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Sexta-feira, 13/5/2005
Os feriados estão acabando com o meu fim de semana
Julio Daio Borges

Não me lembro de quando me tornei um viajante regulamentar de feriados (expressão estranha, eu concordo). Lembro que, em algumas datas, principalmente nos tempos da faculdade, eu me enfiava num carro (ou num ônibus) com os amigos e partia para destinos improváveis, geralmente na Bahia (durante o verão e as férias de julho) e Minas Gerais (durante o Carnaval). Antes, claro, com meus pais, visitava regularmente a família (em Minas, de novo, e, às vezes, na Bolívia) e embarcava, de quando em quando, para destinos internacionais (meu pai nunca viu muita graça em viajar pelo Brasil). Enfim, acho que foram minhas namoradas que me puxaram para fora da toca, arrastando-me para algum lugar, nesses feriados que costumamos emendar, de tal sorte que se transformou numa rotina, ou num hábito (já que afirmar que os feriados se tornaram "rotina" no Brasil pode se revelar um pouco antipático neste primeiro parágrafo).

Lembro, agora, de um amigo da faculdade que reclamava de ouvir sua namorada insistindo pra eles viajarem sempre mais; justificando que eles viajavam pouco, mesmo quando viajavam, etc. e tal. E, de fato, é uma constante nas namoradas (opa, meninas, não fiquem bravas). Hoje, eu e a Carol somos viajantes viciados. Ela me incutiu o vício, é claro. Eles dizem (they say) que a tendência das mulheres é se assentar em algum lugar; e que a dos homens é procurar aventuras aqui e acolá. Posso dizer que, no quesito viagens, estão redondamente enganados. Os homens, em geral, têm uma forte tendência para se enraizar em casa, durante feriados e fins de semana, e as mulheres, para meter a cabeça pra fora, buscando novos horizontes e quase exigindo respirar novos ares. Talvez, na época do namoro, a mulher queira simular uma "casa" que ainda não tem (digo, não na casa dos pais). A Carol sempre fala, quando abandonamos um chalé charmoso, às vezes até um quarto de hotel, uma cabine espremida de navio, ou mesmo uma frisa ou "camarote" em espetáculos: "Adorei essa casinha. Vou ficar com saudade..." Outra hipótese que se me ocorre, para o caso dos casados, é a de que as mulheres ficam muito fechadas (nos casamentos de antes e, às vezes, até nos atuais) em casa, em seu (primeiro ou segundo) "trabalho", de modo que precisam de uma renovação no cenário. Transporto o exemplo, obviamente, para a minha mãe, que queria sempre sair na sexta-feira à noite, enquanto que meu pai, naturalmente chegando do trabalho, queria ficar em casa ("Você quer que eu venha com banda de música?"). No meu caso e da Carol, isso provavelmente se reflete no fato de que ela trabalha (falo de uma profissão regulamentar) em casa.

Resumindo a ópera, homens são de Marte e mulheres são de Vênus (ou seria o contrário?). Virei um viajante regular porque a Carol começou a me instigar com destinos ainda mais improváveis do que aqueles dos meus amigos de anos atrás, e saímos pelo Brasil afora (ou pelo exterior afora, quando dava; agora não dá mais). Hoje, além das aventuras todas, dos lugares inusitados, das pessoas mais ainda, eu encaro como uma forma de conhecimento (não vou fizer de "autoconhecimento" porque é brega e não é verdade). Viajar é necessário. Nem que seja para ir ali na esquina e olhar de volta, ou se hospedar na casa dos amigos que agora moram fora de São Paulo (aliás, esses são os melhores guias e os melhores cicerones que se poderia encontrar - além de sair mais barato). Sou um viajante porque sou e acabou. Hoje está no meu DNA.

Feita essa ressalva, queria aqui abordar a forma perversa como alguns feriados podem se comportar (se é que feriados "se comportam"), quando, por causa deles, nós nos vemos espremidos entre ondas de trabalho que inevitavelmente transbordam pro fim de semana. Porque não dá; façam a conta comigo: se você vem trabalhando 5 dias por semana, descansando outros 2, durante um mês, de repente, vem um feriado e obriga você a se espremer em 3 dias, ou menos, 4, vá lá - em algum lugar essas horas extras vão desembocar, já que a quantidade de trabalho a ser realizado é igual (não diminui apenas porque o calendário sinaliza com um feriado). Exemplo prático: aqui, o Digestivo não pára - não sei se você já reparou. Segunda, terça, quarta, quinta e sexta. Sempre. Incluindo feriados e festas, como as de Natal e Ano Novo. Assim, se vem uma semana prolongada, ou um day off, continuamos tendo de publicar - não temos trégua e, mesmo que tivéssemos, isso não aliviaria em nada, apenas tornaria a publicação inviável. O que quero dizer é que, se você tem aquela quantidade de trabalho para entregar, se pretende aproveitar o feriado (e viajar ou simplesmente não fazer nada), alguma hora vai ter de pagar a conta dos dias não-trabalhados.

