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Terça-feira, 11/1/2005
O discreto charme dos sebos
Luis Eduardo Matta

Um sebo tem vida própria. Interage com a cidade sem, contudo, misturar-se a ela. É como se, de um modo não-intencional, porém inevitável, se resguardasse do ritmo das ruas, preservando um calendário próprio e autônomo que parece desdenhar dos apelos mais sedutores da modernidade. Entre as suas paredes forradas de estantes abarrotadas com toda a memória de décadas de produção literária, oferece aos seus visitantes um ambiente de aconchego, proporcionando um saudável desligamento temporário da vida exterior. Experiência semelhante, embora menos intensa, à que se tem com a leitura de um bom livro, quando as páginas capturam a nossa atenção, seqüestrando-nos, por alguns momentos, da nossa própria realidade.

Na década passada, existiu, no coração de Ipanema, no fundo de uma pequena galeria defronte à mais elegante praça do Rio de Janeiro, um pequeno sebo chamado Alpharrabio, cujo fechamento, deixou saudades, creio, em muitas pessoas além de mim. A descoberta deste sebo ocorreu por acaso. Era o verão de 1995; se eu não me engano, um fim de tarde do princípio de março. Eu caminhava pela rua Visconde de Pirajá acompanhado do meu psicanalista e amigo, quando decidimos procurar um lugar para tomar um café. A esta altura, estávamos exatamente em frente à galeria e ela acabou sendo a escolha mais óbvia para iniciar a busca. Quando nos vimos diante da discreta fachada do sebo, resolvemos entrar, por curiosidade, ainda porque o local tinha ar-refrigerado e a tarde estava quente. O ambiente que encontramos não poderia ser mais receptivo. Lembro-me, perfeitamente, da grande bancada com revistas antigas que dava as boas vindas aos clientes e da estreita escada em caracol que conduzia a um mezanino baixo, onde só era possível se locomover agachado. A oferta de livros era generosa, o local era limpo e o atendimento, cordial. Imediatamente, tornei-me freguês. No Alpharrabio, encontrei, por exemplo, um antigo livro turístico sobre a Síria, editado na França, que me auxiliou bastante na confecção do meu romance 120 Horas. Lá, também tive a oportunidade de experimentar, na pele, o que é perder completamente a noção do tempo, ao atravessar uma tarde inteira remexendo nas prateleiras e só ir embora depois de ser alertado por um dos funcionários de que estava na hora de fechar o estabelecimento.

Estar num sebo é diferente de estar numa livraria. São ambientes distintos, que não se confundem. Às vezes, um sebo é bem organizado à maneira de uma livraria, com as prateleiras aprumadas e os livros, usados, com aspecto de novos. Outros parecem eleger a bagunça total como marca e, encontrar um título em meio a pilhas e mais pilhas de livros e revistas amontoados sem qualquer critério torna-se quase um suplício. Mas, todos, em geral, ostentam uma inegável atmosfera de informalidade, que convida ao diletantismo e ao relaxamento. Se aventurar por eles é, de repente, se ver cercado por um pedaço da memória escrita, por títulos de ontem e de hoje, que cumpriram uma longa trajetória desde que saíram da gráfica até encontrarem um abrigo naquele espaço democrático. Num sebo, é como se cada livro, revista, enciclopédia, almanaque, tivesse uma história diferente para contar. Umas mais tortuosas, outras mais prosaicas, algumas até tristes (como a de um livro encalhado, despejado do depósito da editora junto com toda a edição, como se fosse entulho sem nenhum valor), mas todas devidamente registradas nas capas e páginas já meio gastas, algumas amassadas ou amareladas, como as rugas que denunciam, nos rostos das pessoas, a passagem do tempo e o acúmulo de experiências.

