busca | avançada
70683 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Sexta-feira, 10/6/2005
Mens sana... um ano depois
Julio Daio Borges


4,8 Km, em Angra, no feriado de Ano Novo

Fez mais de um ano que eu voltei do spa. Fez mais de seis meses que eu comecei a academia. Fez mais de três meses que eu participei da minha primeira corrida. Passada, então, a euforia, as pessoas me perguntam: "E, você? Continua com aquele negócio de mens sana in corpore sano [I, II e III]?" - como se fosse uma fase, uma moda passageira e eu, em algum momento, devesse "desencanar". Continuo. E não porque seja um sacrifício, e eu sinta a necessidade de periodicamente me martirizar, mas porque incorporei os princípios como se fosse uma filosofia de vida - a única em que me dou ao luxo de acreditar.

Como um credo religioso, se você quiser pensar, é difícil convencer as pessoas (e eu nem quero), mas eu sou "outro" desde abril do ano passado. Cada vez mais. Confesso que meu maior medo, durante algum tempo, foi voltar atrás. E eu me agarrava às minhas conquistas quando uma tentação aparecia ou quando eu simplesmente saía da linha. Era uma resposta à recaída ou à sua, aparente e recorrente, ameaça.

Com o tempo, fui percebendo que as tentações eram importantes, e as recaídas, também - para poder voltar. E firmar alguns princípios. É quase impossível esquecer alguns sabores e sensações, e você quer voltar a eles nem que seja para confirmar se eles continuam os mesmos e se eles não te dominam mais. Agora não me lembro da primeira vez em que fui ao McDonald's depois de voltar do spa. Mas não foi a única; nem será a última. Acontece, porém, que aquilo vai perdendo a graça, e você vai perdendo a vontade, mesmo que haja - no fundo - um gosto simples de transgressão no ar. Ou seja: você, de repente, quer lembrar do sabor do hambúrguer na boca; experimenta mas aquilo não te diz nada (ou então, vá lá, não te diz mais muita coisa; ou assim taaanta coisa); recorda por um instante; mas se arrepende logo depois - porque o crime, ou o prazer, não compensa, e é só.

Sempre quando eu como um chocolate (ou alguma outra coisa de que eu consulto as calorias antes), depois, correndo, me lembro de quanto eu preciso para queimar aquele negócio. Um Sensação, por exemplo, que eu resolvi (re)experimentar semanas atrás, exige 15 minutos de corrida ou mais, para ser compensado pelo exercício - afinal, são 180 calorias. Um Big Mac ou McChicken, ou Mc-qualquer-coisa, equivale a 40 minutos, 1 hora - e assim vai... Você sabe o que é uma hora correndo? Sabe o que são 15 minutos? Se soubesse, não comeria. Ou pensaria duas vezes. Ou sei lá. (Ou, melhor, sei: sei que não vale 5 minutos, 10 minutos, 15 minutos... 1 hora.)

Mas o peso, puro e simples, deixou de ser importante. Depois que emagreci 10 quilos (os 10 quilos que almejava) vivo oscilando um quilo ou dois, mas não importa. Deixa de importar porque você ganha outros parâmetros. Eu, por exemplo, sei que - mesmo que continue com o mesmo peso - a massa muscular aumenta enquanto a gordura diminui. A corrida me deu uma "definição" que eu nunca tive, principalmente da cintura pra baixo. Com a Carol, brinco que a minha bunda está diminuindo (o sentador não é mais aquele banco amplo; às vezes, preciso me equilibrar para não machucar o osso...). Não quero ser magro campo-de-concentração; muito menos engrosso o coro do visual top model. Até porque, piadas à parte, estou muito longe, e - como quis frisar - a perda de peso deixa de importar.

Também não fico fazendo musculação. Alias, pelo bem do exercício aeróbico, desde o começo do ano, passei a faltar. (Preciso, inclusive, voltar.) Fiquei tão viciado na sensação de limpeza mental depois de 40, 50 minutos de bicicleta ou corrida que abdiquei das atividades "acessórias". Depois de 10, 12 horas trabalhando, é necessário que eu esvazie a mente pelo desgaste do corpo (desgaste entre aspas). Minha imagem preferida é a da torção de um pano, de um tecido ou de uma roupa suja no tanque. Ou imaginar que estou "zipando" meus problemas, meu trabalho e meu dia, reduzindo, na minha cabeça, o "espaço" que eles ocupam (ou que eles deveriam ocupar).

Meu tio falou que se sente jovem de novo e tem dias em que lhe dou razão: volto, por alguns minutos, a ter 17 anos. A juventude pela juventude é idiota, como sabemos todos; para mim, o mais importante é a sensação de poder tudo de novo. De poder qualquer coisa. De poder, simplesmente, realizar o que parecia, até poucas horas, impossível ou improvável. Essa convicção me levou a mudar uma porção de coisas na minha vida e posso dizer que estou sendo bem-sucedido, embora, muitas vezes, me sinta ainda mais sobrecarregado (os superpoderes trazem super-responsabilidades). Mas, no geral, estou caminhando mais para "o lado bom" do que para "o lado ruim". (Sei que está abstrato e vou tentar exemplificar.)

