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Terça-feira, 29/6/2004
O tesouro das irmãs Klabin reunido no Rio
Luis Eduardo Matta

Por obra de uma dessas circunstâncias inexplicáveis do cotidiano, nunca visitei a Fundação Eva Klabin Rappaport, apesar de sempre ter alimentado um enorme interesse em conhecer o seu valioso acervo e de a mansão em estilo normando que abriga as suas instalações, encravada em plena Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, ficar a não mais de dez minutos a pé do edifício onde eu moro. Não sei se o fato de precisar agendar a visita com antecedência pelo telefone serviu como desestímulo para alguém como eu, habituado a freqüentar museus com a mesma cerimônia de quem vai à padaria, mas o certo é que, hoje, qualquer listagem de instituições culturais cariocas que se preze, precisa, obrigatoriamente, incluir uma menção de destaque ao acervo legado à sociedade pela milionária Eva Klabin Rappaport, que faleceu em 8 de novembro de 1991, aos 88 anos de idade.

Numa época de esvaziamento cultural, em que as fortunas já não estão associadas, como no passado, ao mecenato e à valorização da arte e das letras, a história de Eva Klabin e sua disposição em tornar público o seu acervo, a exemplo do que fizeram muitos milionários nos Estados Unidos, torna-se ainda mais fascinante e admirável. Não custa lembrar que alguns dos mais renomados museus norte-americanos - como o Whitney e o Guggenheim, em Nova York e o Salvador Dali, na Flórida - foram fundados a partir de coleções particulares e com uma ajuda providencial do capital privado, ao contrário do Brasil onde o estado quase sempre teve um papel preponderante na formação de acervos. Um exemplo famoso é o do Museu Nacional, um dos mais importantes da América Latina, cuja soberba coleção não apenas se originou das peças reunidas pela Coroa brasileira ao longo do século XIX, como está instalada há mais de cem anos no próprio palácio onde viveram três gerações da família imperial, de 1808 a 1889, na Quinta da Boa Vista, zona norte do Rio.

Com a abertura, no último dia 1º de junho, da exposição Universos Sensíveis - As coleções de Eva e Ema Klabin, no Museu Nacional de Belas Artes, surgiu o incentivo que me faltava para, finalmente, apreciar a nata dos tesouros de Eva Klabin Rappaport e, de quebra, descobrir a não menos importante coleção de sua irmã caçula, Ema Gordon Klabin, idealizadora, assim como Eva, de uma fundação com o seu nome que, em breve, será inaugurada na mansão onde a colecionadora, morta em 1994, viveu, no bairro paulistano do Jardim Europa. Fui lá conferir e não me arrependi. A mostra reúne pela primeira vez no Rio uma cuidadosa seleção dos dois acervos - incluindo pinturas, esculturas, móveis, prataria e peças decorativas, que abrangem um período de três milênios - e é um programa imperdível para quem adora perder as horas rodeado pelas belezas do melhor que a arte jamais produziu.

A exposição, organizada na Galeria do século XXI do MNBA - cujo acesso se faz por uma escada a partir da Galeria do século XX - já passou pela Pinacoteca do Estado, em São Paulo e é dividida, fundamentalmente em três núcleos: um dedicado à coleção de Eva, outro à de Ema e um terceiro - na verdade o primeiro deles, para onde convergem os outros dois -, no qual o visitante encontrará uma magnífica reunião de peças de ambos os acervos, além de painéis com a cronologia da vida das irmãs e duas vitrines contendo alguns objetos ilustrativos, como certificados de autenticidade de obras de arte, antigos livros e catálogos de exposições, fotografias estampadas em jornais e alguma correspondência, como as da fundação J. Paul Getty e da casa de leilões Sotheby's para Eva Klabin.

Passando ao núcleo de Eva Klabin deparamos, logo na entrada, com um imponente relógio francês do século XIX, ricamente trabalhado, cujos ponteiros marcam as horas no sentido contrário. Curiosamente, a mostra de seu acervo se encerra também com um relógio, este com as horas dispostas na sua ordem normal. Talvez uma alegoria da peculiar relação de Eva com o tempo - ela tinha hábitos noturnos, costumava trocar o dia pela noite e, não raro, recebia em casa ritmistas da escola de samba Portela, para tomar o café da manhã antes de ir se deitar. Nota-se uma predominância de obras clássicas e antigas, já que, com raras exceções, Eva Klabin não demonstrava maior apreço pela arte moderna. Os destaques ficam para o Retrato de Nicolaus Padavinus uma grandiosa pintura do artista veneziano Tintoretto (1518-1594) e, especialmente, para uma madona atribuída ao florentino Botticelli (1444-1510), estrela de uma divisão da mostra intitulada Maternidade como origem, onde diversas madonas evidenciam a admiração de Eva, que não teve filhos, pela maternidade.

