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Quarta-feira, 2/3/2005
Clássicos? Serve Fla x Flu?
Marcelo Maroldi

Droga! Eu falei para o Julio que iria escrever sobre os clássicos. Eu me comprometi com ele! Quem mandou eu ser besta... Vejam onde me meti! Tolice minha. Que posso eu falar dos clássicos, meu Deus? Eu sou apenas um garoto que leu 20 Mil Léguas Submarinas, Alice no País das Maravilhas e As Mil e uma Noites... eu não entendo de clássicos! Que estúpido que fui...

Os clássicos são livros que estamos sempre relendo e...

Hum, que começo! Mas posso melhorar muito... Depois dou uma refinada, cito Crime e Castigo e pronto. Pois, afinal, o que eu vou dizer sobre o assunto "clássicos"? Todo mundo escreve sobre os clássicos! Os mesmos livros são citados sempre... Não conseguirei dizer nada interessante. E eu nem sei direito o que é um clássico. Será que ele vai desconfiar se fingir que esqueci de escrever o artigo?

Os clássicos são livros que estamos sempre relendo e que os intelectuais discutem no café-da-manhã com as crianças.

Bem, melhorou um pouco. Eu nunca tomei café-da-manhã discutindo Os Trabalhadores do Mar, nem Dom Quixote. Deve ser por isso que não sei escrever sobre o assunto. Vou dizer outros nomes de autores e de obras, talvez engane uma ou outra pessoa.

Os clássicos são livros que estamos sempre relendo e que os intelectuais discutem no café-da-manhã com as crianças. A primeira vez que li Confissões, de Santo Agostinho...

Não! Eu nem sei direito se Confissões é um clássico! Como é que eu vou saber? Clássico na opinião de quem? Na minha própria? Da academia? Do grande público? Se fosse do povo, no Brasil não teríamos clássicos. Ninguém lê! Será que existe algum livro que diz quais são os clássicos? Eu poderia dar uma olhada e assim não passo vergonha. Santo Agostinho é autor de clássicos, penso. Vende até hoje, inclusive! Mas é melhor não arriscar... Melhor dizer sobre meu primeiro clássico, que foi, vejamos, A Origem das Espécies, de Charles Darwin. Que besteira disse agora! Como um livro de ciência pode ser um clássico! Poderia ser, mas, sei lá! E também não foi meu primeiro. Eu só virava as páginas porque era cheio de figuras interessantes, e meninos de 8 anos gostam disso, acho. Inferno! Eu preciso lembrar do meu primeiro clássico! Se voltasse no tempo trocaria Os Bichos e Folclore Brasileiro por algum clássico. E queimaria a coleção Vaga-Lume. Por que não me avisaram que eu precisava dos clássicos?

Os clássicos são livros que estamos sempre relendo e que os intelectuais discutem no café-da-manhã com as crianças. A primeira vez que li Confissões, de Santo Agostinho, não entendi nada, mas cheguei a citá-lo algumas vezes, tamanho o prestígio social que a situação proporcionava. Anos depois fiz o mesmo com Erasmo de Rotterdam e seu Elogio da Loucura.

Agora está ficando bom. Já podem pensar que domino os supracitados. Só preciso dizer algo sobre a importância dessas obras e, pronto, livre do martírio... vão até me pedir para falar do grande clássico Cartesiano Meditações de Filosofia Primeira. Animei! Esse artigo vai até ficar bom! Vamos ver, por que devemos ler os clássicos? Se eu digitar isso no Google virá milhares de páginas. Todo mundo entende de clássico, só eu que não. E estou sem internet agora... o que faço? Até lembrei agora de algo curioso. Pouco tempo atrás apareceu no Globo Repórter um senhor que havia lido cerca de 8 mil livros na sua vida de 80 anos (era isso, 100 por ano na média). Esses dias li algo sobre Nelson Rodrigues. Ele dizia que são poucos os livros que merecem serem lidos e são esses que devemos reler, reler, reler. Ele poderia estar falando dos clássicos... Já o senhor de 80 anos deve ter lido muitos clássicos também... e muito material inferior. O que será que vale mais: ler algumas dezenas de vezes poucos livros ou 8 mil distintos? Eu poderia encaixar isso no meu artigo. Citações e idéias dos outros impressionam as pessoas, parece. Vejamos:

Os clássicos são livros que estamos sempre relendo e que os intelectuais discutem no café-da-manhã com as crianças. A primeira vez que li Confissões, de Santo Agostinho, não entendi nada, mas cheguei a citá-lo algumas vezes, tamanho o prestígio social que a situação proporcionava. Anos depois fiz o mesmo com Erasmo de Rotterdam e seu Elogio da Loucura. Quando morrer (Deus permita que demore), deixarei aos meus (sim, transmitirei ao mundo o legado de minha existência) uma biblioteca apenas com clássicos. Um bilhete amarelado será entregue a filha mais velha: leia esses livros todos. Quando acabar, recomece. E jamais empreste para outros! São clássicos, apenas pessoas especiais podem lê-los. Passar bem.

