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Sexta-feira, 15/4/2005
Minha experiência com rádio
Julio Daio Borges

Como ouvinte, sou do tempo em que o Emílio Surita, muito longe do Pânico de hoje (digo, o televisivo), apresentava um programa à tarde com a finada Mônica, na Jovem Pan 2. Ele era mais um locutor cativando fãs e tentando conquistar espaço. O Djalma Jorge, seu personagem, era um hit - e as inserções humorísticas, da Pan, eram as melhores antes dos Sobrinhos do Ataíde, na 89 FM, muito depois. Estávamos mais ou menos no meio da década de 80.

Eu estava na escola. No ginásio. A Jovem Pan, então, cresceu, ameaçou virar televisão - e embregou para nunca mais (eu jamais gostei da sua fase eletrônica posterior). Era Fagner e Jane Duboc goela abaixo, quase de bloco em bloco, e propagandas intermináveis, que me faziam mexer no dial. A Pan tornou-se campeã de audiência e eu pulei fora.

Pouco antes, de tão fanático, fui até ao show da Jovem Pan, no ginásio do Ibirapuera. Todos os eventos eram lá (alguém lembra do The Cure?). Eles transmitiam a chegada dos artistas como se fosse o Oscar, e o rock brasileiro, no auge (antes da queda), me fez vibrar. Não por muito tempo, porque eu, meu irmão e minha prima tivemos de ir embora antes da meia-noite, para não virar abóbora. Lembro que ia entrar o Lobão...

Meu amor radiofônico provavelmente começou na Cidade, que também tinha o seu programa cafona, o Love Songs (existe até hoje?). Era um prato cheio para um adolescente, ou pré-adolescente, apaixonado que não saía de casa, por muito novo, num sábado à noite, e que podia se consolar com baladas mela cueca, como "Crazy for you", da Madonna.

Agora, na minha memória, confundo tudo, mas penso que o Beto Rivera (alguém lembra dele?) me ensinou algum inglês na Teletradução. Era depois ou antes do hit parade, precedendo a Hora do Brasil, na Cidade ou na Pan, onde o locutor, com sua voz aveludada, destrinchava as letras do A-ha, do Toto, do Simple Minds (eu gostava, eu gostava).

O mesmo Beto Rivera eu fui encontrar, anos depois, muitos anos depois, comendo hambúrguer na madrugada de São Paulo. Ele me era tão familiar que eu poderia abraçá-lo, mas me limitei a um aperto de mão e a indagar - na falta de outro assunto - sobre a mulherada que o assediava (se é que havia alguma). O Rivera apresentava, também, na TV, o Clip Trip (ou qualquer coisa assim, na Gazeta). Eu e meus colegas de fim de ginásio ríamos dele, da sua falta de jeito, mas descobrimos coisas, sobre por exemplo o título do então último disco do Van Halen, que sem o Beto Rivera seria impossível. Estávamos alguns anos antes da MTV.

Na transição dos 80 para os 90, migrei para a 89 FM. Era completamente outra coisa. Não havia, ainda, embarcado na onda do hardcore - e do jabá roqueiro desenfreado. Era alternativa mesmo, e lançava uns apelos ecológicos que, depois da Eco-92, se tornaram lugar-comum e até obrigação de todos. Eu me meti a andar de skate (os esportes radicais engatinhavam) e ia para o half ao som de The Church, R.E.M. (antes de "Losing my religion") e The Mission. Havia um certo ativismo no ar e eles colocavam faixas engajadas como "Beds are burning", do Midnight Oil, e "Mandela day", do mesmo Simple Minds da Jovem Pan (gravada ao vivo naquele show pela libertação de Nelson Mandela, antes da presidência).

Continuei fiel por alguns anos e assisti à sua conversão ao culto das guitarras distorcidas, porque, naquele então, eu também me convertia. A 89 FM se dispunha a divulgar conjuntos considerados abomináveis, como Sepultura e Ratos de Porão, pelos quais eu militava. E mantinha, ainda, uma espécie de reportagem jornalística, garimpando novidades. Exemplos disso foram: o Rock Report, histórico, do Fabio Massari; e, na era pré-cambriana, o Novas Tendências, do José Roberto Mahr, que eu confundia com o José Emílio Rondeau, marido da Ana Maria Baiana. O Paulo Lima cornetava o Trip 89, antes da consagração da revista, e eu me lembro nitidamente dele narrando as peripécias do surfista Pi-cu-ru-ta Sa-la-zar.

Por falta de opção, segui com a 89 FM na faculdade, na explosão do grunge, embora no colegial minha "rádio" fosse mesmo a MTV (dos primórdios) e o programa do Serginho Groisman na TV Cultura (também nos primórdios). Minha descoberta subseqüente da MPB não teve praticamente eco no dial. Premido pelo rock'n'roll interminável de meus colegas de engenharia, permaneci na inércia da 89.1 Mhz, ainda que intelectualmente ela estivesse longe de satisfatória.

