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Quarta-feira, 25/5/2005
Eu não sei blogar
Daniela Sandler



Eu era uma ingênua, mesmo. Achando que para blogar basta querer. Querer, eu queria, também, como muitos de vocês: dividir opiniões sobre isto ou aquilo, pedaços do cotidiano, esboços de escrita. Queria usar o blog como tubo de ensaio de minhas aspirações literárias, testar águas. Lançar-me, apoiada apenas na balsa vasta dos meus interesses (filmes, comida, livros, cidades, viagens, memória, devaneios proustianos), e deixar-me flutuar assim ao sabor das marés até calhar com as embarcações de outras pessoas. Essas pessoas também teriam, como eu, se jogado no mar incerto do "público" virtual - esse infinito reservatório de leitores e escritores - com vontade de encontrar comparsas insuspeitos, de travar conversas, avistar outras naus de mesma bandeira ou descobrir idéias diferentes. Essa minha utopia via nos blogs os horizontes alargados de um mundo imenso, democrático, para além das limitações físicas que restringem meu círculo de interlocutores imediatos. Imaginem! Quem sabe a gente até não aportava nalguma ilha inventada, junto, criava casas na árvore na praia sempre ensolarada e completamente livre, mas com banheiro azulejado e água encanada, claro, pois seria uma ilha utópica.

Eu achava, sim, que blog era a liberdade. Alguém quer usar a internet como confessionário? Então usa. Faz diário pessoal. Quer montar negócio? Fã-clube? Quer desabafar sobre as agruras do trânsito paulistano, postar receita de bolinho de bacalhau, fazer experimentações gráficas ou textuais, brincar de editor-e-jornalista, cagüetar, fingir de poeta, vazar informações impublicáveis, dar furo, tirar sarro, pregar peça, trocar dicas de emagrecimento, fazer amigos, catar mulher, influenciar pessoas, virar livro? Então tá bom! Pode tudo! E nem precisa pagar, taí o Blogspot, de graça.

O mundo hiper-real

Eu fui é otimista demais. O mundo dos blogs, gente, é como o mundo real. E por que haveria de ser diferente? Os blogs são feitos, afinal, por gente real. Achei que a virtualidade eletrônica possibilitaria saltos largos e loucos no vazio, ser totalmente aberto a encontros, aberto ao outro, aberto de coração - já que o corpo estava seguro e protegido do outro lado da tela. Achei que seria um SimUniverse psicodélico!

Mas não é. No mundo dos blogs, o menino tímido continua sentado quieto no cantinho da sala, com medo ou vergonha de se apresentar, mas morrendo de vontade de aquela turma barulhenta vir convidá-lo pra brincar. O mundo dos blogs não é um mar aberto à navegação. Não basta ter uma bússola-google. É uma cidade labiríntica em que o forasteiro, sem mapa ou guia, se perde. Você precisa saber o endereço pra chegar nos lugares. Se as pessoas não souberem o seu endereço, ninguém vai chegar na sua casa, mesmo que as portas estejam abertas. Como você fica sabendo de blog? Alguém indica, alguém linca, alguém anuncia. É um pouco uma questão de propaganda e marketing. Não admira que tantos blogs bem-sucedidos sejam feitos por gente do ramo. E quem comenta? O amigo? O já conhecido? O fulano que tem também um blog e quer botar seu nome no blog do outro? Afagos ou xingos mútuos? Mais publicidade? Isso é conversa? Isso é leitura?

Sink or swim

Eu comecei a ler blogs "tarde". Eu não tinha muito tempo livre. Eu não tinha tempo suficiente nem para dormir nem para lavar roupa. Minhas meias estavam fedidas. Então eu não tinha tempo para me entrosar com blogueiros ou aprender a navegar blogs: não! Não segui os começos históricos dos sites mitológicos, o tal do Catarro, não li. Daí que, quando finalmente resolvi entrar na água, todo mundo estava nadando longe da costa. Como eu chego lá??? Sink or swim! Como eu acho um blog interessante? O que tem pra ler? Como eu fico sabendo? Tinha mais gente na borda, como eu, sem se molhar. E essa gente perto de mim dizia que blog era coisa de vaidoso, de anônimo querendo fama, egocêntricos, auto-iludidos. Outros falavam que blogueiros eram jornalistas ou escritores frustrados, que não conseguiam publicar e ser lidos alhures. Quer saber de uma coisa? Primeiro, blogar não é tão fácil assim. Segundo, pior do que um escritor frustrado que tem um blog bem-sucedido é uma blogueira frustrada. Essa sou eu. Ha, ha, ha.

