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Segunda-feira, 26/7/2004
Gênios e seus Amores Loucos
Andréa Trompczynski

Lou Andreas-Salomé, Paul Reé e Friedrich Nietzsche

Como as pessoas que assistem televisão e leêm Contigo! para conhecer a vida privada de seus ídolos, nós, leitores, também gostamos de saber a vida pessoal dos nossos. A Vida das Musas, de Francine Prose, é um retrato papparazzi de alguns amados ou odiados artistas. E mesmo assim ou exatamente por isso foi um dos melhores livros que li este ano. São nove histórias, de musas e artistas, dramas, paixões e crises de ciúme. E quase todas de infalível decadência, drama e morte. Ou seja, a fórmula perfeita .

Os mais sórdidos detalhes como as excentricidades do dr. Samuel Jonhnson, sua paixão por algemas, cadeados e sonhos de dominação e o medo de ir para o inferno por isso. Apaixonado pela jovem senhora casada Hester Thrale, sonhava em ser trancado por ela num quarto como um escravo. Seu demorado balé ritual antes de passar por uma porta, devido ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo e a necessidade dos Thrale em manter um criado em pé na porta do quarto do excêntrico escritor, segurando uma peruca nova e limpa porque o dr. Jonhnson sempre queimava a sua por ler muito perto da lamparina. Gala e Dalí, e seus delírios de grandeza ("César ou nada!") numa composição de auge na juventude e decadência no fim da vida que faz o leitor sentir medo do tempo. A ninfomania de Gala e o escárnio que faziam dela na velhice, as fobias, voyerismo e obsessões de Dalí. E o horrível (e um perfeito quadro surrealista que Dalí nunca pintaria) translado do cadáver de Gala, num vestido Dior vermelho, encostada no assento de seu Cadillac, para ser transportada até seu castelo. Detalhes, detalhes sórdidos.

Imagine Nietzsche posando para uma foto onde está no lugar do cavalo com o amigo e terceiro lado do triângulo amoroso, Paul Reé, enquanto uma bela jovem russa segura um chicote sentada na carroça (foto acima). Imagine Nietzsche escrevendo cartas desaforadas, de amante desprezado e nadando em auto-comiseração como: "Não se perturbe com as explosões da minha vaidade ferida. Mesmo que eu porventura venha dar fim à minha vida por causa de uma ou outra paixão, não haveria muito o que lamentar. O que minhas fantasias importam para você?". Ou então Freud confessando "Senti sua falta na palestra de ontem à noite (...) Adotei o hábito de dirigir minha palestra para um determinado membro da audiência, e ontem mantive o olhar, como se enfeitiçado, no lugar que havia sido reservado para a senhora." E Rilke, com 22 anos e apaixonado por uma senhora casada de 36, para quem escreveu "Tudo o que sou / desperta por sua causa", alimentando-se de grãos integrais e frutas da floresta para agradar à amada, procurando com ela personagens dostoievskianos e camponeses de Tolstói em viagens à Rússia.

É possível quando a mulher russa em questão for Lou Andreas-Salomé. Lou tinha o poder de fazê-los acreditar em si próprios. Despertava os gênios, criticava, conduzia. Depois os deixava em profundas dores de amor, que era sempre o período mais fértil de suas produções. Romancista e ensaísta famosa, com experimentações na psicanálise, as idéias de Lou estão entrelaçadas nas idéias de seus homens: o "abraçar da solidão", a insistência na auto-superação como analgésico, o ideal de tornar-se um super-homem, a procura do deus interno, o gozo maior na arte, a única satisfação real na arte. Ela era, como disse Freud, "um domingo".

Histórias de amor e drama, quando precisamos ver os antes jovens, belos e sonhadores Rilke, morrendo de leucemia num sanatório na Suíça e importunando os médicos para que consultassem Lou Andreas-Salomé que saberia dar um sentido àquela morte terrível; e Nietzsche, depois de um estressante período de crises sucessivas de mania e euforia crescentes, surtando em uma rua de Turim, abraçado ao pescoço de um cavalo que havia levado uma surra.

Eles não puderam amar convencionalmente. Apaixonaram-se desvairadamente. Não há um caso de amor equilibrado, se é que ele existe. Todos enlouqueceram de amor. Talvez não sejam as mais socialmente bonitas histórias, mas que estão vivas gritando, estão.

No Fundo é Tudo Igual III
Não há mais maneiras de controlar o crack. O que vejo em Downtown é uma cópia perfeita da Av. Cruz Machado, a "cracolândia" de Curitiba. Olhos esbugalhados, lábios queimados, prostitutas esqueléticas. Mas, explicação não tenho, sinto simpatia por eles. Na maioria das vezes não sei onde está o real sentido do acordar-trabalhar-comer-dormir-até-a-morte. Acredito que fujo nos livros da mesma coisa que eles fogem no crack. Somos iguais.

Lucas, 19 anos, praça Tiradentes, Curitiba
Você pode encontrar o Lucas na Praça Tiradentes à noite. É moreno, olhos amendoados e tristes como de um Buendía. Falará com você num português perfeito. Você se espantará com a inteligência e os olhos de poeta. Pode perguntar à vontade, ele adora conversar. Foi morar na rua porque a mãe se "juntou" com um homem desempregado e alcoólatra e o barraco ficou pequeno para dois homens do mundo. Trabalhou como auxiliar de pedreiro e diz fazer isto muito bem. Enquanto estava esperando por algum trabalho, começou a cuidar de carros no Largo da Ordem. Um dia, apareceu um moço que ofereceu um negócio melhor, vender umas "pedras" e tal, coisa fácil. Ganhou algum dinheiro no começo, até alugou um quarto por dez reais a diária. Mas o moço então disse que se ele vendesse três, em troca do pagamento, podia fumar uma. Às vezes, ele conta, ainda nem vendeu as três e já fumou mais do que podia. Aí tem que dar um jeito. Se penso em socialismo quando encontro pessoas como o Lucas? Não sei se o nome é esse, mas creio que é o mais próximo. Um dia me perguntaram se não me venderia por um casarão com piscina, numa praia maravilhosa. Sim, me venderia. Se fosse o Lucas quem a construísse.

Para ir além





Andréa Trompczynski
Vancouver, 26/7/2004

 

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