Então eu me abastecia de CDs e acredito que nunca comprei tantos como naqueles anos. Não havia outra fonte para Caetano, Gil, Elis, Milton e outros. Ao mesmo tempo, os grandes selos desovavam, industrialmente, as obras completas desses monstros. O que eu não conseguia comprar - pois minha autonomia de vôo não era ilimitada -, eu alugava numa locadora de discos que descobri perto de um shopping. Minha curiosidade pelas origens do rock também se misturou a essa fase e, numa ida (ou duas) aos Estados Unidos, trouxe, de uma tacada só, dezenas de CDs e alguns boxes.

Meu divórcio das rádios seria, progressivamente, definitivo, na medida em que, para cada salto meu em sofisticação estilística (para o jazz, por exemplo), correspondia uma queda no padrão de qualidade geral da dita Freqüência Modulada (para o axé, por exemplo). Meus usos, a partir daí, seriam bastante específicos e, com a juvenilização eterna, de produtos e serviços, qualquer pessoa que tenha se tornado adulta, nesse período, seguiu pelo mesmo caminho. Para meu alívio, e de muitos mais, contribuiu o desenvolvimento do toca-CDs para carros, visto que os primeiros modelos só faziam pular e exigiam do motorista malabarismos arriscados, ao ter de dirigir e de trocar, com a mão, os disquinhos.

Vi, ainda, do fim da década de 90 pra cá, o nascimento da CBN que, quando comecei a estagiar de verdade (e me sentia como que inserido no mercado de trabalho), era a minha rádio predileta. Chorei, por exemplo, subindo uma travessa da avenida 9 de Julho, quando noticiaram que o Paulo Francis havia morrido e transmitiram depoimentos aos montes. Em matéria de música, trombei com a 89,7 FM, da anunciada Nova MPB (que, de MPB mesmo, tinha muito pouco); com a Mix, que, de início, soou simpatiquinha, fazendo um contraponto ao puro ruído da 89, para a geração dos anos 80 (a minha), mas que foi um amor que não durou; e, por último, com a Kiss, cujo diretor eu conheci, e que tinha uma boa proposta, mas que, por ser previsível - como o próprio rock, aliás -, rapidamente perdeu a graça (e o sabor da novidade).

Hoje navego entre algumas dessas (sem esperança) e algumas outras, de que eu espremo um ou outro minuto de valor. Em 2004, ouvi muito a Cultura FM (e até fui entrevistado lá), mas, em 2005, não me identifiquei com as metas da nova direção, que, a meu ver, extinguiu alguns dos melhores programas, como os de Dante Pignatari, Cynthia Gusmão e Marta Fonterrada. Ainda assim, "freqüento" lá de vez em quando. A Eldorado é a preferida da minha namorada e eu pesco nela eventualmente alguma coisa interessante - como o quase sempre bom programa da Patrícia Palumbo, na hora do almoço. Também algumas tentativas de modernização, que, apesar de soarem confusas, com tantos retalhos e rótulos na programação, trazem dicas salvadoras como as, quase sempre (idem), do Nelson Motta. A Eldorado tem a qualidade de ser low-profile: ao contrário das outras, não incomoda. Completando - do erudito para o MPB e o jazz, para o rock - a Brasil 2000 FM, que vale pelo Garagem (do André Barcinski, às segundas à noite) e, quase diariamente, pelo happy hour do Kid Vinil. Tem uma saudável abertura ao novo, que a maioria das estações, a exemplo das gravadoras conservadoras, abandonou - a não ser que seja um patrocínio "feito" para estourar. Não é um quadro animador, eu assumo, mas penso que essas três não adotam a postura acomodada das demais, que, salvo raríssimas exceções, trabalham na mesma velha forma do desastre: eu falo, você me escuta - e pronto.

Mas por que todo esse inventário de preferências e audições? Porque o rádio está mudando. Alguns radialistas já perceberam, outros, não - ainda assim, as transformações acontecem de hora em hora. E vieram pra ficar.

Continuando com esta história, eu percebi isso quando descobri a Rádio UOL. Nos primórdios do Digestivo, fui fazer uma matéria sobre o Trio Mocotó, que eu havia encontrado no Palace, num show da Zélia Duncan, e, ao entrar no site deles, topei com uma entrevista lá, provavelmente em Real Audio. Cliquei e fiquei escutando maravilhado. Antigamente (no início dos anos 2000), o UOL matinha um banco de entrevistas com todas as personalidades que hospedava em seu portal. Lá nessa lista eu passei manhãs, enquanto trabalhava, acompanhando várias. O locutor não era grande coisa, mas as perguntas eram boas e, invariavelmente, acompanhadas de uma trilha sonora razoável. Me ocorre agora a do Millôr e de artistas, a meu ver, tão estapafúrdios quanto, sei lá, Ná Ozzetti.

