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Quinta-feira, 26/5/2005
Para amar Agostinho
Andréa Trompczynski

Andei pela vida como Diógenes, com uma lanterna nas mãos. Ele, procurando um homem justo, eu, um homem santo para seguir. Muitos tentavam abrir-me os olhos dizendo ser aquilo algo impossível; outros viram em mim a loucura quando afirmei já não ter mais a fúria da liberdade com que num dia remoto declamei o "Cântico Negro", de José Régio. Outros ainda, com boas intenções, mostraram-me seus santos, canonizados, mas não me serviam, eram perfeitos demais.

Meu Santo de adoração seria essencialmente humano. Do gênero masculino, porque nos homens há menos superficialidades. De acordo com meu egoísmo, eu descobriria com ele não haver coisas em demasia a mudar em mim mesma. De acordo com minha vaidade, ele seria justo e piedoso com o gênero humano. Quando confessasse sua própria alma, a analisaria francamente, e, não tão francamente, se a questão fosse justificar seus erros. Cantaria a superioridade do espírito em relação ao corpo e a perfeição divina, sem esquecer as belezas da natureza humana. Sua inteligência iria sobressair nos racicíonios que levariam às respostas, e em alguns casos, nos que levariam à ausência delas. Um santo escritor e filósofo, que buscasse a Deus sem medo ou vergonha -há nos homens comuns vergonha em buscar a Deus.

Exigências demais? Pois saiba, leitor, que encontrei-o há cerca de um mês: seu nome é Aurelius Agustinus, natural de Tagaste, da província romana da Numídia. Apesar de algumas dimensões, como tempo e distância, me separarem de Santo Agostinho, sinto-me mais próxima dele do que de alguns homens meus contemporâneos.

(Quem poderá explicar o poder da afinidade das almas? Ela vence distâncias e séculos para que possam os espíritos conversar.)

Leio Confissões sorrindo. Agostinho se parece a um menino, tentando pedir desculpas a Deus por seus desregramentos passados, com explicações para toda e qualquer torpeza: se em criança, era um egoísta que apenas desejava os seios da mãe e satisfação, argumenta com versículos bíblicos que nem mesmo a alma de um recém-nascido é inocente "fui concebido em iniquidade e em pecado me alimentou, no ventre, minha mãe", e corrobora a impureza de todas as crianças dizendo ter sido testemunha ocular de uma que nem sequer falava, já olhando invejosa para o irmão. Se usou de retóricas maniqueístas e disso se arrependeu, diz que a culpa não é das palavras "vasos escolhidos e preciosos" mas do "vinho do erro que por eles nos davam a beber os mestres embriagados". Também não é dele a culpa das próprias opiniões que no passado formou, e sim de "ler aqueles livros dos platônicos e de ser induzido por eles".

Durante todas as suas Confissões, implora por humildade e promete a Deus o despojamento do orgulho, para depois trair-se num arroubo de vaidade, quando diz que fosse o Gênesis de autoria dele e não de Moisés, o escreveria com "uma tal arte de expressão e uma tal modalidade de estilo que até esses que não podem compreender como é que Deus cria se não recusassem a acreditar nas minhas palavras, por ultrapassarem as suas forças".

Todo o problema do mal, para ele, se resume em que se fomos ou estamos corrompidos, é porque somos bons, somente o bem pode ser corrompido. O mal é apenas ausência do bem, como a obscuridade é carência de luz. Mas como pode Agostinho contradizer-se tanto, até o ponto de se tornar "meia-luz" ou "meio-corrompido"? Poderia a ausência de luz dar-se pela metade, e o homem que se diz humílimo em reconhecer os grandes mistérios conhecidos só por Deus pedir a ele o conhecimento do passado e do futuro, como ele mesmo fosse Deus? Pois Agostinho tem o descaro de pedir a seu Deus o conhecimento do passado e do futuro, em ambição desmedida.

O seu amor a Deus é paixão e temor, como se teria por um amante possessivo e vingativo, a quem se ama e agrada por um fundo de medo, foi a Ele prometido como a uma noiva e fugiu do grande compromisso por 32 anos. Sabia que a noiva exigia fidelidade e vida casta, e buscou antes de se voltar a ela, todos os prazeres mundanos. Um dia, num jardim em Milão, no ano 386, a liberdade enfim cobrou seu preço em milhões de culpas. Agostinho chorava angustiado quando teve a revelação que o converteu ao cristianismo: ouviu uma voz infantil cantando "toma e lê, toma e lê". Avistou a Bíblia sobre uma mesa, aberta nas palavras de Paulo de Tarso: "Não caminheis em glutonarias e embriaguez, não nos prazeres impuros do leito, não em contendas e emulações, mas revesti-vos de Nosso Senhor Jesus Cristo, e não cuideis da carne com demasiados desejos". Mônica, a mãe, exultava com a salvação do filho.

A mãe exercia sobre ele enorme influência e era, na visão do filho, um ser intocável, sem nenhuma falha, somente "testemunhos de santidade". Que mágicas há nas doces -e algumas vezes não tão doces- manipulações maternas que fazem os filhos a tudo mais cegar? Agostinho volta à ela com mais fervor do que voltaria sua alma a Deus. E só se voltou a Deus por que ela assim o desejou.

Agostinho provou-me que somos, em essência, somente vaidade e temor de sermos castigados por causa desta. Aprendeu que apenas a devemos usar no caminho certo. Que é a vaidade usada nas "casas de perdição", e nas mesquinharias do mundo, perto da vaidade usada nos caminhos de Deus? A vaidade abençoada pela própria mãe ou justificada por versículos bíblicos, é para Agostinho, a boa vaidade. Esta passa desapercebida aos doutos e grandes senhores da Igreja, que o classificam como o grande pensador do cristianismo e o rotulam de coisas tantas que nem me interessaram saber -e era antes meu costume ler as opiniões dos doutos antes de obras da importância de Confissões.

Ah, senhores doutos, espero pelo dia em que deixem de classificá-lo, como Grande Isso ou Grande Aquilo na história da Igreja, para amá-lo como homem. Fariam então para ele um altar desavergonhado, com flores tão vaidosas quanto Agostinho, e velas de medo dos horrores do inferno pregado pela mãe. E iriam devagar com o andor, que os santos, olhados com calma, são de barro tal qual os homens.

Andréa Trompczynski
São Mateus do Sul, 26/5/2005

 

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