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Terça-feira, 17/8/2004
A Dança das Rosas, por Consuelo de Paula
Fabio Silvestre Cardoso

Num passado não tão remoto, a produção de álbuns independentes era um trabalho que funcionava a duras penas. Fosse porque a realização era por demais amadora (o que acabava por comprometer o trabalho todo), fosse porque o "conteúdo" era excessivamente experimental (sendo objeto de culto e adoração só para os especialistas e musicólogos), muitas "promessas" ou ficavam guardadas em estúdio, ou sucumbiam ao trabalho de intérprete dos sucessos fáceis, abandonando qualquer característica que os diferenciava do lugar-comum daquilo que se deve esperar da música brasileira - que, apesar de ser cantada em verso e prosa como diversificada, não consegue escapar da mesmice dos (esdrúxulos) padrões de qualidade da maioria das gravadoras.

Recentemente, porém, pode-se dizer que a música brasileira tem conhecido alguma parcela dessa produção. É claro que ainda há muito a ser descoberto. Entretanto, se essa descoberta for da mesma qualidade que a Dança das Rosas, da cantora e compositora mineira Consuelo de Paula, o público ouvinte terá ótimas surpresas no campo musical. Isso porque a cantora não utiliza o regionalismo barato para evocar os ritmos das raízes do Brasil. Tampouco faz uso dos clássicos da MPB. Felizmente. E quais são as características que a fazem diferente das demais? Ora, nada mais nada menos do que a boa música, a saber: a mistura de belas melodias com letras bem trabalhadas, com oscilações (que fique claro), mas que não comprometem o disco de maneira alguma.

De fato, Consuelo demarca seu terreno nos 36 minutos deste álbum. É bom que se diga que Dança das Rosas é a concretização da trilogia que começou com Samba, Seresta e Baião (1998) e Tambor e Flor (2002). Na presente audição, os ouvintes são conduzidos, de maneira suave, pela voz cadenciada da cantora. É interessante, a propósito, verificar como a ela interpreta as próprias canções (que contam com a co-autoria de Rubens Nogueira): tem-se a impressão de que é nessa etapa - da interpretação - que ela dá o toque final da composição e, de quebra, faz isso sem recorrer aos artifícios dos agudos exagerados. Tal decisão é muito acertada, uma vez que há um realce natural das letras e da performance de Consuelo em estúdio.

Desse modo, até mesmo aqueles que não tiveram contato com sua música sentem-se à vontade para ouvir a produção independente de Consuelo de Paula. Em "Dança para um poema", música que abre o disco, a cantora introduz o ouvinte ao seu universo: "Sou um continente desconhecido/ um salão de dança/ a imensidão/ a minha pele/ a minha mão/ eu vou te dar/ te convidar/ para dançar". Entre os versos, a melodia é pontuada pelo toque da percussão.

Já a melodia e a letra de "Canto de Guerra" trazem à tona Consuelo de Paula como estudiosa da música brasileira, como no trecho: "Eu já mandei pro céu/ com arma de ferro/ uma branca flor/ a rosa que avoou/ de um verso popular". Novamente, o ritmo faz jus ao espírito faceiro e folclórico dos versos. "Estrada de água", por sua vez, destaca-se pelo lirismo da voz da intérprete. No último verso dessa canção, há o mais belo casamento entre a letra e a interpretação. De um lado, a poesia: "O amor e o meu rio/ água e sol dentro de mim/ já desvio minha dor/ por prazer e por calor/ vai me amar e já podia/ com o rio o meu amor". De outro, o ritmo dos violões de Mário Gil, arranjador do disco, e Jardel Castanho, nylon e aço respectivamente.

Por volta da quarta ou quinta faixa, o ouvinte aprende que o nome do disco não foi ao acaso. Consuelo faz menção às rosas em todas as canções do disco. Tais referências dão uma unidade quase absoluta ao álbum, enfatizando a preocupação com a música e com o trabalho como pesquisadora musical. Entretanto, isso não impede que em determinados momentos a premissa das rosas venha se tornar cansativa. É o caso de "Rosa e Amarela". Nessa canção, os jogos de palavras servem mais como exercícios de linguagem, aliteração, a saber: "Samba de rosa/ palma rosada/ o nome da rosa/ é o nome dela/ samba de roda/ roda rosada/ o nome de amar/ é rosa amarela". Em outros trechos, o que é excesso aparece sem esforço: "O artista avista essa planta/ num canto canteiro/ a visão que ele canta/ será que por ser flor/ ou por ser cor".

A despeito desses detalhes, faz-se necessário ressaltar a performance de Consuelo de Paulo nas 11 canções de Dança das Rosas. Tanto faz se a música possui um andamento rápido, como "Sete trovas", ou se é cadenciada, como "Retina": a cantora sabe emprestar vivacidade a ambos estilos, sem tentar impor às canções características que são inexistentes. Em "Os terços do samba", por exemplo, fica claro o clima de uma alegre roda de samba. É certo que o ritmo imposto pelo arranjo é responsável por parte dessa sensação. Ainda assim, a sustentação desse clima não seria a mesma se não fosse a interpretação radiante de Consuelo de Paula. A letra tem como co-autora a poetisa Etel Frota, que também assina a supracitada "Sete trovas".

Em Dança das Rosas, Consuelo de Paula consegue não só manter a unidade temática, mas também apresenta um trabalho consistente de pesquisa da música e de ritmos brasileiros. Para isso, a cantora não faz concessões, nem ao sucesso fácil muito menos ao experimentalismo vago. Tal como seu canto, ela prefere seguir em busca de qualidade de maneira suave e constante.

Para ir além


Fabio Silvestre Cardoso
São Paulo, 17/8/2004

 

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