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Quinta-feira, 27/1/2005
Política de incentivo à leitura
Marcelo Maroldi

A política de incentivo à leitura foi sancionada semanas atrás, mas a notícia - de fundamental importância - não gerou a discussão merecida, pelo menos aqui no Digestivo Cultural. Fiquei esperando alguém escrever a respeito, mas, vendo que ninguém se manifestou, resolvi comentar o assunto.

Sancionada em 21 de dezembro de 2004, a Lei estabelece que todas as operações que envolvam livros no Brasil (isto inclui editoras, distribuidoras e livrarias) estão isentas de parte dos impostos cobrados, PIS e COFINS para ser exato, alíquotas que variavam de 3,65% a 9,25%. Essas regras valem para importação de livros, inclusive. Além disso, foi criado o Fundo Nacional de Incentivo a Leitura, que receberá contribuição de 1% sobre o faturamento das empresas do setor. Essas medidas integram uma série de leis que compõem o Plano Nacional do Livro e Leitura, a ser lançado em 2005 (a propósito, São Paulo criou seu plano também para 2005, São Paulo: Um Estado de Leitores. Esse ano é o ano Ibero-Americano da leitura, comemorado em 21 países, cuja principal diretriz trata da democratização do livro. No Brasil, 73% dos livros estão concentrados em apenas 16% da população, segundo pesquisa do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel)). Dessa maneira, o próprio governo, comprador anual de dezenas de milhões de livros, será beneficiado, pagando menos para adquiri-los. A expectativa é de uma redução de 10% sobre o preço de capa do livro em poucos anos.

Essas leis, somadas a outras que virão, pretendem, em curto prazo, elevar em pelo menos 50% o índice nacional de leitura dos brasileiros. Hoje, esse índice é de (cômicos) 1,8 livros por ano por pessoa, menor que os números da Colômbia (2,4 livros/ano/pessoa), EUA (5) e França (7). Além do mais, sabemos que a média nacional é mantida por um número ínfimo de pessoas, que lêem dezenas de livros ao ano e "elevam" nosso índice a esses ridículos 1,8 livros/ano, na média per capita. Pois, sabemos bem, a população não lê 1,8 livros por ano. Não lê nenhum, aliás! Nem bula de remédio, placa de ônibus ou o nome do candidato em que vota. Somos um país de semi-analfabetos (para não dizer analfabetos) que rascunham seu nome grosseiramente, apenas isso. Conheço pessoas que jamais leram um único livro. Imagino que alguns nunca nem sequer viram um livro. Esses não lêem 1,8 livros por ano...

A redução do preço esperada com a isenção de impostos, cerca de 10%, não parece muito animador, mas já é alguma coisa. Um livro de 100 reais - e eles estão mais comuns hoje em dia - sairia por 90 reais, ainda bem caro. Um livro de 30 reais sairia por 27 reais, sobrando ainda 3 reais para um cafézinho. Tenho sérias dúvidas se esta diminuição de preços dará resultado significativo no resultado de vendas. Os livros são caros, bem, talvez eles tenham um preço razoável e justo, mas o povo não tem nenhuma condição de comprá-los. Portanto, nada muda (segundo a pesquisa da Snel, 6,5 milhões de pessoas não tem condição alguma de adquirir um livro. Eu acho esse número exageradamente otimista). Isso me faz lembrar o que disse o escritor Ferrer (Manual Prático do Ódio, ed. Objetiva) sobre sua dificuldade em obter livros quando jovem. Ele preferia comprar livros velhos no sebo do bairro, a 1 real, pois era mais barato que pegar um ônibus (ida e volta) e ir a biblioteca no centro. Afinal, as bibliotecas nunca estão nas periferias.