Aqui, no Digestivo. Eu sempre tive a sensação de que estava começando, às 9 horas, tarde. Voltei do spa e mudei para as 8. Entrei na ginástica e, em alguns meses, mudei para as 7. Parece coisa de workaholic, mas só assim estou conseguindo realizar uma porção de projetos que estavam engavetados. De lá pra cá (não cito na ordem), reinaugurei o Blog. Comecei, e reforcei, minhas colaborações com a mídia off-line (Estadão, O Globo, Rascunho... and so on). Escrevi, finalmente, e pus no ar, um "Manual de Estilo" para os Colunistas. Implementei os Anúncios. Lancei novas e melhores Parcerias. Antecipamos a comemoração de 5 anos de site. Louvamos os 4 anos de Colunas. Os acessos bateram recorde. As menções aumentaram. Viramos revista. Viraremos livro logo mais. Virão as Entrevistas. Veio a Busca. Aberta a empresa, faturamos mais do que nunca (até porque, antes, o faturamento praticamente não existia). Editora. Eventos. Mudanças estruturais. Os planos são muitos. E não param de se realizar, o que é fundamental.

Pode ser que não tenha nada a ver com a minha mudança em 2004; mas eu acho que tem. É impossível não associar.

Antes, trabalhava, trabalhava e a impressão era de que não saía do lugar. No linguajar corporativo, estava sempre apagando incêndio. A rotina, as tarefas rotineiras, digo, devem ser uma parte da vida - e só conseguimos aprimorá-las ou, ao menos, olhá-las de fora, em perspectiva, quando saímos dessa roda-vida. A parada, para o exercício físico, traz isso. A oportunidade de entrar e sair do dia-a-dia, todos os dias, e repensar processos e transformá-los no dia seguinte, na semana seguinte, no mês seguinte... Caso contrário, você embarca num ciclo infinito, que vai te consumindo - e você, eternamente esgotado, não consegue explicar, nem entender, por quê. Afinal, estou fazendo tudo certo, estou cumprindo, estou entregando, estou dando o meu melhor... E nada.

O exercício também traz a convicção necessária para ser um agente transformador (você me desculpe seu eu aqui estiver soando como auto-ajuda). Porque todo mundo sabe o que está errado em sua rotina; ou, pelo menos, tem uma vaga noção. Falta força para começar e persistência para continuar. E para colher frutos. Eu lia esse tipo de conselho no livro do Nuno Cobra (sim, depois de muita insistência, de algumas pessoas, eu li) e achava que comparar as transformações na própria vida à conquista de pequenos objetivos numa corrida fosse balela de preparador físico, mas não é, não. Realmente, existe uma similitude. O desenvolvimento da própria capacidade, a superação dos limites, as vitórias mínimas, de cada dia, encontram, sim, eco na existência do indivíduo. As metas que você traça para o "treino" da semana seguinte se convertem, metaforicamente, em metas profissionais e pessoais; os degraus que você sobe em matéria de condicionamento físico podem ser, no futuro, degraus no mundo do trabalho e no universo da família; as bandeiras que você finca em territórios antes inatingíveis podem ser bandeiras na sua geografia íntima de sonhos e realizações.

Eu continuo com a corrida. Há um tempinho, fui ao Rio com a Carol e demos a volta na Lagoa correndo. É indescritível a sensação. São 7,5 Km. Eu vinha de uma prática de 40 minutos, duas ou três vezes por semana, e quando encarei a Lagoa Rodrigo de Freitas, sem saber exatamente o tamanho do percurso, achava que não ia dar. A Lagoa era grande; passava por todas aquelas montanhas; atravessava praias. Depois de menos de uma hora, estávamos no mesmo ponto onde começamos. Havíamos dado a volta. Não era uma prova oficial; ninguém estava filmando ou fotografando; não guardamos registro nenhum. Era mais para nós. Na verdade, não existem testemunhas para as grandes realizações - porque elas começam pequenas, porque ninguém dá bola pra mais um começo (igual aos outros), e porque só assistimos ao desfecho (ou ficamos sabendo que ele se concretizou). Então você me lê e pensa que foi tranqüilo. E, de certa maneira, foi. Mas você tem de ir lá, correr, para saber efetivamente como foi. Ou tem de correr você mesmo. Que tal? Quem sabe, daqui a um tempo, a gente corre junto. E você ainda vai poder escrever o seu próprio "Mens sana in corpore sano"...

Para ir além
Leia também "Salvem as baleias humanas", mais uma polêmica desperdiçada pela Superinteressante (a outra foi "Jornalista virou commodity", que teve principalmente esta e esta repercussão).

Julio Daio Borges
São Paulo, 10/6/2005

 

busca | avançada
70683 visitas/dia
2,0 milhão/mês