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Quarta-feira, 12/1/2005
Desejos e argumentos para 2005
Ana Elisa Ribeiro


Mestre Eduardo entre os aprendizes Jorge e Ana

Aos seis meses de idade, todos os seres humanos sem necessidades especiais ou específicas estão às voltas com um conflito interessantíssimo: a diferença entre querer e realizar; a distância entre desejar algo e poder tê-lo (ou fazê-lo). E esse conflito vai sendo amenizado aos poucos, com o passar não dos dias ou dos anos, mas dos minutos.

Há cinco minutos, o garotinho queria apertar um botão para ouvir um barulho de sirene. O brinquedo era um carrinho cheio de teclas, cada qual disparadora de uma buzina diferente. O bebê já sabe disso e inicia a empreitada de brincar com o carrinho dando-lhe safanões. Não ouve barulhos e ainda joga o brinquedo longe. Em alguns minutos, ele passará a "bater" no brinquedo de maneira mais calculada e sutil. No dia seguinte, estará batendo com um dos dedos, o eleito para quase tudo. No decorrer de uma semana, se o bebê estiver maduro (seu cérebro, suas sinapses), poderá tocar cada botão com um dedo e os barulhos serão mais intencionalmente conseguidos. Aquela jogada de sorte que era dar safanões no carrinho e acertar uns botões aleatoriamente terá dado lugar à relação mais estreita entre querer e poder.

Também algo assim acontece com a vontade de falar. Aos seis meses, o bebê demonstra a intenção de chamar os pais quando os vê passar ou quando quer a atenção deles. Também já emite sons desconexos no lugar da fala articulada e tem intenção quando faz isso. Os pais conseguem entender a intenção do bebê, embora ainda não ouçam palavras ou interjeições (no mínimo).

A vontade de chamar a atenção, de pedir para ir ao colo dos pais, de pedir para ficar de pé, assim como o desejo de pegar a mamadeira que está longe já existem. Falta ao menino coordenação motora e articulação para executar essas tarefas.

Todos ao seu redor fazem todas essas coisas o dia inteiro. O garotinho sabe que pode aprender tudo aquilo e deseja aprender. Quando não consegue, fica irritado, chora, geme. A mãe ajuda a realizar algumas coisas, o pai traz a mamadeira, a avó põe de pé. Mas ainda não é possível fazer com autonomia. No entanto, não obstante a falta de coordenação motora, o mais importante já está lá: a vontade de fazer.

E essa vontade vem antes da coordenação. O desejo de falar, de se manifestar, de reagir chega antes de poder articular palavras, andar, correr, pegar o que parece ao alcance. Também essa distinção (o que está e o que não está ao alcance no momento) é algo aprendido com a experiência.

O garoto quer. Isso garante uma série de coisas, uma das quais, muito importante: o aprendizado. Se ele não desejasse antes de fazer, não faria. Se ele não admitisse os desafios do minuto seguinte, não sentiria o impulso de dar safanões no brinquedo até conseguir dele uma sirene de polícia, um miado, uma risada de palhaço.

Os desejos de aprendizado, de mudança, de execução; as reações, ações e sensações pró-ativas devem chegar antes e devem mover e retroalimentar.

O garoto de seis meses tem muitas tarefas por dia pela frente, assim que acorda, às 7 da manhã. À noite, terá aprendido a chupar o dedo com mais precisão e terá segurado a mamadeira mais pesada. Aos seis meses, a vontade de chamar a atenção dos pais faz com que ele ensaie ruídos que querem dizer: venham cá. E os pais entendem que a intenção seja essa porque todos ali dispõem de linguagem: coisa que entre os humanos é algo facilitador (ou deveria ser!) e ordinário.

Aos seis meses, o menino sabe o que quer e atua no meio em que vive para conseguir seus intentos e mais interessante: para aprender. E se tudo der certo, conforme as experiências que ele terá ao longo dos anos, aprenderá muitas coisas da natureza e da cultura e se formará sujeito (e não um assujeitado); educado e social (e não um sem educação que não conhece seus limites e os dos outros).

Essas pequenas lições que aprendi com meu filho me fazem ficar atenta às coisas que eu desejo, quero e para minhas ações, ao longo do tempo, em meu meio, na interação com os outros e com o ambiente, para executar tarefas da minha natureza e da minha cultura, ambições e a consecução das vontades.

Uns têm vontades e não agem; outros agem sem querer; alguns agem sem pensar (fato grave). Muitos parecem morrer em vida e não têm os progressos de um bebê de seis meses. Eu ando repensando isso e reavaliando os progressos que posso conseguir para não ficar para trás (em relação ao garotinho que tenho em casa).

O início de um novo ano pode ser um momento interessante para ter desejos. Melhor ainda: para começar a agir, tenha o sujeito seis meses ou sessenta anos.

* * *


E não ousem dizer que a foto é montada. Não é. O guri não nega a raça. Aprendeu a gostar de livro. Agora não tem mais volta. Anda pedindo para ir à estante ver aquelas lombadas coloridas e pede para parar na frente da ala de poetas. Entre os preferidos, Ricardo "Ximite" Carvalho, com seu Lascas.

Sade ou Sades?
Foi realizada, no mês passado (ano passado!), a Bienal dos Piores Poemas, em Belo Horizonte. Não sabemos ao certo, mas deve ter sido sua terceira ou quarta edição. O tema deste ano era "os clássicos". A "tarefa" dos concorrentes era "transcriar" um poema conhecido e torná-lo muito pior do que o original. Não fomos informados sobre os "ganhadores", mas um dos poemas que recebeu menção honrosa foi de Eugênio Alves Pereira Macêdo (Boca de Ouro), que "transcriou" um poema do livro Perversa, da patifa Ana Elisa Ribeiro. O texto original era "Sade" e o piorado chamou-se "Sades", sendo que é difícil saber qual dos dois é mais ferrado. Curioso que o poema de Ana Elisa tenha sido aceito pelo concurso dentro do tema "clássicos". Vai entender... Veja abaixo as duas peças:

"Sade"
por Ana Elisa Ribeiro

Basta
Quando eu pedir
Me bata

* * *

"Sades"
por Boca de Ouro

Comprarei para nós
Nova aliança
Um chicote

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 12/1/2005

 

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