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Quinta-feira, 21/4/2005
A síndrome da rejeição via internet
Adriana Baggio

Imagine a seguinte situação: você é gerente em uma empresa qualquer. Um de seus funcionários liga e pede para faltar no dia seguinte para resolver problemas pessoais. Você não precisa dar essa permissão, o funcionário não tem nada de especial e os motivos dele nem são tão bons assim. Mas, você decide concordar com o que ele pede. No entanto, depois que você dá a permissão, ele desliga o telefone na sua cara.

A comparação pode parecer um pouco exagerada, mas é assim que andam as comunicações por e-mail ultimamente. As pessoas normalmente não desligam o telefone na cara dos outros (a não ser em situações muito dramáticas), mas fazem o equivalente na comunicação via correio eletrônico. Por que o e-mail dá a impressão de permitir a falta de educação, respeito e cordialidade?

Se isso acontecesse apenas em relações de amizade ou que não envolvem a dependência de uma parte por outra, até seria compreensível. No primeiro caso, a intimidade se encarregaria de neutralizar algum melindre. No segundo, não haveria risco de que a falta de educação trouxesse alguma conseqüência prejudicial. Agora, o que eu não entendo é como as pessoas têm coragem de não responder e-mails de outras pessoas das quais dependem. A gente sabe que educação e gentileza acontecem muito mais por interesse do que por fazer parte do comportamento natural do ser humano. É cultural estabelecer diferentes níveis de cordialidade dependendo da posição hierárquica de nossos interlocutores, ou do nível de interesse que temos em relação a eles. Mas, por e-mail, parece que nem essa preocupação existe.

Acredito que a maioria não se comporta dessa forma por grosseria. É mais um não se importar, uma falta de cuidado com as relações. O contato entre as pessoas está cada vez mais utilitarista, frio, seco e breve. Quem aprendeu as regras tácitas da boa comunicação em outras épocas, ainda consegue manter o mesmo padrão no contato via e-mail. Mas aqueles que desenvolveram sua sociabilidade na era da internet, não conseguem perceber a importância de algumas atitudes básicas.

A situação descrita no começo do texto é hipotética, mas ilustra o fato de que as pessoas não têm muita consideração pelas outras, nem mesmo por aquelas que podem ajudá-las ou prejudicá-las. Nem gratidão nem medo servem de motivo suficiente para seguir as regras de política e boa convivência.

Já fui ignorada em diferentes níveis. Por empresas que abrem um canal de comunicação via internet, mas não dão nenhum retorno; por funcionários da faculdade onde trabalho, quando houve erro no meu contracheque (para mais...); pelos meus alunos, que nem quando me pedem para quebrar algum galho têm a consideração de agradecer ou responder meus e-mails. Imagino que os psicólogos em breve tenham de lidar com uma nova doença: a síndrome da rejeição via internet.

Será que estou obsoleta e não tenho a inteligência emocional adequada para viver nesses novos tempos? Será que realmente o problema é da minha sensibilidade e não da falta de educação dos outros? Já me questionei bastante sobre isso, mas cheguei à conclusão de que a indignação procede.

Quando ainda não existia internet e se conversava pessoalmente, por carta ou telefone, eu sempre pedi por favor e disse obrigada às pessoas. Nunca desliguei o telefone na cara dos outros (exceto dos namorados, é claro). Muito menos, fui indelicada ou desatenciosa com alguém de quem eu dependia muito, como um chefe ou algum burocrata de serviço público. Por que eu mudaria meu comportamento no e-mail?

Pode-se argumentar que a dinâmica do correio eletrônico altera também o comportamento. A utilização de abreviações, neologismos e emoticons proporciona uma comunicação muito mais rápida, como pedem as necessidades dos dias de hoje. Os jovens, por exemplo, precisam tomar decisões rápidas sobre qual a balada da noite e transmitir instantaneamente informações fundamentais para o bom desempenho da equipe, como o perfil do novo gato da turma (putz, tô mal de gírias...). Portanto, a agilidade da comunicação dispensa a boa educação.

Eu prefiro a forma tradicional de escrever as palavras e organizar frases e parágrafos, mas isso faz parte do conflito de gerações, é uma questão de forma. Posso ser tão mal-educada em português arcaico quanto em emoticons. Por isso, a linguagem e as características da comunicação on-line não justificam a ignorância das regras de cordialidade e gentileza.

Se você, leitor, receber um e-mail do nosso editor, o Julio, vai perceber do que eu estou falando. O Julio é uma pessoa que utiliza com muita tranqüilidade todos os recursos da internet. Ao mesmo tempo, os e-mails dele são impecáveis tanto no conteúdo quanto na forma. E mesmo sendo ocupadíssimo, ele nunca deixa de responder uma mensagem, mesmo que o interesse não seja dele.

Fico constrangida de chamar a atenção de pessoas adultas, mesmo que sejam alunos, sobre a importância de responder um e-mail, principalmente quando o interesse é deles. Seria como lembrá-los de que devem mastigar de boca fechada, pedir com licença e dizer obrigado: fundamentos básicos de educação, que se aprendem em casa. Já pensei na ironia, mas as vezes em que tentei eles não entenderam (olha aí os efeitos colaterais de uma linguagem pobre, as pessoas ficaram denotativas e cegas para o duplo sentido e as inflexões). Tenho a esperança de que aprendam na prática, quando alguém decidir cancelar uma compra, uma contratação ou uma promoção na empresa devido a e-mails não respondidos. Isso, claro, se ainda existirem pessoas que prezam a gentileza e a cordialidade na comunicação. Se esses exemplares desaparecerem, estaremos condenados à barbárie.

Adriana Baggio
Curitiba, 21/4/2005

 

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