O Alpharrabio fechou definitivamente as portas na segunda metade da década de 90. Hoje, no seu lugar funciona uma lanchonete. Neste período outros sebos surgiram na cidade e o substituíram à altura: Mar de Histórias; Baratos da Ribeiro; Al-Farabi; Livros, Livros e Livros e Boca do Sapo são alguns deles. Eu sou incapaz, por exemplo, de passar em frente ao Mar de Histórias, em Copacabana, com sua impressionante oferta de títulos e suas vitrines coloridas, repletas de livros em oferta, cada qual mais lindo do que o outro, sem dar uma entradinha. O problema é que essas "entradinhas" acabam nunca durando menos do que uma hora e, por essa razão, eu reluto em pisar na calçada onde fica o sebo, às vezes tendo de atravessar a rua para não cair em tentação. O Baratos da Ribeiro, também em Copacabana, por sua vez, possui uma simpática bancada de livros em oferta do lado de fora e um ótimo acervo de LPs e é outro que não permite uma visita rápida, induzindo seus clientes a demoradas estadas em meio à sua fartura de títulos. Já o Livros, Livros e Livros, em Ipanema, situado no térreo de uma moderna galeria comercial, oferece um ambiente mais refinado, bem iluminado, com os exemplares elegantemente enfileirados em prateleiras de madeira escura, pesados e vistosos livros de arte dispostos de forma meticulosa na vitrine e até o charme de um antigo telefone preto dos anos 40/50, pescado num antiquário, sobre a escrivaninha que fica no fundo da loja.

Imagino que cada freqüentador de sebos tenha uma boa história para contar sobre seus hábitos e suas experiências. Um livro especial reencontrado ao acaso, uma obra marcante descoberta durante uma garimpagem, momentos de total abstração da correria das ruas, uma construtiva troca de idéias com um outro freguês. Isso, sem contar, o enorme prazer que é estar rodeado de livros, num ambiente mais despojado do que o de uma livraria e menos austero do que o de uma biblioteca. Além do mais, o advento dos sebos serve para derrubar automaticamente o principal argumento que pessoas com preguiça de ler costumam oferecer para justificar a sua distância dos livros: o de que eles são caros. Quem conta com sebos por perto, não tem o direito de dar essa desculpa, já que os preços praticados por eles são, na média, para lá de convidativos. Sendo assim, vai a minha sugestão: sempre que tiver chance, reserve um bom par de horas de uma manhã ou de um fim de tarde, caminhe até o sebo mais próximo, vasculhe as estantes sem pressa, leve os exemplares que lhe agradarem e, em seguida, sente-se num café, peça um cappuccino ou um refresco e folheie demoradamente suas mais novas aquisições. Se puder fazer isso na companhia de um bom amigo, melhor ainda. Você verá como, no fim do dia, seu espírito estará mais leve e sua mente mais tranqüila. Uma terapia boa, barata e eficaz que eu venho praticando quase semanalmente, sempre com resultados mais do que surpreendentes.

Projeto leva a história da música para dentro dos museus

O Música no Museu é uma interessante e bem-sucedida iniciativa, nascida no Rio de Janeiro no final de 1997, que promove apresentações gratuitas de diversas vertentes da música clássica e erudita em quatorze museus do Rio e, também, em cidades como São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Florianópolis. A idéia é extraordinária: aproximar o público da música erudita, tão distante do cotidiano do povo e, por isso mesmo, desconhecida da maioria. É, igualmente, uma excelente oportunidade para se visitar alguns dos mais importantes museus brasileiros como o Nacional de Belas Artes (onde o projeto teve início), o Histórico Nacional e o da República.

Nesta terça-feira, dia 11 de janeiro, dentro do projeto, tem início a temporada de 2005 da série Concertos de Verão, cuja abertura contará com a apresentação do pianista Miguel Proença, que tocará, entre outras peças, a Grande Fantasia sobre o Hino Nacional Brasileiro de Louis Gottschalk e a Marselhesa. O evento abrirá as celebrações do Ano Brasil-França e acontecerá, não por acaso, na Casa França Brasil, no centro do Rio. No dia 14, será a vez de a Orquestra Brasileira de Harpas, se apresentar no Centro Cultural Justiça Federal, na Cinelândia e no dia 15, o Quinteto Carioca tocará no Museu da Chácara do Céu, em Santa Tereza.

O projeto Música no Museu foi inspirado em programações similares existentes em conceituados museus do mundo (Metropolitan e MoMA, em Nova York; Louvre, em Paris e Museu do Prado, em Madri, entre outros) e hoje, é o responsável pelo maior número de concertos mensais realizados no Rio de Janeiro. São eventos imperdíveis, que devem, obrigatoriamente, figurar na agenda daqueles que prezam a boa música e apreciam o ambiente civilizado dos museus. Mesmo porque, em tempos de crise, um programa de alto nível com entrada franca não é algo que deva ser ignorado até por quem não é tão aficionado por música clássica ou artes plásticas.

Luis Eduardo Matta
Rio de Janeiro, 11/1/2005

 

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