Pena que tive que me decidir pelo Nelson e eu estava propenso ao senhor dos 8 mil... mas ficou ótimo! Podem até estar pensando que é uma tradição familiar Maroldiana morrer e deixar Moby Dick para os descendentes. Aliás, eu o li quando pequeno. Uma versão que, soube muitos anos depois, era péssima. Não sei discutir isso, não tenho conhecimento de causa e nem li o original. Os clássicos deveriam ser lidos no original, então! Desse modo, ninguém jamais apontaria o dedo para mim berrando: ei, você tem que ler a tradução de fulano! Seria uma ótima oportunidade de exercitarmos nosso latim, árabe, francês e italiano (já é suficiente. Não gosto de exagero). Isso parece bom de incluir no meu texto.

Os clássicos são livros que estamos sempre relendo e que os intelectuais discutem no café-da-manhã com as crianças. A primeira vez que li Confissões, de Santo Agostinho, não entendi nada, mas cheguei a citá-lo algumas vezes, tamanho o prestígio social que a situação proporcionava. Anos depois fiz o mesmo com Erasmo de Rotterdam e seu Elogio da Loucura. Quando morrer (Deus permita que demore), deixarei aos meus (sim, transmitirei ao mundo o legado de minha existência) uma biblioteca apenas com clássicos. Um bilhete amarelado será entregue a filha mais velha: leia esses livros todos. Quando acabar, recomece. E jamais empreste para outros! São clássicos, apenas pessoas especiais podem lê-los. Passar bem. Deixarei um outro bilhete - marrom esse - dando ordens explícitas para lerem apenas os originais. Leituras traduzidas resultarão em perda dos direitos de usufruir a biblioteca, o que significa deixar a Ética e a República de lado.

Está ficando bom... uma frase de impacto agora cairia bem. Preciso comprar aquele livro de citações clássicas que o Pedro Bial assume "chupinhar" sempre no BBB (que eu não assisto, afinal, quem lê A Montanha Mágica, de Thomas Mann, em alemão, não assiste a esse tipo de idiotice). Poderia colocar umas 2 ou 3 frases clássicas aqui, de Cícero primeiro, passo por Santo Antão e finalizo com Kant ou Hume ou Spinoza (Paulo Coelho, Frei Beto e José Sarney também servem). Quantas besteiras estou dizendo... sorte que estou sozinho aqui. E o Bial não é dos piores poetas que já vi, apesar de não ser nenhum clássico, como Mário de Sá-Carneiro. Bem, não importa, o que preciso é dar um jeito de dizer do maior clássico de todos; um livro traduzido em dezenas de centenas de idiomas (algumas línguas mortas até), com versões diversas, conteúdo eventualmente variável, variabilíssimo, diria. Não é à toa que foi o primeiro livro a ser impresso por Gutenberg. Sim, falarei algo da Bíblia, um livro que não dá status a quem lê, provavelmente mal traduzido e de complexo entendimento. Portanto, tem tudo de um clássico.

Os clássicos são livros que estamos sempre relendo e que os intelectuais discutem no café-da-manhã com as crianças. A primeira vez que li Confissões, de Santo Agostinho, não entendi nada, mas cheguei a citá-lo algumas vezes, tamanho o prestígio social que a situação proporcionava. Anos depois fiz o mesmo com Erasmo de Rotterdam e seu Elogio da Loucura. Quando morrer (Deus permita que demore), deixarei aos meus (sim, transmitirei ao mundo o legado de minha existência) uma biblioteca apenas com clássicos. Um bilhete amarelado será entregue a filha mais velha: leia esses livros todos. Quando acabar, recomece. E jamais empreste para outros! São clássicos, apenas pessoas especiais podem lê-los. Passar bem. Deixarei um outro bilhete - marrom esse - dando ordens explícitas para lerem apenas os originais. Leituras traduzidas resultarão em perda dos direitos de usufruir a biblioteca, o que significa deixar a Ética e a República de lado. O único livro permitido não ler o original é a Bíblia Sagrada, pois os originais nem existem mais e as cópias existentes não são tão fiéis aos originais assim. Mas o aramaico e o grego coiné não seriam problema! Depois disso poderão ler a Legenda Aurea. Manuscritos originais, evidente.

Não gostei do final. Eu deveria ter falado dos melhores livros que li, e, sendo assim, são os "meus" clássicos. Olhais os lírios do Campo, O sofrimento do jovem Werther, Cem anos de Solidão, O Muro... e não fiz nada disso... Creio que falarei ao Julio que não escrerei sobre o assunto, de fato. Se pelo menos fosse do clássico do futebol carioca mais recente (que terminou empatado 2 a 2) talvez eu tivesse algo a acrescentar. E eu gosto mesmo é de ler! Claro que prefiro os bons livros, mas os ruins são a maioria, infelizmente. Não posso mentir para o Julio, não foram os clássicos que mudaram a minha vida... Foram os livros, os livros comuns, os livros bons, os livros ruins, os livros desconhecidos, os livros sem capa e sem glamour, os livros sem graça, os livros que os intelectuais não discutem com os filhos no café-da-manhã, os sonhos imortalizados dos falsos escritores, os livro de páginas amarelas... Foram os livros... foram os livros que mudaram minha vida.... e os clássicos são apenas um conjunto pequeno destes...

Sinto muito, Julio.

Estarei viajando e não terei como escrever o artigo. Tenha um bom dia.

Nota do Editor
Marcelo Maroldi assina também o blog que leva o seu nome.

Marcelo Maroldi
São Carlos, 2/3/2005

 

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