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Terça-feira, 10/5/2005
O primeiro código de Brown
Luis Eduardo Matta

Terminei, na semana passada, de ler o novo romance de Dan Brown, Fortaleza Digital (Sextante; 336 páginas; 2005). Ao contrário de O Código Da Vinci, este é um legítimo tecnothriller, mas não à maneira da patriotada rocambolesca e, por vezes, indigesta dos livros de Tom Clancy. Fortaleza Digital, na verdade, é o primeiro trabalho de Brown, apesar de ser o terceiro publicado no Brasil; foi lançado em 1998 e sugeria com nitidez os caminhos que o autor iria trilhar dali por diante até culminar com O Código Da Vinci, certamente, a obra literária mais lida e comentada dos últimos anos.

Não se deve menosprezar o talento de Dan Brown. Tenho lido declarações estapafúrdias de críticos, maldizendo seus livros, tachando-os de subliteratura barata. É sempre assim. Um autor começa a fazer sucesso e a cair nas graças do público e logo surge um exército de detratores rancorosos e arrogantes que invocam uma sabedoria e uma cultura majestosas e incomparáveis para espinafrá-lo sem misericórdia, sempre estabelecendo aquela perigosa dicotomia entre o que é ou não é "alta Literatura". A verdade é que um thriller que se preze não pode ser escrito valendo-se dos mesmos ingredientes de um romance experimental ou de um livro denso de teoria literária que ambicione prestígio acadêmico. É tão absurdo quanto pretender escrever reportagens de jornal em versos parnasianos ou concretistas. Um thriller deve, necessariamente, ser avaliado no contexto do seu gênero, tomando como referência toda a Literatura similar produzida recentemente. Se isso for feito de maneira honesta e desvinculada, Brown sairá vitorioso. Seus livros não obtiveram sucesso por acaso. Ele escreve bem, tem domínio da técnica para o tipo de Literatura que se propôs a fazer e consegue encaixar com maestria uma incrível quantidade de informações que, nas mãos de um escritor inábil, atrapalhariam, com certeza, a fluência da narrativa e poderiam naufragar um texto promissor.

Mas, do que trata, afinal, Fortaleza Digital? O núcleo principal da história é ambientado na poderosa Agência de Segurança Nacional norte-americana - NSA, na sigla em inglês -, encarregada de rastrear e processar toda a comunicação do mundo, fornecendo às autoridades dos Estados Unidos, um fluxo precioso de informações, capazes de garantir a segurança do país, frustrando, inclusive, intenções de ataques terroristas antes que estes pudessem, efetivamente, começar a ser arquitetados. Para tanto, investiu, secretamente, num supercomputador, o TRANSLTR, programado para decifrar, rapidamente, qualquer mensagem encriptada enviada através da rede mundial de computadores, a internet. Os problemas começam quando um ex-funcionário da agência, o gênio da computação Ensei Tankado, um japonês fisicamente deformado pela radiação das bombas nucleares lançadas contra o seu país em 1945, desenvolve um algoritmo de encriptação inquebrável, o "Fortaleza Digital", e ameaça divulgar sua fórmula pela internet caso a NSA não revele ao mundo a existência do TRANSLTR que, para Tankado, constitui uma séria ameaça à privacidade e às liberdades civis. O algoritmo protegeria qualquer mensagem enviada pela rede, transformando toda a tecnologia da NSA numa parafernália obsoleta e inútil. Tankado morre misteriosamente, logo no início do livro, em Sevilha, antes de poder cumprir sua ameaça, ao mesmo tempo em que o tal código por ele desenvolvido é lançado na internet, paralisando o supercomputador da NSA. Tem início, então, uma corrida alucinada, cujo objetivo é decifrar o algoritmo, antes que ele chegue a mãos erradas, sobretudo a de bandidos e terroristas.

Alguns críticos afirmaram que os dois protagonistas deste livro - o professor David Becker e a criptógrafa Susan Fletcher - seriam virtualmente os mesmos de O Código da Vinci - o professor Robert Langdon e a criptógrafa Sophie Neveu. Bastaria trocar seus nomes e o resultado seria idêntico. Pura bobagem. As únicas semelhanças entre eles residem nas profissões de cada um e nada mais. Quem comprar Fortaleza Digital, com a esperança de encontrar um novo Código Da Vinci, estará perdendo o seu tempo. Terá em mãos, isso sim, um livro tão eletrizante quanto, com a narrativa ágil, característica do estilo de Dan Brown e surpreendente no seu encaminhamento. Uma leitura que, para os apreciadores dos thrillers, será altamente recompensadora.

Será o Benedito?

