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Quinta-feira, 28/10/2004
Por que corremos e não chegamos a lugar algum
Adriana Baggio

Neste último domingo, dia 24, a coluna do Carlos Heitor Cony falava sobre o comportamento das pessoas em um aeroporto. O atraso do vôo provocava diversos níveis de indignação, exceto em uma senhora que aproveitava o tempo perdido (?) para fazer crochê. Lendo a coluna do Cony, lembrei do livro que anda pela minha cabeceira ultimamente: Mídias sem limite: como a torrente de imagens e sons domina nossas vidas (Civilização Brasileira, 2003).

Apesar do título apocalíptico, meio comum nesses livros que procuram explicar a nossa relação com a mídia, o texto é leve, irónico e bem acessível. A proposta do autor, Todd Gitlin, é entender o porquê do nosso fascínio e submissão às mídias, indo além da clássica abordagem de um fenômeno produzido pela Revolução Industrial.

É claro que o processo de automatização da produção, o surgimento de novas tecnologias e as mudanças nas relações com o trabalho interferem na situação que se vive hoje. Mas não se trata somente disso. É preciso entender as motivações interiores para poder compreender o papel que a humanidade, principalmente a ocidental, aceitou representar em um mundo regido pelo poder das imagens.

Voltando à senhora do aeroporto, o que me fez lembrar do livro foi a questão tempo, intimamente ligada à velocidade, abordada por Todd Gitlin. Para o autor, um dos fatores que explicam nosso fascínio pelos produtos midiáticos é a necessidade que temos de ir mais rápido, ou de fazer mais rápido, não como um meio para se obter algo, mas como um fim em si. Partindo da premissa básica do capitalismo - tempo é dinheiro -, é evidente que as pessoas correm para ganhar mais dinheiro, ou para ganhar mais tempo, o que acaba sendo a mesma coisa. Mas a incoerência é que, quando conseguem tempo, não sabem muito bem o que fazer com ele. Voltar da praia em um feriado, por exemplo, é um desafio para muitos motoristas que vêem na viagem uma oportunidade de vencer suas limitações em relação ao tempo, tendo como único objetivo contar uma vantagem para os colegas de escritório no dia seguinte. Chegar em casa mais cedo significa, para muitos deles, sentar na frente da televisão para ver nada.

A evolução da humanidade baseia-se em formas de fazer as coisas mais facilmente e mais rapidamente. No capitalismo, fazer mais rápido significa fazer mais. Para consumir tudo isso, é preciso que as pessoas também consumam mais rápido, que essas coisas durem menos, ou pelo seu tempo de utilidade ou pela sua afinidade com o contexto. Rapidez virou uma qualidade em si. Por isso, está presente também na forma como os diferentes produtos midiáticos são elaborados e apresentados.

Mídias sem limite comenta a diferença entre a velocidade de imagens nos filmes de ontem e de hoje. Os cortes secos, as perseguições dos thrillers de ação, as múltiplas imagens dividindo a mesma tela de TV, os games. A velocidade tornou-se uma estética. A imagem em movimento é relativamente recente. Como qualquer linguagem, precisou ser aprendida. Para as novas gerações, que já nasceram alfabetizados nessa nova linguagem, fica mais fácil lidar com essa rapidez. Aliás, a velocidade, para eles, é atributo essencial para despertar o interesse pelas imagens e pelos produtos.

Mas Todd Gitlin não cai na tentação de outros críticos da indústria cultural de satanizar a mídia e colocar as pessoas como vítimas. Na verdade, escolhemos viver mais rápido. Em determinados momentos da História, o homem pôde escolher entre trabalhar menos ou ganhar mais. Ele optou pelo segundo. Mais dinheiro, menos tempo: está aí a situação que cria uma necessidade de consumo da velocidade.

As pessoas vivem suspirando por mais tempo, enumerando as atividades que realizariam se tivessem mais dele. Quando conseguem, a ansiedade não permite que se aproveite esse tempo. Por isso a internet em casa, o celular sempre ligado, a companhia da televisão ou de um filme, muito mais pelo foco de atenção que se tornam do que pelo seu conteúdo.

Em contrapartida, existe um movimento de valorização da lentidão: slow food, viagens de trem, rituais orientais, artesanato, jardinagem, caminhada. Uma alternativa para quem não quer se sentir dominado pela velocidade. É claro, opções tão negociadas e consumidas como qualquer outro produto.

No fundo, busca-se a velocidade como prazer, procura-se dominar o tempo. Quanto mais coisas você conseguir fazer em determinando período, mais reafirma sua superioridade em relação às leis natureza. Gitlin coloca que o tempo é a forma que Deus tem para mostrar que ainda é Ele quem manda. Tudo bem, Einstein provou a possibilidade de dominarmos o tempo, pervertermos seu funcionamento. Voltar no tempo é fugir da inexorabilidade da morte, a motivação por trás de todo o prazer que buscamos. Mas fugir da morte é viver?

No filme Teoria do amor, o Einstein interpretado pelo ator Walter Matthau questiona seus colegas: quem é mais feliz? A pessoa que passou 30 anos viajando no espaço em alta velocidade, e volta sem envelhecer um dia sequer, ou aquele que passou seus 30 anos em terra, estudou, trabalhou, casou, teve filhos e ganhou um monte de rugas?

Acho que feliz de verdade é a senhora que faz crochê na crônica do Cony. O tempo passa para ela na mesma velocidade que passa para as outras pessoas no saguão do aeroporto. Enquanto as outras se debatem, furiosas, porque o tempo corre de uma forma que não foi a escolhida por elas, a senhora aproveita para continuar tecendo sua vida.

Para ir além





Adriana Baggio
Curitiba, 28/10/2004

 

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