Swim!

Foi que um dia recebi um e-mail de uma amiga de colégio que não via há tempos comentando uma coluna minha e mandando um link pro blog dela, o Mambembe. Quer dizer, então, que jogaram uma bóia pra mim? Entrei no blog da Carol. E fiquei, assim, de boca aberta. Achei o blog da Carol demais. Era pessoal sem ser egocêntrico, era "diarístico" sem ser "meu querido diário", era sobre ela mesma e sua vida mas ao mesmo tempo sobre o mundo inteiro (e não apenas porque ela morou em Paris, Budapeste, Jordânia, e agora está em Dubai). Não era livro, não era caderno de notas, não era diário, não era coluna. Só havia um jeito de definir: aquilo era, sim, um blog!

Eu não via a Carol fazia dez anos, não conhecia nenhum dos amigos que ela mencionava, e mesmo assim eu me senti completamente dentro. Bem-vinda. Bem-acolhida. E admirando todos os pensamentos dela, umas coisas líricas sobre cidades, e - meus preferidos - posts prosaicos sobre limonada suíça e pipoca. Tudo com uma escrita bonita e sem pretensão. Podia ver que, por um lado, ela estava criando um espaço em que seus amigos e família distantes entravam em seu cotidiano. Por outro, estava aberta ao tal do "público", até mesmo com um link para dicas sobre os lugares onde esta(va) vivendo.

Foi minha epifania! Devorei os posts da Carol e fiquei com fome. Quis blogar também. Estava tímida. Estava dizendo a mim mesma que devia era comprar um diário. Ou então que eu devia continuar refugiada no meu Computador Pessoal, restrita à esfera privada do folder Meus Documentos. Eu tinha a coluna do Digestivo, já, afinal, pra que blog? Ainda mais eu que sou meio prolixa. Que gosto do longo ensaio, e do argumento com tese e muitas evidências, e da reportagem com apuração e serviço, e do começo-meio-e-fim, e da história detalhada e das digressões impressionistas e dos parágrafos pesados e as frases que não acabam mais. Eu ouvia dizer que a linguagem de blog era diferente. Que os posts eram um carimbo do momento: registro rápido, atual, curto e direto, coloquial. Travei.

Velejar

Nesse meio tempo bisbilhotei uns blogs. Vi que a Carol tinha links para outros sites. Segui os links. Em e-mails e conversas com amigos e colegas de Digestivo, fiquei sabendo de outros blogs. Conheci os famosíssimos blogues maravilhosos. Fiz buscas no Blogger.com procurando assuntos que me interessavam. Encontrei coisa interessante e encontrei muita besteira. Muito tempo procurando para pouco resultado. Resolvi voltar à tática de seguir recomendações. O Julio apontou esse blog lindo da Daniela Castilho, com que me deleitei: a arte gráfica, os textos, as idéias, a arte dela, e pra completar o meu episódio favorito de Alice no País das Maravilhas. Fui visitar um amigo meu de outros tempos no blog dele. Achei sensacional. Tinha resenha de livro de mistura com comentários sobre quadrinhos e um monte de assuntos interessantes e coisas de jornalismo e um gramado. Blog simpático e gente-fina como o próprio Rafael. Uma amiga me contou do blog perfeito. Quer dizer, não foi isso o que ela disse, ela disse apenas "vá lá ver o blog do Anthony", mas eu achei fabuloso, o blog que eu nunca cansarei de ler.

Sem âncora

Eu estava ainda quieta. Um dia encontrei com um escritor, colunista e blogueiro que eu admiro e cujo talento sempre me embasbaca. Por isso fiquei embasbacada quando ouvi dele a sugestão sincera: Daniela, por que você não cria um blog? Sorri pra ele mantendo a pose, um engodo de non-chalance, e por dentro eu estava falando alto e exagerando as vogais: "Eeeeeeu??? Você tem certeeeeeeza??? Você mesmo, Alexandreeeee??? Eeeeeeu, criar um blog???"

Fiquei animada. Me chamaram pra brincar! Mas que medo de descobrirem que eu sou péssima de queimada. Decidi que o melhor a fazer, então, era ser ao mesmo tempo pública e anônima. Ao menos no começo. Não é um paradoxo. Anônima porque eu não pus nome completo ou foto ou assinatura no blog. E também porque não contei para ninguém conhecido-amigo-ou-familiar da minha incursão. Fui incógnita. Mas pública porque, afinal, eu estava me mostrando ao mundo, saindo do folder Meus Documentos, "postando", com meu blog lá flutuando no tal universo virtual. Para quem quisesse ler.

