seu patrimônio em pesquisa científica, o que no Brasil, infelizmente, soa indelicado.

Mas é por aí: estão finalmente surgindo angel capitalists brasileiros, dispostos a enfrentar riscos em busca de retornos extraordinários. Essa é uma modalidade de investimento muito adequada ao Brasil: porque temos aqui oportunidades desconhecidas e desprezadas, camufladas por um mercado ineficiente e uma economia instável. Aos poucos, porém, essas oportunidades vão aparecendo: nos setores de tecnologia, agronegócios, imobiliário, comercio exterior, etc. E quem chegar primeiro aproveita as margens folgadas do monopólio temporário. Vamos ver se o espírito capitalista, aos poucos, empurra o Brasil - para frente.

Eduardo Carvalho
São Paulo, 18/6/2004

 

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