De todos os absurdos dos quais tomei conhecimento este ano, o destaque até o momento vai para a acusação feita por setores cabotinos da imprensa, notadamente a britânica, de que o cardeal Joseph Ratzinger, hoje papa Bento XVI tem uma mancha negra no seu passado, mais especificamente, uma mancha nazista. Tudo porque, quando adolescente, Ratzinger pertenceu à Juventude Hitlerista e, alguns anos mais tarde, foi enviado ao front para lutar ao lado das forças alemãs, a esta altura, já enfraquecidas com a aproximação do fim da Segunda Guerra.

Para quem não sabe, a Juventude Hitlerista foi uma organização paramilitar do partido nazista, fundada na Baviera - mesmo estado natal de Joseph Ratzinger - e seu ingresso era compulsório a todos os alemães que cursassem o ensino secundário. Simplesmente não havia opção: era a filiação ou a filiação. Do mesmo modo, não creio seja necessário ressaltar aqui a obrigatoriedade do alistamento nas forças armadas, ainda mais num estado violentamente totalitário como a Alemanha nazista. Em 1943, aos 16 anos, quando ainda estava no seminário, Ratzinger foi convocado a integrar uma unidade antiaérea que protegia a fábrica da BMW perto de Munique. Em seguida, ele foi deslocado para a fronteira da Áustria com a Hungria para construir armadilhas contra tanques. De volta à Baviera, resolveu desertar, um ato corajoso que poderia ter lhe custado a liberdade ou a vida. Quando a guerra, enfim, chegou ao fim, o futuro papa foi preso pelas forças norte-americanas e libertado meses depois.

Um dado interessante é que, na Baviera, uma região de forte presença católica, uma parcela expressiva dos seus habitantes não gostava de Hitler, pois o viam como um "anticristo", um inimigo da Igreja. A família de Ratzinger era uma das que se opunham abertamente aos nazistas e, por conta disso, foi obrigada a se mudar quatro vezes. A aversão ao regime de Hitler entre os católicos alemães era de tal forma expressiva que, na SS, a tropa de elite nazista, havia muito poucos católicos.

Sei que muita gente não simpatiza com Bento XVI, por conta da imagem que ele construiu durante os vinte e quatro anos em que presidiu a Congregação para a Doutrina da Fé, órgão que sucedeu ao famigerado Santo Ofício da Inquisição, responsável, no passado distante, por punir com a fogueira várias vozes que contestaram as verdades apregoadas pela Santa Sé. Foi Ratzinger quem, inclusive, abriu ao público, pela primeira vez os arquivos da Inquisição, que guardam, entre outras coisas, os inquéritos contra os hereges, como Galileu Galilei e Giordano Bruno. Pode-se chamar Joseph Ratzinger de conservador, teólogo rígido e ferreamente dogmático, mas acusá-lo de nazista é mais do que um disparate, é um atentado à própria inteligência, um atestado de completa ignorância histórica. Aos críticos ferrenhos deste novo pontificado, eu sugiro que baixem as armas por enquanto e dêem uma chance ao novo papa. Vejamos quais serão as diretrizes que ele irá adotar e se, uma vez sentado no trono de São Pedro, ele seguirá com a mesma conduta rigorosa das mais de duas décadas em que foi o guardião da doutrina do catolicismo. Posso estar enganado, mas, particularmente, creio que assistiremos a uma pequena abertura na Igreja, no decorrer dos próximos tempos. Vamos esperar.

Enquanto isso, quem quiser escrever para o novo Sumo Pontífice, pode fazê-lo, imediatamente, pelo endereço de e-mail criado na página do Vaticano na Web, especialmente para receber mensagens em português.

Todos rumo à Bienal do Livro

De 12 a 22 de maio de 2005, o Rio de Janeiro abrigará, no Riocentro, a XII Bienal Internacional do Livro, um evento simplesmente imperdível e que, a cada edição, consegue se superar em planejamento e organização e incrementar ainda mais as suas atrações e o seu visual. Este ano, o país homenageado é a França e uma série de eventos, palestras e debates, envolvendo escritores e profissionais ligados ao universo livreiro estão previstos para acontecer.

Freqüento a bienal do livro desde a edição de 1993 e sempre saio de lá com a sensação de que participei de um evento memorável. Em geral, chego de manhã cedo, logo que os portões se abrem e vou embora à noite. Passo horas andando pelos corredores, visitando calmamente cada estande e trocando idéias com outros freqüentadores. É uma excelente oportunidade, também, para encontrar livros que muitas vezes não estão à venda nas livrarias, como aqueles fora de catálogo, os estrangeiros e os de editoras menores, cuja distribuição é acanhada e deficiente. Não dá para perder.

Quem quiser saber mais detalhes sobre a bienal, sugiro uma visita ao site do evento, que oferece informações sobre os expositores, horários e opções de transporte até o Riocentro. No mais é calçar um par de sapatos confortáveis e se preparar para andar bastante. Afinal, outra bienal na cidade, só daqui a dois anos.

Para ir além





Luis Eduardo Matta
Rio de Janeiro, 10/5/2005

 

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