Essa era minha utopia. Que minhas palavras boiando a esmo iam dar com as palavras aventureiras de outras pessoas, com os olhos, binóculos, periscópios de outros leitores. Postei. Meu namorado reclamou de eu passar muito tempo on-line. Postei de novo. Esperei. Nenhum comentário. Nenhum hit. Aí me dei conta. Como vão me achar? Fiz uma busca no Google para testar. Pus palavras-chave que só podiam se encontrar, combinadas, no meu blog. Nada. Nenhum resultado da busca. Achei que era boicote do Google, tentei no Altavista, Yahoo, MSN. Eu sou inencontrável. Meu blog não existe. Vai ver era preciso escrever algum comando especial para ser achável no Google. Mas eu sou péssima de comando especial. Queria mudar o layout do meu blog e tudo o que consegui foi criar um título gigante.

Ninguém me linca, ninguém me quer

Eu analisei os blogs dos outros. Todo mundo com sua lista de links para outros blogs, todo mundo listado nos links de blogs alheios. Eu não sou listada em lugar nenhum. Ninguém linca pra mim, ninguém me lê; ninguém me lê, ninguém linca pra mim. É o ovo e a galinha. Só que eu, além de tímida, tenho uns pudores arcaicos. Tipo não fazer autopropaganda. Crescer ouvindo que "elogio em boca própria é vitupério." Concordo. Se você já me leu por aqui, sabe que eu não aprendi a arte de me vender. Até mesmo esses links para as minhas próprias colunas, que são muito mais uma nota de rodapé para estender meu argumento do que uma autopromoção, me deixam com a consciência culpada. Mas não quero ser moralista. Acho que sou é anacrônica. Você vê que, até agora, não pus link para o meu blog. Os meus blogs, aliás.

Blogar é difícil

O que me leva à conclusão. Sabe, blogar não é fácil. Blogar, quer dizer, ter um blog vivo, animado, com diálogos, leitores e comentários, com posts constantes, imagens, surpresas, audiência cativa. Links. Em parte, é difícil por conta dessa necessidade de divulgação. Ou, melhor dizendo - para tirar o ranço comercial - a necessidade de fazer uma social, de se apresentar, de conhecer gente, virtualmente ou não. O mar de blogs é uma arena pública, sim - mas não é suficiente chegar lá e ter algo a dizer. É preciso falar alto, chamar a atenção dos outros, subir no palco, conseguir silêncio da platéia.

E é preciso perseverança, fôlego, resistência, continuidade. Blogar é trabalho duro. Eu sou uma blogueira frustrada porque, além de tímida, sou inconstante. Criei três blogs diferentes, um para cada tema: um "literário", um culinário, e um em inglês com resenhas de restaurantes (além de blogueira frustrada, sou também crítica gastronômica frustrada). Daí comecei a trabalhar. Fiquei sem tempo. Pra escrever resenhas de restaurantes preciso primeiro ir a restaurantes. Pra falar de comida no blog culinário eu preciso de tempo pra pensar e postar algo que faça sentido não só para mim, mas para o leitor também. E o meu blog "literário" depende de inspiração e muito tempo livre para burilar as palavras. Meus esforços pífios resultaram em três blogs mínimos e incompletos, lidos apenas pelos três amigos para quem confessei a empreitada. Quando o Julio escreve na resenha de blogs dele que a linguagem do blog é rápida e rasteira, ele está certo. A minha mania de repensar, destilar e revisar as palavras não funciona; ela fez meu blog empacar.

Eu levanto a bandeira branca, aquela que diz "eu me rendo". Eu desisto. Um dia quem sabe eu volte a postar, e quem sabe até mesmo eu deixe de ser fresca e ponha um link aqui numa coluna para os meus próprios blogs. Até lá, meus blogs ficam submersos, criando alga, criando limo, como navios de um naufrágio perdido. Eu sigo sendo colunista, que é o que sei fazer, e sigo passeando um pouco mais livre pelos blogs dos outros. Lendo uns textos admiráveis, uns textos excelentes. Continuando sem entender o hype em torno de banalidades como esta. Colhendo umas flores perfumadas. Dando risada. Quem sabe a gente se cruza.

Daniela Sandler
Riverside, 25/5/2005

 

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