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Terça-feira, 14/6/2005
A volta
Paulo Polzonoff Jr

Eu voltei. Passei dois anos me resignando. O silêncio me soterrou. Até que eu percebi que tentava fugir de mim mesmo. A injustiça me dá engulhos. E o silêncio pode até ser arma eficaz para os monges do Tibete. Eu, que sou fogo puro com lua em Escorpião, não consigo me calar. É possível que pague por minhas palavras. Mas acho que o preço que estava pagando pelo meu silêncio era ainda maior. Se falo hoje, porém, é com uma voz de sensatez gritando: "Não diga isso!". Eu a escuto com respeito. E não digo, porque aprendi que do outro lado do papel há um homem. Espero que entendam que desde lado também há um.

O novo Woody Allen
Curitiba continua sendo excluída das exibições de Woody Allen. Melinda e Melinda é o melhor trabalho do diretor nos últimos anos. Woody Allen continua fazendo comédia inteligente, com piadas que atraem a gargalhada, mas que deixam um leve amargor na boca. No filme, Will Ferrell rouba a cena. No diálogo mais engraçado, um yuppie pergunta a Hobie, personagem de Ferrell, se ele pratica esportes. Ao que ele responde: "Jogo botão e tenho ataques de ansiedade". Realmente, nada melhor para queimar calorias do que um bom ataque de ansiedade.

A guerra dos chatos
Todos os dias, nos jornais, há uma notícia sobre Star Wars 3. Fãs enlouquecidos se vestiram de Darth Vader nas pré-estréias. Analistas de todas as estirpes analisaram o filme sobre os mais diversos ângulos. Bom para eles.

Eu me mantive à margem desta balbúrdia toda. É que pertenço à insignificante legião de excluídos que não gostam de Star Wars. Não gosto. Acho entediante e tenho especial birra pelo visual kitsch. Para dizer a verdade (correndo o risco de soar antipático), não tenho muita paciência para os fãs da série. Tenho cá para mim que levam o filme a sério demais.

Se por um lado acredito que o mundo precisa de fantasia, e por isso tendo a considerar Star Wars infinitamente superior a um filme de Sérgio Bianchi, por outro acho que a fantasia tem de ser de qualidade. E nisso ainda ninguém superou os gregos.

Se você soubesse...
Em se tratando de literatura, anda cada vez mais difícil ler livros levando-se em conta o caráter de quem os escreve. Talvez por isso mesmo tenha me afastado dos contemporâneos em direção aos clássicos. Não que não os mortos estejam acima de quaisquer críticas. Mas já estão mortos - e isso é um bom começo. Se os leitores soubessem metade das histórias que correm nos bastidores da vida literária brasileira, simplesmente não comprariam mais livros de autores contemporâneos (a não ser dos amigos, claro). Eu não revelo nada aqui para não parecer leviano.

Era uma vez...
O bom jornalismo acabou. Segunda-feira passada eu abri o jornal e li, deprimido, uma reportagem do Globo sobre meninos de rua que moram em galerias sob a avenida Viera Souto, em Ipanema. Para vocês terem uma idéia do que isso significa, basta dizer que, além de cartão-postal, a avenida é o metro-quadrado mais caro do Rio de Janeiro. Um apartamento de dois quartos ali vale, por baixo, R$ 1 milhão.

A reportagem, no entanto, fica só na denuncia do ocorrido. Com fotos de longe. O repórter não se dignou sequer a ir conversar com os meninos de rua para saber da vida deles. Se eu bem conheço a raça, deve ter ficado com medo ou nojo. Não se faz mais repórteres como antigamente.

É triste. E o pior é que os donos de jornais, supereditores e editores não estão nem aí.

Poetas
Ando lendo muita poesia. Coisa boa. Gente desconhecida. Sérgio Lemos e Mário Faustino, para citar dois nomes. A cada verso, fico me perguntando o que aconteceu com a poesia. Por que os poetas de hoje se contentam com o verso fácil, o trocadilho, o discurso vazio? A poesia brasileira ficou mais burra, mesmo que, aqui e ali, se encontre metáforas bonitas.

Como conseqüência de minhas leituras, acho que "meu ouvido acabou entortando". Os entendidos sabem do que falo.

Imoralidade
Cento e oitenta e um escritores, poetas, jornalistas e demais desocupados assinam um tal de Manifesto Literatura Urgente. Pedem, entre outras coisas, que o governo patrocine viagens para supostas caravanas literárias - se bem que todo mundo sabe que viagem assim é turismo cuspido e escarrado. No meio de vários desconhecidos, perdedores e vagabundos, há muita gente boa. Que, por algum motivo que me foge completamente à compreensão, não tem a menor autocrítica. O que me leva a crer, ainda, que escritor bom é escritor morto.

O que os signatários do imoral manifesto não conseguem entender é que literatura não é importante. Não é. Portanto, não há motivo nenhum para o governo incentivar o que seja. Já faz muito ao isentar o livro dos impostos mais básicos, aumentando, assim, o lucro dos editores. Qualquer medida além disso é dinheiro queimado. Literatura é, sempre foi e sempre será um luxo. Tanto para escritores quanto para leitores.

Não. Não vou cair aqui no discurso demagógico que diz que cultura não é prioridade num país de desdentados. Eis a questão: literatura não chega nem a ser uma possível prioridade. Literatura não é nada. Ou, por outra, é o nada que é tudo, como já disse um grego cego.

Por fim, vale lembrar que o Estado não pode ser responsável por nossas escolhas de vida. Se o escritor resolveu ser um pé-rapado e viver de literatura, problema dele. Não há nada de nobre na discutível vocação de escritor que justifique verba pública. É uma atividade como outra qualquer. Se tivessem os signatários do manifesto ouvido a voz verdadeira e cortante da cinta ou da vara-de-marmelo, nunca teriam acredito na possibilidade de viver escrevendo.

Nota do Editor
Paulo Polzonoff Jr. dirige hoje o site Polzonoff Comunicação, onde estes textos foram originalmente publicados. (Reprodução gentilmente autorizada pelo autor.)

Paulo Polzonoff Jr
Rio de Janeiro, 14/6/2005

 

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