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Segunda-feira, 13/6/2005
Blogs
Jardel Dias Cavalcanti

Afinal de contas não será apenas o reflexo do narcisismo de nossa época que explica a criação dos blogs? Não será esse desejo neurótico de aparecer, não importa de que forma for, para um público que desconhecemos, mas que queremos que nos conheçam, que faz com que alguém crie um blog?

As coisas não são tão simples assim. A primeira coisa que se deve ter em mente é que o meio usado para se criar os blogs é a Internet, a ferramenta mais revolucionária de comunicação inventada pelos homens. Com ela podemos nos comunicar com pessoas do mundo todo, pessoas que de outra forma jamais conheceríamos e com quem podemos criar relações afetivas e intelectuais, mesmo elas estando em partes distantes de nosso estado, do nosso país e, no futuro, com pessoas que estarão em outros planetas. Com a Internet temos acesso imediato a documentos que estão na Biblioteca Nacional de Paris ou do Rio de Janeiro. Podemos ter acesso a livros que seriam caríssimos se tivéssemos que importá-los ou requisitar a alguém que os comprasse para nós. Podemos visitar exposições em museus do mundo todo, podemos ter acesso a tudo o que se produz em tempo integral, textos de conferências, exposições em galerias de arte, ou seja, eventos múltiplos de qualquer área do conhecimento humano. Enfim, uma comunicação tão ampla como nunca se viu na nossa história.

Com a Internet podemos entrar em salas de conversas (chats) e podemos ser tudo o que queremos ser, experimentar tudo virtualmente e sermos também cobaias voluntárias dos delírios dos outros: nos tornarmos mulheres, machos poderosos, gays, estupradores, assassinos, mocinhas virgens querendo ser defloradas por garanhões insaciáveis, padres voluptuosos, policias sedutores, animais sensuais, incestuosos, ricos, de olhos azuis, com pênis vibrantes cheios de amor e desejo para dar. Tudo isso dentro do conforto e da assepcia do seu quarto, sem perigo algum, a não ser o da deteriorização e enlameamento da sua mente - se você não tomar o devido cuidado. Em alguns casos esse universo ficcional pode se tornar real, basta haver um acordo para um encontro não virtual. Também podemos navegar em comunidades que promovem encontros onde a afinidade eletiva é o que conta, como no Orkut. Ali, por exemplo, achei pares que gostam da obra musical dos quase invisíveis e marginalizados músicos contemporâneos Ligeti e Luciano Berio. Destes contatos nascem trocas de CDs, DVDs, gravações raras, textos inéditos e tudo que o valha.

Dentro do universo da internet surgem também os blogs. Todos podem agora expor suas opiniões, seus trabalhos ou de outras pessoas, seu cotidiano, suas imagens ou as imagens que os interessam apresentar. Podem expor suas opiniões sobre fatos recentes da vida na comunidade humana ou desumana. Podem reunir amigos em causas comuns. Podem saber, afinal, quem é de sua tribo, onde vivem e como vivem. Basta atentar ao fato quantitativo de pessoas tão perdidas como os poetas, que agora encontram seus pares com mais freqüência, desfazendo em muito seu isolamento e dolorosa solidão. Troca-se poemas, lê-se poemas, discute-se poesia, cria-se, a partir daí, revistas literárias, encontros anuais de poesia, etc. Aumenta-se a comunicação, troca-se idéias e ideais, afetos e desafetos numa conjunção virtual digna da mais sofisticada, intrincada e inimaginada ficção científica.

Pode-se através de um blog acompanhar o nascimento de um romance, uma tese, um poema ou uma composição musical. Ver as correções e, mais que isso, palpitar, elaborando sugestões inusitadas que o autor aproveita ou joga no lixo. Pode-se manter um contato mais direto com alguém que admiramos e que, de outra forma, jamais conseguiríamos contactar. Uma comunicação apenas possível graças à Internet.

Claro que dentro desse planeta de coisas boas, aparece a lama, os oportunistas, vazios e querendo disseminar o vazio. São os narcisistas, que escolheram esse meio para exibir a imbecilidade de suas vidas cotidianas - como "hoje fui ao McDonald's e comi um sanduíche, estava delicioso". Quem quer saber disso? Outros ainda querem mostrar o amor das suas mães numa confortável foto onde se beijam ternamente. Outros exibem, como bons exibicionistas que são, fotos das mulheres com quem dormiram e que nota dão ao seu miserável ato sexual. Outros, em geral adolescentes, principalmente as meninas, mostram como são "gracinhas" suas amizades (até que sua melhor amiga durma com o namorado dela e aí, no mesmo espaço, a escracham para toda a turminha). Ou outros que querem exibir suas jóias particulares, como seu namorado com cara de estúpido fazendo algum esporte radical, ou mostrando seu carro novo. Esses OVNIs (objetos virtuais não identificados) serão, mesmo e apesar de sua pobreza total, objetos de estudo para antropólogos e sociólogos que tentarão entender o vazio do mundo contemporâneo, os desejos fabricados, a dominação total do mercado nas mentes e no comportamentos das pessoas. Encontrarão aí farto material para tal, sem sombra de dúvida.

Do outro lado, num universo mais interessante, podemos encontrar reflexões sobre a vida, sobre a arte, sobre a sexualidade, a política nacional e internacional, sobre livros, sobre desejos obscuros, sobre sentimentos ternos, sobre tempestades emocionais, sobre perdas, sobre encontros brilhantes, sobre manifestações sociais (já que aqui também se pode organizá-los internacionalmente), sobre tudo o que diz respeito às espectativas humanas.

De minha parte, vou sugerir apenas um blog para quem quiser visitar, do professor da unicamp, Jorge Coli, que teve um curso no MASP todo relatado lá. Nesse blog pode-se ver fotos e comentários de alunos e do professor sobre obras de arte do MASP. Nele você também pode participar inserindo comentários e críticas, se assim o desejar. Divirta-se.

Jardel Dias Cavalcanti
Campinas, 13/6/2005

 

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