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Quarta-feira, 6/7/2005
Sobre Parar de Escrever Para Sempre
Andréa Trompczynski

Plagiando meu ídolo maior, o Polzonoff, com seus textos definitivos, escrevo este Texto Definitivo sobre minha vontade de parar de escrever para sempre. Sempre penso em Parar de Escrever Para Sempre e, quando estou quase pondo um ponto final em tudo, a coisa começa a esquentar. Milhões de idéias vêm, como numa conspiração infernal para que eu desista de Parar de Escrever Para Sempre. O que é uma droga! Ah, seria tão bonito e tão dramático: uma última coluna sobre O Fim. Um dramalhão sobre como o mundo cruel venceu minhas tendências literárias. Alguns leitores escreveriam lamentando. Outros comemorando. Seria grandioso. Um sucesso de acessos. O último, mas, um sucesso inegável.

Tendo já desistido da Grande Coluna de Sucesso, eu falava sobre o quanto eu fiquei viciada no "ibope" com um amigo escritor, o Wilson Sagae, contrariado com minha excessiva preocupação com os leitores. Mas, calma, não falo só do número de acessos, mas, em como perco-me, muitas vezes, num texto e perco a idéia central, preocupada demais com o leitor. Quando começo um texto, penso neles, sempre. E talvez toda a minha mediocridade como escritora venha disso: penso muito no leitor e me perco. Naquela coluna sobre o Einstein, pensei no Ram, um leitor contumaz. Não o conheço, apesar de, depois do episódio dessa primeira coluna em que pensei num leitor, fui saber do blog dele, e é como se o conhecesse. Então, imaginei que o Ram iria gostar de saber as fofocas de Princeton e de alguns gênios da física -lembro bem que tive este pensamento. Na coluna sobre o Agostinho, pensei no Marcelo, meu amor platônico, que conheci através de um comentário na coluna do Vinícius, quando eu disse uma frase sobre a afinidade das almas e etc. Tenho medo de escrever carolices e um outro Marcelo, o Zanzotti -meu leitor filósofo e motoqueiro- pensar, de novo, horrorizado, que me converti ao catolicismo. O Alessandro de Paula, o Fernando Lyra, as pessoas que sempre comentam e, mais ainda, as que ficam em silêncio, me perturbam quando escrevo.

Perturbam bem. Como uma certa Gaivota Azul que, uma vez, me tirou o sono. Ela deve ser uma mulher longilínea e azul, de dedos longos e a sua pele deve ser leitosa como a de Nicole Kidman -é, eu idealizo meus leitores. Dizia que tinha certos receios sobre escrever. Sei que pensar nela me tirou o sono. Não respondi: como eu poderia responder a alguém que escrevia daquele maneira num comentário de cinco linhas? Deus! Era demais para mim. Ela construiu uma noite rica de pensamentos aqui nessa cidadezinha do Sul, tão morta.

Deve ser um indício de genialidade estar pouco se lixando para o leitor. O Sagae não se importa se irão entender, e, te confesso, Sagae, aquele do Chesterton, eu não entendi bulhufas. Como não entendi Ulisses. Alguém aí entendeu Ulisses, do James Joyce? Ou foi somente eu? Não é possível, há algo errado comigo, não entendi uma só palavra, sou uma burra completa. O Joyce definitivamente estava se lixando para o leitor: era um gênio. Droga, e eu que queria tanto ser um gênio, não sou e a culpa é toda de vocês!