Ouvi, novamente, uma conversa sobre incluir livros na cesta básica! Acho uma péssima idéia, nem sei por que sempre falam disso! Quem recebe cesta básica se preocupa com o arroz e feijão do dia-a-dia, chega em casa cansado depois de pegar 2 ônibus e 1 metrô, assiste a novela das oito e dorme (talvez veja o BBB também). Não vai ler...Pergunte ao recebedor da cesta se ele não trocaria o livro por um pacote de açúcar? É preciso criar o hábito da leitura e isso não se faz apenas dando o livro. Tenho amigos com bibliotecas em casa e nunca entraram lá nem por curiosidade (segundo a pesquisa da Snel, 61% dos brasileiros adultos alfabetizados têm muito pouco ou nenhum contato com livros). É necessário despertar o gosto pela leitura e mostrar a importância de ler. Os dois aspectos são importantes. Talvez seja mais importante investir o dinheiro em oficinas de leitura nas escolas públicas, como as que tive quando tinha 7 anos e íamos à biblioteca municipal, onde as "tias" liam um livrinho infantil e depois desenhávamos aquela historinha em papéis de cartolina colorido, que ficavam pendurados por uma semana na entrada. Depois, nos davam os livrinhos e, então, líamos em casa (eu lia, pelo menos!). Uma outra iniciativa, menos eficiente, foi quando participei de um campeonato de futebol e cada criança recebeu um livro (o meu foi Sonho de uma noite de verão). Conversando com os demais meninos soube que ninguém abriu seu livro (lembro a todos que 52% das crianças das escolas primárias brasileiras lêem um texto e não conseguem interpretá-lo).

O nosso mercado editorial precisa de uma sacudida... Muitos reclamam que os autores novos não têm qualidade. Claro, quem não lê não sabe escrever. Quanto mais pessoas lerem, mais escritores teremos, e melhores livros, portanto. Por que será que surgem jogadores de futebol na periferia e não escritores?

As editoras insistem em (re)publicar os autores consagrados (aliás, são necessários vários "re" ali atrás). Os novos não têm o mesmo espaço. Pelo que li no Le Monde, a França vive uma explosão de novos escritores. As pessoas lá querem escrever, muitas conseguem. Aqui, um número menor, mas também significativo, quer escrever, mas não tem chance. Tentar só dará uma sensação de derrota. Poucos têm sorte. É necessário mais que talento para ser escritor neste país que lê 1,8 livros/ano por pessoa. Os livros estrangeiros e os livros renomados superlotam as prateleiras das livrarias, respondendo por uma grande parcela dos livros comercializados. Enfim, temos um perfil: as pessoas não compram livros pois não têm dinheiro e nem interesse em fazê-lo, os escritores acabam desistindo de seguir na profissão pois não têm oportunidades, e as editoras são apenas empresas querendo sobreviver lucrativamente...

Estima-se que o valor economizado pelo mercado editorial com a Lei será de 160 milhões de reais por ano. Se o Ministério da Cultura acredita que essas medidas permitirão que as Editoras invistam em novos autores, é melhor aguardar para ver. Torço para que sim.

Uma outra iniciativa que ouvi sugere enviar "caravanas" de escritores às universidades brasileiras, onde seriam feitas palestras, painéis, etc. Sou contra! Os escritores devem ir as escolas primárias, se possível às públicas, onde a presença improvável de um escritor pode fazer a diferença entre tornar o menino um estudante de verdade ou um futuro criminoso (aliás, profissão onde não é necessário ler). Além do mais, na universidade se lê muito pouco - e mal - também. E eles já são "grandinhos" e educados suficientemente para saber da importância de ler. Não se diz que na universidade cada um se vira por si? Então... levemos os escritores a quem ainda tem salvação.

Segundo a Câmara Brasileira do Livro (CBL), no Brasil há 26 milhões de leitores ativos. Não sei exatamente como classificar um leitor como ativo mas, seja o que for, é um número baixo. Baixíssimo! Um número 100% superior, aliado a uma renda salarial maior dos consumidores, ou mais bibliotecas, talvez faça bem ao mercado do livro no país.

Nota do Editor
Marcelo Maroldi assina também o blog que leva o seu nome.

Marcelo Maroldi
São Carlos, 27/1/2005

 

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