A coleção de Ema Klabin, por sua vez, é mais diversificada e reúne também obras de artistas brasileiros como Brecheret, Portinari e Di Cavalcanti. Mestre Valentim é uma atração á parte. Para a exposição, foram selecionadas peças de sua autoria, como uma sanefa e dois impressionantes fustes de coluna, todos sobreviventes da antiga igreja de São Pedro dos Clérigos, no Rio de Janeiro, uma jóia barroca criminosamente demolida na década de 1940 para a abertura da avenida Presidente Vargas. Merece igual atenção um lindo cofre relicário do século XIX, provavelmente austríaco, trabalhado em metal dourado, esmalte e pedraria, que reluz numa das vitrines do primeiro segmento do núcleo de Ema.

O grande demérito da exposição fica por conta da ausência de folders explicativos na entrada, à vista dos visitantes. Uma falha grave, se considerarmos que o público médio, pouco familiarizado com os meandros da história da arte, poderá encontrar dificuldades para compreender a importância das duas coleções e situá-las no seu contexto histórico. Um breve guia da mostra, destacando as obras mais importantes e fornecendo um apanhado geral da vida das irmãs Klabin também seria muito bem-vindo. Para compensar, sugiro aos mais precavidos que improvisem um guia substituto, levando consigo algum texto sobre a exposição já publicado na imprensa ou na Internet. Acreditem: será uma ótima companhia se o objetivo for mais do que simplesmente contemplar as peças como num show-room de antiguidades decorativas. A mim, pelo menos, fez alguma falta.

* A mostra Universos Sensíveis - As Coleções de Eva e Ema Klabin ficará em cartaz até o dia 1º de agosto de 2004 no Museu Nacional de Belas Artes - Av. Rio Branco, nš 199/Rio de Janeiro.

Anticlímax no final de Celebridade

No momento em que escrevo estas linhas, a novela Celebridade, da rede Globo, exibe suas cenas finais. Embora não tenha acompanhado a novela com a freqüência devida, não resisti a deixar minhas impressões sobre o desfecho da trama, em especial à decepcionante e insossa solução encontrada pelo autor, Gilberto Braga, para a morte de Lineu Vaconcellos, interpretado por Hugo Carvana. Escolher a óbvia vilã Laura (Claudia Abreu) como assassina, depois de todo o suspense armado e alimentado durante meses junto ao pobre e crédulo telespectador, foi de um amadorismo sem limites, incompatível com a criatividade que se espera de um autor televisivo com tantos anos de estrada; o mesmo que, em tempos idos, assombrou o público com soluções inusitadas e bem orquestradas para crimes em novelas como Vale Tudo e Força de um Desejo. A impressão que ficou é a de que Braga estava exaurido depois de tantos meses de trabalho contínuo e decidiu escrever, às pressas, o primeiro final que lhe veio à cabeça.

Isso tudo só serve para corroborar a minha tese de que, com raríssimas exceções, a ficção de mistério e suspense no Brasil - esteja ela nas páginas de um livro, na telona ou na telinha - ainda precisa amadurecer e se aprimorar horrores para atingir um nível mínimo de qualidade técnica e romanesca que a coloque em pé de igualdade com a produção internacional no gênero. Celebridade, embora não tenha sido idealizada para ser puramente um thriller, a partir do momento em que introduziu um assassinato misterioso no meio da trama, incorporou elementos inegáveis da narrativa de suspense, que acabaram não recebendo do autor um encaminhamento decente. É uma prática, aliás, muito comum no Brasil, sobretudo na nossa escassa Literatura policial. O autor cria um emaranhado intrincado de situações e depois não sabe como resolvê-lo, apelando, no fim, para uma solução qualquer. Sempre foi assim e nem entendo o porquê do meu espanto. Afinal, eu já devia estar mais do que habituado.

Luis Eduardo Matta
Rio de Janeiro, 29/6/2004

 

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