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Quinta-feira, 12/5/2005
Quem tem medo do Besteirol?
Andréa Trompczynski

Miguel Falabella? Humpf. Mauro Rasi? Humpf. Besteirol? Humpf, humpf, eu resmungava, arqueando uma sombrancelha, do alto de meu pedestal de quem havia lido uns clássicos a mais. Tinha comprado os pesados volumes de Guerra e Paz, no intuito de impressionar um namorado "intelectual-de-óculos-quadradinho" que me levava para assistir filmes iranianos. Era aquela época da qual fala o Polzonoff, em que é preciso dizer que se gosta de filme iraniano. Eu ria, escondido dele, do Caco Antibes na televisão, assistia a antigos videotapes da TV Pirata e acompanhava, fascinada, a todos os movimentos do Teatro Besteirol. Mas me calava, porque a censura da intelligentsia brasileira não permitia que eu dissesse tal heresia. Ainda não permite, na verdade, mas estou velha e não ligo mais para essas coisas.

Para o novato no meio cultural, somos um mundo dourado. Pois saiba, novato, vivenciamos as mesmas mesquinharias de qualquer outro grupo de seres humanos. De uma academia de ginástica, por exemplo. Suponhamos uma conversa num grupo de amealhadores de músculos. Há uma clara competicão entre os mais musculosos, e, comentam sobre as antigas maneiras de aumentar a massa muscular, ostentando como troféus, os bíceps poderosos. Falam de como "Rocky, o lutador" é que estava certo, arrastando toras na neve. Se alguém, por outro método, consegue os mesmos músculos, isto não presta. Não é bom. Bom mesmo é arrastar toras na Sibéria. Se a maioria agora faz Pilates e consegue resultados satisfatórios e, tem bom momentos com Pilates, não pode ser isto algo bom. É provável que o maiorzão, que leu algo do Nelson Rodrigues, comprado por engano como livro pornográfico, diga alto: "toda maioria é burra".

A maioria gosta do Besteirol, e não daquele teatro tão difícil quanto arrastar toras na neve; daí a dificuldade dos intelectuais brasileiros gostarem, ou admitirem que gostam, deste gênero. Quem tem medo do Besteirol?, de Flávio Marinho, define-o como "um espetáculo de esquetes defendido por uma dupla de atores que vive muito de referências e citações de filmes, peças, programas de TV e da observação do comportamento urbano da zona sul carioca. (...) Exige da platéia uma certa dose de informação". Que tipo de informacão? Das chanchadas da Atlândida aos musicais da Metro, a "música" de Eduardo Dusek, a Sessão da Tarde, além de conhecer o teatro "cabeça", sentir um sono incontrolável durante suas apresentações, e, ter uma família com o comportamento típico de uma família da Classe Média.

Certamente, diria aquele namorado intelectual, este é um movimento teatral alienado. Flávio Marinho contra-atacaria com as palavras de Miguel Falabella: "Alienados seríamos se não refletíssemos sobre a frenética sociedade de consumo em que nos tranformamos. Alienados seríamos se ficássemos restritos aos clássicos, aos grandes autores, em montagens bem-comportadas, para ganhar o beneplácito dos senhores da cultura. Levamos a chanchada e a paródia à cena, sim. Com muito prazer. Porque estamos cada vez mais atentos à realidade à nossa volta." O humor do Besteirol derramava suas críticas, para o bom-entendedor. E, geniais, Falabella e Mauro Rasi, ainda conseguiam divertir o mau-entendedor sem que ele soubesse que ria de si próprio.

Eles conseguiram fazer a intelligentsia atirar longe seus monóculos, levantar forçosamente das poltronas de couro de suas bibliotecas para, citando Becket, Sartre, e o que mais pudessem, tentar explicar o que era aquele fenômeno teatral. Miguel Falabella argumenta com os críticos, obviamente, com adoráveis besteiras : "Há fumaça no ar. Dispara-se em todas as direções. Adjetivos andam à espreita, atacando jovens membros da cena carioca. Guilherme Karam foi atropelado por um 'descartável', ficando de cama três dias, sofrendo de aguda crise de identidade. Vicente Pereira viu-se face a face com um temível 'besteirol' e só conseguiu escapar graças à pronta intervenção de populares que atacaram o monstro. Felipe Pinheiro, perseguido por um 'teatro-brincadeira, recebeu do facínora uma terrível revelcão: seus hilariantes 'esquetes' tinham suas origens, pasmem!, nos esfumaçados cabarés da Alemanha dos anos 1920. Em estado de choque, o ator declarou: 'não morro sem ver Berlim'." Foi um escândalo.

Ah, leitor jovem, se estiver iniciando no mundo intelectual, não declare sua paixão pelo Besteirol. Você poderá assumí-la depois de velho, que lá perde-se a vergonha e os parâmetros. Nós, os velhos, já não tememos mais os intelectuais que arrastam os volumes de Guerra e Paz no gelo da intelectualidade brasileira.

Dançamos na faixa de pedestres, comemos pipoca na rua, vamos ver o Falabella, rimos de nossa própria decrepitude.

Coisa inaceitável na Sibéria.

Para ir além





Andréa Trompczynski
São Mateus do Sul, 12/5/2005

 

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