Mas, pode, jurem-me, pode mesmo ser verdade quando alguém diz que não se importa com o número de acessos ou com a vendagem do livro? Eu não posso acreditar. Devo ser uma prostituta, uma vendida, pois me importo, e tanto. E gosto quando chovem acessos. Fico decepcionada quando ninguém entendeu o que eu quis dizer, como na coluna sobre o livro Germinal, e lá vou eu, explicando por e-mail, à cada um que me escreve, xingando-me de todos os nomes feios possíveis -àqueles, eu aviso: sou amoral, podem xingar que não me ofendo, até mesmo penso ser a moral o estandarte dos bobos, mas, esta é outra história. Voltemos às vendas: não tenho idéia de quanto Ulisses vendeu na época, mas deve ter sido um nada. Pensemos em Balzac. Balzac viveu da escrita, como uma prostituta feliz e gorda, dona de três grandes cabarés na velhice, uma Pilar Ternera. Quem terminou mendigando como bêbado?

Ah, que me seja dada a escolha e serei a puta gorda e feliz. Podem aguardar todas as baixarias possíveis de mim. Alguém que não conseguiu ler Ulisses só pode mesmo enfiar o pé na jaca. Inclusive escrever "inclusive". Inclusive um livro engraçadinho, estilo "auto-ajuda", para ensinar as mães a falarem a verdade sobre o mondo cane para seus filhos, como, por exemplo, que disciplina é fazer algo detestável, forçadamente, durante duas horas diárias. E respeito, a arte de dissimular o pensamento real -e escabroso- com palavras doces como "é para já, senhor!".

Nada de sovas para o LEM
Descobri, que para ser um sucesso de vendas, é preciso ter sido uma criança mal-educada. Vejam o Luis Eduardo Matta. Quando o Luis Eduardo Matta era pequeno costumava interromper os saraus literários de seus pais na sala, onde a intelligentsia recitava Ulisses, entre baforadas de charuto, gritando: "Agatha Christie é mesmo boa!". As senhoras horrorizavam-se. Diziam à mãe do LEM que o "urgia no menino uma boa sova", e, um dia, quase que elas mesmas a deram quando o LEM, garoto e de pijamas, interrompeu o declamação de Camões que o Desembargador Mascarenhas fazia, mostrando, obscenamente, a capa de um exemplar de O Dia do Chacal, de Frederick Forsyth à todos os presentes. Mas, a mãe do LEM, vocês sabem, mãe tem coração mole e ela não bateu nele.

O LEM continuou falando palavras ofensivas aos senhores dos saraus literários e cresceu assim mesmo. Li dele, há duas semanas, Ira Implacável. Lembrei-me do Forsyth todo o tempo, o LEM tem o mesmo timing dos livros desse autor, que adoro. De um lugar para outro do mundo em segundos, num thriller de suspense e terrorismo que me prendeu até o final inimaginável. Cheguei a perguntar ao autor se ele estivera em todos aqueles lugares do globo, tão perfeita era a descrição deles. E mais, ainda aprendi um monte de coisas sobre a ONU, a Otan e o Oriente-Médio que nunca me haviam passado pela cabeça saber. A falta de surras do LEM funcionou porque, ontem, fui comprar um outro exemplar do Ira Implacável, este para fazer um presente, e, em pelo menos uma das três livrarias citadas no site do autor, o livro estava com a edição esgotada.

Há duas semanas comecei a ler Ulisses. Juro que eu tentei, tentei com muita disposição. Eu realmente queria ser como eles. Não deu, fui ler Luis Eduardo Matta, que me divertiu e me fez esquecer que existem pessoas que recitam Ulisses e olham superiores para mim, um ser humano menor, afinal, não li Ulisses. Ah, que me perdoem os gênios intocáveis, que me perdoe a intelligentsia, que me perdoem os que leram Ulisses e entenderam, que me perdoem os que estão pouco se lixando para o leitor, mas, as prostitutas que se perfumam e maquiam para o amante são mesmo deliciosas.

Aliás
Virei a casaca, fiz um blog. Sei que é tarde, mas eu tinha preguiça e pensava, vocês sabem, em parar de escrever. Agora meus detratores podem comemorar, logo, logo, suplicarei por comments, como cabe a todo blogueiro decadente. Sempre acreditei na máxima "em Roma, faça como os romanos".

Andréa Trompczynski
São Mateus do Sul, 6/7/2005

 

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