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Terça-feira, 26/4/2005
Como não comprar livros
Lisandro Gaertner

OK. Você é daqueles que lê os cadernos literários dos jornais aos sábados, acompanha discussões sobre literatura nos blogs da vida e inclusive visita livrarias com uma certa regularidade. Então, responda aí, por quê vez ou outra você, tão entendido em livros, compra certas porcarias que nunca vai ler?

Como assim? Você não compra porcarias? Me faz um favor e dá só uma olhadinha na sua estante. Primeiro tem aquele best-seller que você não passou da metade e morre de vergonha de ter comprado; hum, tem também o livro daquele autor novo que numa semana todo mundo dizia que prometia e na outra, quando você já tinha comprado o livro, já estavam malhando; e aquele? não é o livro da moda do verão passado que você levou tantas vezes para passear na sua bolsa de praia e nunca leu?; ah, e não podemos esquecer daquele livro de poemas escrito por um amigo seu que você comprou para compensar o vinho branco vagabundo servido na noite de autógrafos. É, depois de uma avaliação rápida, não dá para negar: pelo menos 25% dos livros que você, eu, todos nós, compramos na vida não nasceram para ser lidos.

E daí? Bom, vamos dizer que você tenha por baixo uns 200 livros. 25% disso são 50 livros. Fazendo uma média de 20 reais em cada livro (levando em conta que alguns foram comprados em sebo e outros naqueles cafés careiros que se fingem de livrarias), podemos dizer que você jogou no lixo (ou investiu na decoração da sua estante) mais ou menos R$1000.

Uau, hein? R$1000! É bastante dinheiro. Com ele você poderia ter feito várias coisas. Poderia, por exemplo, ter ido ao cinema umas 60 vezes (o que não seria muito produtivo, já que pelo menos 25% dos filmes são apenas desperdício de dinheiro); ou quem sabe viajado para aquela praia maravilhosa sozinho (onde teria apenas ficado com inveja dos casais apaixonados e reclamado do prejuízo tomado), ou ter pago um ano de academia para entrar em forma (apesar de saber desde o princípio que não aguentaria frequentá-la por mais que cinco semanas). Na verdade não importa como você poderia gastar essa pequena fortuna. O importante é que não dá para gastar dinheiro à toa, muito menos com literatura, artigo de milésima necessidade aqui na nossa terra.

Assim, pensando no seu bolso, passo-lhe minhas cinco dicas de ouro, testadas e aprovadas, de como não comprar livros.

Dica #1 - Não leia os críticos
Eu sei: dá o maior status abrir o caderno literário na praia. Além disso, ajuda as pessoas a puxarem papo com você ou afasta aquelas que nada têm a dizer. Mas, vamos ser sinceros, o que os críticos tem a dizer de mais? Nada. E o pior é que se você ler o livro indicado e não gostar ainda vai sentir que entrou no prejuízo por ter comprado jornal para ler o artigo de um palpiteiro empolado. Afinal tudo que um crítico escreve não passa de simples palpite, o que nos leva à segunda regra de ouro.

Dica #2 - Não se deixe levar pelo boca-a-boca
Vez ou outra, ler fica na moda. Quer dizer, ler um determinado livro fica na moda. Aí, o sujeito, que comprou o tal livro e leu o suficiente para sustentar um papo de quinze minutos numa mesa de bar, começa a fazer a maior propaganda da obra. Um outro compra para poder botar banca também. Mais um entra na onda e pronto. Aquele livrinho vira o assunto de longas cervejadas. Subitamente, você sente vontade de comprar o livro para entrar no papo. Não faça isso! Primeiro, você já ouviu falar tanto do livro que provavelmente já conhece a história toda, e isso seria como ler o livro depois de ter visto o filme. Em segundo lugar, enquanto todo mundo está conversando sobre o tal livro, você está livre para beber e conversar com gente que tem algo mais interessante para falar do que de um livrinho besta que quase todo mundo quase terminou de ler.

Dica #3 - Não vá a noites de autógrafos
Eu sei, noite de autógrafo funciona na mesma lógica de casamento e festa de criança: por mais que você odeie o homenageado, boca livre não se perde. Contudo, ao contrário dos casamentos e festas infantis, nesse evento você precisa comprar um livro, em quase 100% dos casos, ruim. Pense bem, será que tomar 10 taças de liebfraumilch compensa atulhar a sua estante com mais uma porcaria e ainda ter que fingir ao seu conhecido, por anos a fio, que leu o livro que ele insanamente resolveu publicar?

Dica #4 - Fuja dos clássicos e dos autores estreantes
Outro grande perigo são os clássicos. Normalmente eles surgem indicados por críticos (ver dica 1) ou conhecidos (ver dica 2), o que já seria suficiente para evitar a sua compra. Além disso, são leituras, em geral, enigmáticas, cheias de referências e papo furado. Um exemplo? Tente conversar com alguém sobre o prazer de ler Ulisses de James Joyce sem ouvir sobre: Homero, a Odisséia, "portão de entrada para a modernidade", "Guimarães Rosa irlandês", "convite a transgredir", "fluxo de consciência", ou "li quando estava grávida ou desempregada/o".

Quase tão danoso quanto os clássicos são os autores estreantes. Darlings da mídia, eles acabam nos seduzindo pelas noites de autógrafo (vide dica 3) ou pelos críticos e conhecidos (dicas 1 e 2). E, na grande maioria, os livros deles no futuro acabarão por se tornar fonte de vergonha para quem os comprou. Precisa de um exercício para visualizar a situação? Então, imagine só como se sente o infeliz proprietário de uma primeira edição autografada do primeiro livro da Fernanda Young. Sentiu o drama?

Dica #5 - Sempre peça o livro embrulhado para presente
Tem vezes que não dá. Acabamos comprando uma porcaria, seja por impulso, indicação, pressão ou simples burrice. Nesse caso final, antes que a sua sanidade seja totalmente tragada nesse redemoinho de consumismo pseudocultural, guarde esse conselho no coração. Se for inevitável comprar um livro que sente que nunca lerá, peça que ele seja embrulhado para presente. Assim, além de se livrar desse pepino, você poderá passar o seu fardo e dar a outro "felizardo" a grande oportunidade de "não lê-lo" também.

Nota do Editor
Lisandro Gaertner assina o blog Atematica, onde este texto foi originalmente publicado (reproduzido aqui com sua autorização).

Lisandro Gaertner
Rio de Janeiro, 26/4/2005

 

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