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Terça-feira, 26/10/2004 Dorival Caymmi, por Cláudio Nucci Fabio Silvestre Cardoso Ao longo de 14 faixas, o disco traça um panorama da obra de Dorival Caymmi, desde as canções praieiras até os sambas sacudidos. A interpretação, no entanto, ganha colorido a partir dos novos contornos que Cláudio Nucci dá às canções de Caymmi. E um deles, que se nota logo de início, é o acompanhamento folk, com violões de cordas de aço, executados pelo próprio Nucci. Em "Só louco", por exemplo, é a batida do violão que dá o toque original entre os versos. A seguir, "O Dengo", o samba é tocado e entoado privilegiando o jingado, que se faz presente tanto na voz como na parte instrumental, como no trecho: "Quando se diz que no falar tem dengo/ tem dengo, tem dengo/ tem dengo, tem [...] É dengo, é dengo/ É dengo, meu bem/ É dengo que a nega tem". O mesmo ocorre com "A vizinha do lado". Os instrumentos - contra-baixo, percussão e clarineta - conversam, e não apenas acompanham, com Cláudio Nucci, à medida em que este canta: "A vizinha quando passa/ com seu vestido grená/ todo mundo diz que é boa/ mas como a vizinha não há". Numa sintonia fina, a percussão entra no refrão "Ela mexe com as cadeiras (para cá)/ Ela mexe com as cadeiras (para lá)". A homenagem fica verossímil em "O bem do mar", faixa curta, mas que Nucci canta com uma malemolência caymmiana, com uma batida leve e num ritmo que sublinha a voz do intérprete. Na também breve "Horas", o mesmo acontece, muito embora o violão dedilhado se faça mais presente. E, embora os melhores perfumes estejam nos menores frascos, segundo preza a sabedoria popular, a melhor versão é uma das mais longas, "Das Rosas". Nela, estão concentradas todos os elementos do disco, como a diversidade instrumental (acordeom, cordas, percussão, violão de aço), assim como o lirismo e a suavidade do canto de Cláudio Nucci dá à canção. Seria impossível interpretar ou homenagear Dorival Caymmi sem fazer referências aos símbolos e ao folclore que o envolve. Soaria não apenas ruim, como também falso. É o ouvinte percebe essas referências em "Cala a boca, menino". A letra possui um regionalismo que necessita ser posto em evidência, o que é feito graças ao ritmo imposto à canção. O folclore e o misticismo estão presentes em "Quem vem pra beira do mar". Nesse caso, no entanto, Cláudio Nucci faz a releitura mais sem "novidade" de todo o disco, desejando, talvez, que a letra fale por si só. Em "Maracangalha", novamente os instrumentos são coadjuvantes participativos no suporte à interpretação de Cláudio Nucci. Trombone, percussão e violão de sete cordas dão um contraponto interessante à voz do cantor. Ao final, a canção alcança um tom mais alto, como conseqüência natural de um ritmo que dificilmente Dorival Caymmi cantaria. Esse ritmo é quebrado na canção seguinte, "João Valentão", que tem uma levada mais tranqüila e, por extensão, mais afeita ao estilo do homenageado. Afora isso, fica clara a ênfase que o cantor dá às aliterações, como a que segue "João Valentão é brigão/ pra dar bofetão/ nem presta atenção/ a todos João intimida/ faz coisas que até Deus duvida". Ao realçar com esmero as rimas mais simples, Cláudio Nucci mostra o tamanho de sua admiração por Dorival Caymmi, que já é denunciada desde o título: "Ao mestre, com carinho". Cabe ressaltar, porém, que a homenagem de Cláudio Nucci não traz apenas admiração de um intérprete para um grande compositor. Para além do tributo, o álbum está recheado de variações que, se não tornam as composições mais belas, mostram a apreciação do músico por um gênero que se consolida tanto em verso e prosa, a canção. Diálogos Impertinentes São Paulo, 16 de outubro de 2004. Durante um passeio despretensioso pelas ruas da Vila Buarque, mais precisamente entre a Santa Casa de Misericórdia e a rua Maria Antônia, este colunista encontrou o supracitado jornalista e crítico musical José Ramos Tinhorão. O local? A livraria "Metido a Sebo", cujo proprietário, "seu" Marciano, mantém estreitos laços de amizade com o jornalista. O encontro foi seguido por uma animada conversa, sem tom professoral ou áspero, em que aprendi e ouvi como em poucas ocasiões. Ao contrário do que se pode imaginar, Tinhorão não é a cobra que é cantada por Elis Regina em "O Brasil não conhece o Brasil" (de autoria de Aldir Blanc). Não se deve duvidar de seu rigor analítico tampouco de sua afeição pela música brasileira - quem ouve o crítico falar de Cartola e Wilson Batista, por exemplo, logo quer comprar os discos para ter a mesma sensação prazerosa que ele descreve. Assim, antes de ser o demolidor da Bossa Nova e do Tropicalismo, Tinhorão precisa ser lido (e entendido) como um amante da música brasileira, mas que tem critérios muito elevados. Para ir além Fabio Silvestre Cardoso |
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