Aí entra o título desta crônica. Volta e meia, eu me pergunto (e a Carol nunca concorda comigo) se vale à pena correr, sei lá, segunda, terça e quarta-feira (às vezes, quinta), para deixar tudo pronto para quinta, sexta e segunda-feira da outra semana, se jogar no feriado, depois de jornadas extensas nesses dias suados, e, passada a bonança, aterrizar, de novo, no escritório, com centenas de e-mails atrasados (a vida continua no feriado e no fim de semana), pilhas de correspondência sem resposta, pendências que - por mais que se trabalhe - sempre sobram e pepinos os mais variados (para redundar em novas jornadas extensas, em novos dias suados...).

Quando avento a hipótese de que existe um excesso de feriados no Brasil, quase sou crucificado, morto e sepultado (descendo à mansão dos mortos, sem direito a ressurreição no terceiro dia e nem subida aos céus), para fechar a boca e nunca mais balbuciar nada similar, mas é o que eu acho. Pois, como acabamos de demonstrar, de que adianta viajar no feriado e trabalhar durante o fim de semana, antes ou depois do próprio (matando sábados e/ou domingos, e qualquer descanso proveniente do famigerado)?

E o problema, para a economia, não é nem só os dias perdidos (o que, em si, já é grave). O problema é - defendo esta tese quando querem me crucificar - a descontinuidade da programação, do cronograma, dos projetos. Porque não adianta: as pessoas (digo, os trabalhadores) não funcionam direito nem em véspera nem em dia útil depois do feriado. São, portanto, mais dois dias ou, no mínimo, uma tarde (antes) e uma manhã (depois), sacrificados no altar do deus-feriado. Eu, por exemplo, me proponho a escrever um "Digestivo" inteiro, mais um ou dois textos longos (às vezes, "Colunas") toda semana - mas, quando sou atropelado por um feriado (ou por uma ameaça de), eu me vejo tendo de encaixar esses e outros afazeres (sagrados, quando não pecuniários) entre os intervalos que sobram, pois sei que as obrigações diárias (5 dias em 3, ou em 4, lembra?) vão sugar energia (e tempo) além do normal.

Se você é empregado, é tudo muito bom, uma beleza, na verdade, porque - digo, normalmente - trabalhando mais ou menos horas, você recebe o salário igual, integral. Mas se você é empresário (esqueça a Fiesp e o Mario Amato, pense nos microempresários em geral), é uma desgraça. Os meses são menores, são menos dias trabalhados, e as contas, reguladas pelos tais 30 dias (não importa se menos de 20 foram aproveitados), chegam igual: IPTU, taxa de lixo, condomínio, tarifas de banco, seguro disso, seguro daquilo, cobranças, contador... Ninguém se importa se você faturou menos; todo mundo vai descontar igual. O governo, também, claro. (E vale inclusive para os profissionais liberais ou freelancers, que recebem de acordo com o que produzem: se trabalham menos, recebem menos; é proporcional).

No fundo, a terceirização forçada que, de uns tempos pra cá, se impõe - por motivos assim -, talvez obrigue as pessoas a reconsiderarem algumas características do nosso Estado paternalista, que incutiu na cabeça dos trabalhadores essa noção muito apurada de direitos, mas muito vaga de deveres. O tiro está saindo pela culatra. Por obra e graça da constituição de 1988, o brasileiro se acha na posição aparentemente confortável de funcionário público (nem sempre é porque quer), tornando-se inviável para as empresas que não têm como pagar os encargos, e que se vêem na desconfortável situação de ter de subcontratar, jogar o sujeito na informalidade ou então terceirizar. Óbvio que o "empresariado" (essa entidade vaga, à qual habitualmente se recorre) abusa, mas a realidade, muito mais prosaica, é de pessoas jurídicas minúsculas, que lutam para sobreviver e que empregam, no Brasil, o maior contingente populacional.

Isto aqui não era para ser um discurso, nem estou me candidatando a qualquer coisa. Acontece que essas questões me afetam há anos (desde que decidi abandonar a tranqüilidade do holerite, e me atirei na incerteza do recibo e da nota fiscal). Não estou pedindo para as pessoas pararem de viajar nos feriados (eu, quando puder, também vou viajar). Apenas sugiro que se revejam certas posturas, diante (nem digo do emprego, mas...) de suas obrigações profissionais, porque, em meio a benesses de curto prazo, pode-se estar roendo a corda da estabilidade e da solidez, em matéria de renda. Quem sou eu para chamar a atenção e para tentar mudar os hábitos do brasileiro médio, mas, com o achatamento da classe-média, e das empresas de médio porte, estamos, cada vez mais, no mesmo barco: gastando hoje o que vamos ter de pagar amanhã. É inevitável. Por isso, quando alguém levantar a bola sobre a freqüência excessiva de feriados no calendário, em vez de praguejar contra quem supostamente sabota o seu sábado de sol, dê ouvidos e considere que, bem lá no fundo, ele pode ter razão. Ou você quer trabalhar no fim de semana antes e depois do feriado?

Julio Daio Borges
São Paulo, 13/5/2005

 

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