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Segunda-feira, 18/10/2004
A dona da história e do seu amor
Lucas Rodrigues Pires

O que mais agrada em A Dona da História é que o filme não quer nada além de ser um filme despretensioso. Ele é simples, bem amarrado, sem pretensões maiores que fazer o público rir e ver mais uma história de amor que, mesmo sendo igual a todas as outras, é diferente por ser única.

As histórias de amor são torrenciais no cinema. Existem em praticamente todos os filmes. Em algumas são secundárias, em outras são o próprio filme. Em A Dona da História, é a dúvida de saber se uma história de amor que já perdura por mais de 30 anos valeu a pena. Carolina era uma jovem um tanto alienada nos fins dos anos 60 que, numa passeata de protesto contra a ditadura em que se encontrava por acidente, conhece Luiz Cláudio. Paixão fulminante, casamento. Passados 32 anos, já cinquentões, eles vendem o apartamento da Barra da Tijuca em que moraram a vida toda para fazer a viagem dos sonhos de juventude dele - conhecer Cuba. É aí que ela esbarra na memória e no que poderia ter sido sua vida se não tivesse casado com Luiz Cláudio (algo similar ao que fez Sandra Werneck em Amores Possíveis).

O interessante do filme é que há duas histórias rolando em paralelo: o casal atualmente, vivido por Marieta Severo e Antônio Fagundes, e nos anos 60 (Débora Falabella e Rodrigo Santoro). E mais, a personagem Carolina jovem interage com a Carolina já mais velha. Elas conversam e se questionam sobre a vida que ansiaram viver, a que de fato tiveram, o que não foi como se queria, o que ficou pra trás etc. A jovem é apaixonada e sonhadora, quer viver uma vida digna de cinema, a mais velha tem os pés no chão, ressentida por não ter sido uma atriz, seu grande sonho. É esse choque do que almejara para sua vida e o que foi de fato a sua vida que dá o mote do filme.

Daniel Filho é um homem seguro do que faz. Depois de anos apenas produzindo e se dedicando à Globo Filmes, dirigiu A Partilha em 2001, atuou em Querido Estranho, lançado esse ano, e agora foi a vez dessa A Dona da História. Coincidência ou não, os três foram textos escritos para o teatro, se tornaram peças de sucesso e se transformaram em filmes pelas mãos de Daniel Filho. Se cinema é um jogo de risco, ele parece diminuir ao máximo o risco em errar (leia-se, ter prejuízo), pois busca textos de forte apelo comercial, recruta grandes estrelas da televisão (leia-se, galãs e nomes consagrados da Rede Globo) e emprega sempre o humor para garantir a diversão. E os roteiristas são João e Adriana Falcão, escritores de episódios de A Comédia da Vida Privada e do megasucesso O Auto da Compadecida. A Dona da História se baseia em peça teatral do próprio João Falcão.

Cada vez mais, desde Cidade de Deus, o cinema brasileiro vem ganhando ares de indústria, pelo menos parte dela. Essa discussão está em pauta no cenário nacional, com a criação da Ancinav e das novas diretrizes para o audiovisual que o Ministério da Cultura propõe. Assim, queira-se ou não, aprove-se ou não, há certo ar de indústria se impondo no ambiente, e Daniel Filho tem papel fundamental e atuante nessa transformação por seu desempenho junto à Globo Filmes. Os filmes nacionais mais vistos dos últimos dois anos tiveram o dedo de Daniel Filho, via Globo. No ano passado: Carandiru, Lisbela e o Prisioneiro, Os Normais e Maria, Mãe do Filho de Deus. Este ano já são três, além de A Dona da História, que deve ter bom desempenho: Sexo, Amor & Traição, Cazuza - O Tempo Não Pára e Olga.

Na média, mesmo os filmes nacionais de sucesso são bons, diferentemente dos blockbusters americanos dos quais poucos se salvam. Claro que o Brasil apresenta certas peculiaridades que possibilitam diversidade temática e melhor resultado final. Há personagens históricos que dão caldo a um filme (vide Olga e Cazuza, por exemplo), mas mesmo aqueles que repetem certas fórmulas e clichês conseguem fugir da mesmice. Um filme de amor brasileiro quase que invariavelmente vai ser melhor que um filme de amor americano. Por quê? Sem ser xenófobo, poderia responder afirmando: "Porque ele é nosso, feito por nós, contado com um jeito tipicamente brasileiro". E amor, apesar de uma língua universal, é sempre mais gostoso quando falado na língua pátria.

Em termos de cinema, A Dona da História tem alguns bons momentos que o fazem acima da média, como quando o casal se conhece numa passeata de protesto no centro do Rio de Janeiro (cenas que lembraram em muito aquelas veiculadas nos primeiros capítulos da novela Senhora do Destino). O diretor sabe filmar, sabe colocar a câmera no lugar certo, pegar planos interessantes e nem tão óbvios. Ora de longe, ora mais próximo. Há muitas referências ao universo do amor no decorrer do filme, tal qual Romeu e Julieta na cena da serenata no terraço. Quem não viu um mocinho bêbado esperar na sarjeta a chegada da amada e, após tentativa frustrada de aproximação, sair com o carro pifando pela rua? Ou então um pedido de casamento feito de joelhos? O amor, o amor para uma vida toda, é a base desse filme, o amor com um toque de humor. Não há platéia que resista.

Lucas Rodrigues Pires
São Paulo, 18/10/2004

 

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