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Segunda-feira, 6/8/2001
O início da TV foi parecido com o Napster
Vicente Tardin

Uma das lendas sobre o início da televisão diz que o embrião do que hoje é a TV foi demonstrado pela primeira vez nos Estados Unidos por um fazendeiro chamado Philo Farnsworth, em 1927. Digo lenda porque praticamente todos os inventos modernos já nasceram em um capitalismo feroz, onde o sistema de patentes define a fortuna de uns e a ruína de outros.A lâmpada, o fonógrafo, a televisão e o rádio envolveram verdadeiras sagas de processos jurídicos, com a atuação de exércitos de advogados.

Mas voltando ao nosso fazendeiro... Ao saber da demonstração da TV que iniciava, um certo Vladimir Zworykin apresentou-se como o verdadeiro inventor, afirmando que teve a idéia da televisão muito antes, em 1923, ainda que sem provas convincentes.

Em 1927 a RCA era poderosa. Era forte como emissora e fabricante de rádios e estava interessada em manter o monopólio. Se existisse algo como televisão, o passo natural seria a RCA passar a fabricar aparelhos, criar emissoras e manter o controle.

Mas em vez de licenciar o invento do fazendeiro e aperfeiçoá-lo, a RCA achou melhor processar nosso amigo Farnsworth, sob o pretexto de que sua patente seria inválida, pois o verdadeiro inventor da televisão teria sido Zworykin (detalhe: este já trabalhava para a RCA...). Por que perder para um fazendeiro, oras?

A RCA jogou pesado. Foram seguidos lances nos tribunais, em uma seqüência que acabou por esgotar o fazendeiro em todos os sentidos. No final das contas, ele venceu a disputa e a RCA teve sim que pagar uma licença. Mas o mal já havia sido feito - os lances do tribunal azedaram a vida de Farnsworth, que se tornou um deprimido até o fim da vida, em 1971.

E o que isso tem a ver com a internet? É muito parecido com o que as gravadoras unidas fizeram e estão fazendo com iniciativas peer to peer como o Napster.

Não sabemos como será o futuro da música digital, mas possivelmente um dia nosso filhos e netos vão achar que foram as gravadoras que inventaram o serviço genial de troca de músicas pela internet, esquecendo que um obscuro programador (no lugar do obscuro fazendeiro) iniciou tudo, a ponto de ameaçar os interesses da indústria do disco.

A história todo mundo sabe de cor. O Napster perdeu, foi absorvido pela Bertelsmann, e poderá ser um sucesso ou simplesmente um fósforo queimado.

A moral da história é simples. A milionária batalha judicial é pelo controle de uma nova tecnologia que surgiu - e que a indústria do disco não estava interessada em criar. Assim como no caso da RCA com o início da televisão, as gravadoras não querem matar a inovação. Querem apenas destruir o inovador e reinventar tudo - para serem eles os inventores.

A intenção já foi explicitada várias vezes pelos diretores das indústria do entretenimento. Foi o caso, por exemplo, do CEO da AOL Time Warner, Gerald Levin, que disse estas palavras durante um painel de discussão recentemente: "O Napster é um modelo para a próxima geração de distribuição de música. Mostrou o caminho para um sistema de entrega de conteúdo que representará o futuro para a distribuição de música e de outros tipos de entretenimento. O valor do Napster é basicamente ser a primeira interação de um novo modelo para consumo de entretenimento com um espaço digital que não possui um lugar físico e que eu posso acessar a qualquer hora, por meio de múltiplos aparelhos. E música é apenas a primeira amostra de onde nós levaremos o entretenimento".

Imagine se meses atrás os advogados do Napster tivessem apresentando a seguinte proposta de acordo aos advogados das gravadoras: "Nós fecharemos o sistema agora, para sempre, se em troca vocês assinarem um documento se comprometendo a nunca abrir um serviço de distribuição de músicas semelhante ao nosso". Vocês acreditam que as gravadoras aceitariam?

Nota do Editor
Vicente Tardin é editor do Webinsider, onde este texto foi originalmente publicado.

Vicente Tardin
Rio de Janeiro, 6/8/2001

 

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