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Sexta-feira, 15/7/2005
Sobre nossas ambições (equivocadas) de mass media
Julio Daio Borges

Eu costumo dizer que, além da geração internet, sou da geração televisão. Até já escrevi sobre isso antes. Então, para nós da geração da televisão, ser famoso, se consagrar, conseguir reconhecimento é necessariamente aparecer na telinha. Eu senti isso na pele quando participei do Jogo de Idéias do Itaú Cultural (com retransmissão pela TV PUC, no Canal Universitário), no ano passado, e quando recebemos, este ano, uma segunda menção no Manhattan Connection (do GNT), por ocasião do lançamento da revista com a FGV-SP. As pessoas ligavam para dizer que eu estava "chiquérrimo" ou para, num exagero proposital, dizer que eu estava "em todo lugar". Eu gostei; foi legal — mas, cada vez mais, penso que a geração internet não tem nada a ver com o mass media, nunca terá e que, se um dia tiver, é porque terá abandonado todo esse espírito de liberdade, de independência e de crítica que tão bem a caracteriza.

Antigamente (como é antigo o passado recente), para ascender na mídia existiam poucos caminhos — e obviamente mostrar que você tinha sido bem-sucedido era mostrar que você tinha atingido o mainstream. Da internet pra cá, as coisas mudaram e todo sucesso, principalmente nessa área de mídia, hoje é questionável. Por exemplo: se o sujeito queria ser jornalista, queria escrever, tinha de obrigatoriamente fazer faculdade de jornalismo, prestar um desses cursos para focas de grandes veículos (Estadão, Abril, Folha, etc.), ser admitido como repórter ou trainee, escalar a hierarquia de editor-assistente, depois editor, depois editor-executivo etc. e, enfim, quem sabe, talvez, um dia, conseguir uma coluna em que fosse finalmente livre e, como personalidade, como pessoa mesmo, aparecer. Ele havia vencido. Ele era alguém. Missão cumprida.

Dos blogs pra cá, todo esse conto de fadas caiu por terra. Um editor de livros (e não de Web), amigo meu, por exemplo, insistentemente afirma que um bom blogueiro é muito mais lido, diariamente, do que os editoriais de um grande jornal. Não sou tão radical quanto ele, nem sou assim tão pró-blogueiros, mas acho que muitos de nós, na internet, já somos mainstream sem saber — sem ter feito jornalismo, virado repórter, editor, etc. — simplesmente pelo efeito que tem o que escrevemos e simplesmente porque a mídia nunca vai reconhecer. A grande mídia que historicamente diz quem é mainstream e quem não é jamais vai entronizar uma geração que justamente põe abaixo todo o modelo que ela sempre defendeu (de estudante de jornalismo, de repórter, de editor, etc.). É uma contradição imensa, mas é o que é.

A grande questão, que hoje se coloca, é: dado esse cenário, de disputa entre a mídia nova e a mídia velha, nós, profissionais de internet (editores, colunistas, blogueiros), que já nos estabelecemos, precisamos da grande mídia pra quê? Eu sinceramente acho que eles precisam mais de nós do que nós, deles. Nós nascemos sem eles, nós crescemos sem eles, nós "vencemos" sem eles, por que vamos precisar deles justo agora se não precisamos deles em nenhum outro momento? Foi o tema de uma acalorada discussão, outro dia, com um editor de jornal amigo meu. Ele acusava os blogueiros (e interneteiros) de não saberem fazer jornalismo — e, por isso, não poderem ser absorvidos pela grande imprensa —, mas eu devolvia a acusação nos seguintes termos: "Mas alguém, fora eu, já tentou pegar um blogueiro para ensinar-lhe jornalismo [e olha que eu, como interneteiro, nem sei...]?". E concluí que é fácil, para a grande imprensa, depois de ter virado as costas para a internet (ou para o que estava acontecendo nela fora do mainstream), chegar e dizer: "Como vocês não fazem jornalismo, nós não queremos vocês".

Agora, o engraçado é que eles acham que sabem o que é fazer internet (ou, ao menos, imaginam saber). Tudo bem, digamos que nós não façamos jornalismo mesmo, que as nossas colunas sejam piores que as da Maitê Proença, do Mário Prata e do Casseta&Planeta, que diferença — depois de 10 anos de internet comercial no Brasil, depois de quase 5 anos de Digestivo Cultural (no meu caso) — isso vai fazer? Digamos que nós façamos "internet"; por que, então, seria melhor fazer jornalismo neste momento? Francamente, não vejo por quê. Se vamos ser eternamente esnobados pela grande mídia — porque não passamos pelo tal rito de passagem (foca, repórter, etc.), estamos velhos — por que se preocupar com o "jornalismo", por que perseguir o cânone, por que esse desespero por reconhecimento se, há tanto tempo, mal ou bem, estamos sobrevivendo?

"Muito me admira, você, Julio, falando isso". Claro: eu construí o Digestivo com base na imprensa. Canso de repetir que os jornalistas foram o nosso modelo. Insisti, sempre, em falar que fazemos "jornalismo cultural" (ou, ao menos, tentamos fazer). E confesso, reafirmo, registro, que fizemos essa ponte (ou tentamos fazer), porque pertencemos a uma tradição (ou queremos pertencer) de nomes como: Millôr Fernandes, Paulo Francis, Ruy Castro, Sérgio Augusto, Daniel Piza, Diogo Mainardi, Luís Antônio Giron, etc. E a recíproca é verdadeira: todos eles reconheceram a importância do Digestivo Cultural em algum momento. Eu não posso virar as costas pra eles agora. E nem estou virando... Apenas estou dizendo, há tempos, que vem aí uma geração, uma geração de internet, que não tem a menor ligação com esse "jornalismo" que estamos fazendo, que manda uma banana pra ele e que, a seu ver, os jornalistas&colunistas são apenas outros "blogueiros" com quem eles têm de conviver.