Logo em seguida, cruzei com o Empoeirado, do Ed Motta, que, para mim, foi uma revelação. Era um programa inteligente, na mesma Rádio UOL, que o Ed soltava toda semana e que tocava músicas impensáveis em rádios convencionais. Orbitava em torno de suas descobertas em sebos e, claramente, não tinha a menor relação com "as mais tocadas" ou o top ten - por definição, pelo set criativo de raridades, era justamente o anti-hit parade. O que, para alguém como eu - que sempre buscou informação -, era o melhor dos mundos. Percorri as edições do Empoeirado uma por uma, desde o começo, e descobri uma porção de coisas, em música brasileira, por exemplo, que só iria escutar nos próximos anos. Como Moacir Santos (aliás, se não fosse um amigo que me gravou todos os seus álbuns, eu não iria passar do Ouro Negro e das faixas apresentadas pelo Ed Motta).

Em anos recentes, quando mudei para o escritório, e não tinha som, pesquisei mais sobre e localizei, dessa vez, rádios de verdade, na internet. A AccuRadio foi a primeira e mais óbvia, mas, nem por isso, desinteressante. Dividia as estações por estilo e podia ser tão específica quanto se quisesse. Entrei numa opção da década de 90 e tomei contato com velharias que, há séculos, não passavam pelo dial do meu carro. Graças à AccuRadio, fui conhecer, por exemplo, bandas como Travis, Weezer e até The Strokes, de quem eu ouvia muito falar mas que passaram quase em branco, nos últimos tempos, pela maioria dos programadores de FM. Ou seja: não é que eu estava sendo extremamente exigente quanto à safra de novos talentos em Freqüência Modulada, mas é que, em matéria de novidade, nem o mainstream mais eles tocavam.

Para outras webradios e para, inclusive, as rádios nos sites das gravadoras, como a da Tratore, foi um pulo. Voltei, então, para a Rádio UOL e, modificada, ela me mostrou que eu poderia agora escutar um álbum inteiro de um artista sem precisar comprar (com um do Brad Mehldau). Era melhor do que as jukeboxes ou os headphones de lojas como a Cultura, a Siciliano e a Fnac, das quais eu era assíduo freqüentador, antes de adquirir qualquer item musical. Naquela época, topei, no site do New Musical Express, com o novo disco do U2, que era segredo de estado, completo, inteiramente disponível - incluindo a faixa inédita não lançada no Brasil.

Enfim, nós ainda não paramos para medir as conseqüências disso a médio e longo prazo, mas é tentador dizer que é o começo do fim das rádios antigas. Você sintoniza qualquer estação no seu carro e, por mais variada que ela seja, nunca vai te oferecer um leque de opções como a Live365, por exemplo. São rádios inteiras, montadas por pessoas como eu e você, com a vantagem de se poder parar, avançar, retroceder, obter informações, comprar o disco, etc. Eu sei que a maior parte das pessoas não tem paciência ou simplesmente não se interessa em buscar o "novo", como eu, mas, mesmo para essas, existem pacotes prontos, formatados, em que só se deve clicar e que são, no mínimo, mais estimulantes do que qualquer programador médio de FM.

O problema das rádios comerciais é praticamente o mesmo das grandes gravadoras e, por extensão, da mídia dita de massa (ou wannabe): com a fragmentação, o maior número de opções, a audiência cai ou fica fracionada, então, dentro desse modelo ultrapassado, só lhes resta o tiro certeiro, o investimento nos nomes mais manjados (de retorno certo ou menos incerto), na trilha sonora mais batida, nos hits, de preferência, envelhecidos e desgastados. Traduzindo: o cast diminui, restando apenas os monstros sagrados, cujas canções se deve repetir ad nauseam, como um mantra, ano a ano - relançando-as em formatos alternativos ma non troppo, como o acústico, o eletrônico, o sampleado, o regravado, o "em dueto", o "de bar". Algumas vezes, soa como a descoberta da América, mas, na maioria dos casos, é apenas a mesma droga (reembalada).

Se eu e você olharmos para essas estações, do sistemão, vamos concluir que elas estão roendo a própria corda e que, em algum momento, alguém vai se encher dessa história - como muita gente já vem se enchendo do mass media. À maneira de um disco arranhado, o establishment midiático repete as mesmas fórmulas e permanece impenetrável ao que acontece lá fora - porque tem medo de ceder territórios e porque, afinal de contas, vem fazendo isso há anos.

Eu me entristeço porque, conforme visto, tenho boas recordações de quando as rádios eram mais inteligentes e mais interessantes (ou nem tanto assim, mas tentavam). É apenas uma questão de tempo para a internet chegar até o aparelho de som do carro e as webradios estenderem a gama de possibilidades até o infinito - esmagando as estações convencionais. Tenho, naturalmente, pena dos profissionais de rádio que fizeram a minha cabeça - mas se eles estiverem minimamente antenados, procurarão diversificar o seu portfolio, porque o velho modelo está com os dias contados e porque, daqui a pouco - se não se atualizarem -, permanecerão como mais uma relação de nomes, numa crônica aparentemente nostálgica, com esta de agora.

Julio Daio Borges
São Paulo, 15/4/2005

 

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