Pessoalmente, continuo encaminhando textos meus para a grande imprensa — e acho que vou continuar sempre. Não porque quero que ela me sustente (na base da colaboração, a grande imprensa não sustenta mais ninguém) mas, sim, porque eu li os jornais e as revistas, eu me formei através deles e eles têm esse valor para mim. Meus heróis vieram do impresso. O que eu lamento, porém, é que as aproximações da grande mídia com a "pequena mídia" (internet), no Brasil, sejam sempre na base do paternalismo, do desrespeito, quando não do desprezo hostil. São legítimas, por exemplo, as reclamações de blogueiros que sempre vêem o conceito de blog, na grande imprensa, associado ao de diário virtual — se possível, "adolescente" — quando muitos deles conduzem a atividade (de "postar") de maneira tão ou mais séria do que a maior parte dos jornalistas. (Atenção: eu não disse que eles fazem melhor jornalismo, nem disse sequer que eles fazem jornalismo, apenas disse que eles levam mais a sério a sua atividade do que muitos jornalistas levam a deles.)

Intimamente, vai ver que eu ainda acho a consagração na mídia importante; e, intimamente, vai ver que ainda me incomodo com o tratamento que a mídia confere à internet. Se nem ligasse pra ela (pra mídia), nem me pronunciaria a respeito, não está certo? Está; está certíssimo. Acontece que esses conceitos estão se desvanecendo e eu sou quase um dinossauro perto dos novos interneteiros, que colocam a velha mídia na frente apenas como objeto de crítica (insisto). E muita gente, ao meu lado, começa a questionar, tomando exemplos vários, a eficiência da velha mídia para se comunicar com as pessoas. Há algumas semanas, uma colaboradora veio me lembrar de uma turma, de novos escritores e autores, que, volta e meia, estão na "Ilustrada" da Folha mas que nunca emplacam. E eu emendei: "Se tivesse a exposição deles, não ficaria reclamando". Como o Mirisola. O Mirisola tem fama de grosso, rude, mal-educado, mas é tão bajulado pela mídia que suas reações parecem as de um menino mimado sem razão de ser. Queria ver se não tivesse editora, ou se tivesse mas fosse solenemente ignorado pelos cadernos culturais — como a imensa maioria dos autores de internet. Resumindo: minha colaboradora dizia que as atuais materiolas da imprensa a respeito de livros, no caso, não tinha efeito nenhum sobre gente de carne e osso, porque a mesma turminha que estava de segunda a segunda na preferência dos "modernos" nem por isso vendia mais exemplares na livraria.

O meu ponto é que a grande mídia perdeu contato com a realidade — contato que a internet está recuperando, porque é feita de pessoas e não necessariamente de jornalistas. Lógico que não estou pedindo para transpor os principais blogueiros para o formato impresso e nem, muito menos, afirmando que isso vai reverter o quadro de crise, do papel, em questão de dias. Apenas insisto que a "troca da guarda" tem de ser feita de algum modo e que a "vanguarda" do jornalismo, ou do que quer que seja (e envolva comunicação escrita entre leitores e escritores), está na internet. Ao mesmo tempo em que não acredito, por outro lado, que a exposição no mass media seja uma saída para os anseios de consagração da minha geração. Consagração, no Brasil, não é outra senão esta que estamos vivendo: o mercado é reduzido, o público é escasso, aparecer na televisão, ou se transformar num ídolo (se é que isso ainda existe), não vai resolver o problema existencial e artístico de ninguém. Conheço jornalistas, escritores, autores que estão "no mais mainstream do mainstream", colaborando com os maiores jornais e as maiores revistas, publicando pelas maiores editoras, e estão tão desanimados quanto (ou mais do que) nós — que, ao menos, temos essa possibilidade inédita de experimentar (que, óbvio, vai passar, como toda novidade passa). Fora que as pressões do sistema (para quem está dentro) são grandes e as limitações, maiores ainda — principalmente em épocas de crise como a atual.

Quando comecei a escrever, e a "fazer jornalismo", trocava idéias com aqueles jornalistas que admirava, ansiando pelo dia em que fosse encontrá-los e fosse receber, deles, todas as respostas. Os encontros vieram; conheci praticamente todos os que queria conhecer. Mas o que mais me surpreendeu, mais do que conhecê-los pessoalmente, quero dizer, foi o fato de que, muitas vezes, muitas mesmo, eles é que olhavam para mim em busca de respostas. Eu vinha de uma nova mídia, de teoricamente um "novo mundo", eu poderia, de repente, dizer-lhes que havia esperança. Que a internet era melhor, que a Web iria redimi-los, que havíamos encontrado outro modelo de business, que os leitores-internautas valorizavam mais quem escrevia, etc., etc. Mas vocês sabem que não era isso que eu trazia. O Brasil era o mesmo; os problemas eram os mesmos; a falta de educação... historicamente a mesma. O máximo que poderíamos sentir, uns pelos outros, era compaixão. Eu, pelos jornalistas e pelas dificuldades deles (de uma mídia que está acabando); e eles, por mim, pelas minhas dificuldades (de uma mídia que está começando). Por isso penso que estamos todos numa encruzilhada; e por isso penso que, sinceramente, deveríamos nos irmanar. Nós, interneteiros, temos os leitores que estão lhes faltando; vocês, jornalistas, têm a estrutura que nos falta — por que não iniciar o diálogo? (Mas sem arroubos de mass media, tá?)

Julio Daio Borges
São Paulo, 15/7/2005

 

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