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Quinta-feira, 28/7/2005
Se o Lula falasse inglês...
Andréa Trompczynski

Tudo seria diferente se o Lula falasse inglês. Que atire o primeiro pote de barro quem discordar de que não passamos de, como dizia Assis Chateaubriand, uns índios botocudos. Digo isso porque, nos últimos dias, hospedei um amigo de educação britânica e, por muitas vezes, quis enfiar minha cabeça num cesto.

Também morei numa cidade de colonização britânica por um certo tempo, e percebi que o aprendizado da língua inglesa é bem mais que apenas um idioma. É uma questão de educação, polidez e respeito ao próximo. No início, a rudeza tende a gritar contra o excesso de boas-maneiras e saímos a defender nosso país. Depois, a britanidade vence. A maneira como eles se importam se você está ou não apreciando seu chá não é uma superficialidade, eles realmente estão se importando com isso. Aquele círculo de individualidade que aprendemos nas aulas de inglês, que não se deve invadir, cerca de um metro, torna um abraço algo de um valor inestimável. Há coisas engraçadas na língua, como os adultos entarem sempre indo up em tudo: wake up, get up, e as crianças, forçadamente, tendo que irem down: slow down, calm down, sit down.

E se não fazem certas coisas que por aqui andam fazendo, é por elegância e respeito ao próximo, palavras que, para alguns, nada significam. A polidez, como o nome diz, é, sim, superficial, mas, como hábito, ela se torna uma característica profunda da personalidade e quando eles lhe perguntarem se você está apreciando seu dia, creia, eles desejam realmente saber.

Se o Lula falasse inglês e tivesse assimilado um pouco da cultura britânica, teria me poupado uma grande vergonha. Meu amigo aqui estava quando o Lula apareceu numa entrevista ao Fantástico. "Este é o seu Presidente?", ele perguntou. Baixei os olhos, dizendo que sim, aquele era meu presidente. Ele poupou-me, sem dúvida, dos comentários, mas nem foi necessário dizer que Lula se sentava como se estivesse num churrasco com amigos na laje de sua casa. Gesticulava por demais para um Presidente da República. Depois, no mesmo programa, Lula apareceu falando em português para uma platéia de língua inglesa. Vexame, o presidente de uma nação continental não falava inglês. Por sorte, meu amigo não entendia tão bem o português para perceber os deslizes de nosso presidente até mesmo na língua pátria.

Antes do programa terminar, tentei diminuir o problema e contar a ele a história de tempos áureos onde tivemos um presidente sociólogo, que perguntava, antes de discursar, fosse aonde fosse: "em que língua quereis que vos fale?", mas, começara a reportagem sobre o dinheiro dentro das cuecas e malas e pensei que ele não iria mesmo acreditar.

Fui para a rede dormir, sem ao menos tirar a tinta de beterraba do corpo.

Um livro esplêndido
Pequeno Dicionário de Percevejos, coletânea dos melhores contos de Nelson de Oliveira, tem somente um defeito: poderia ser mais resistente. Porque eu o apertei em muitos momentos, acariciei sua capa, andei com ele pela rua junto ao coração, por isso, ele está a se desmanchar um pouco. Nelson, artesão e musicista da palavra, não é um homem, é vento, como o menino-vento que foi no conto "Éramos Todos Bandoleiros". Tem que se ler em voz alta, como os loucos.

"Literatura é morder o próprio rabo - em público. E há senhores que fazem isso há tanto tempo - às favas o pudor! - que já passaram a embolsar, sem enrubescer, altas somas de dinheiro pelo espetáculo. Literatura é pão e circo - instante em que o grotesco deixa de ser obsceno." (Nelson de Oliveira)

Um livro péssimo
Alguns tradutores deveriam ser banidos: "Algumas redes rasgadas secavam ao sol", em O Enigma Maria Madalena, de Gerald Messadié, tradução de Maria Helena Kühner, fez-me lembrar de de "o rato roeu a roupa do rei de Roma". "Três homens calafetavam um barco com nafta", lembrou-me outra dessas brincadeiras de infância. Mas, cada livro tem o tradutor que merece. Este conta a história de um Jesus que não morreu na cruz, ficou curando as feridas, protegido e escondido por todos e viveu até a velhice. Prefiro a Bíblia. Ou, se é para criar histórias sobre Jesus, leio O Código da Vinci.

Inglês Enrolation
Num comercial de cerveja, o rapaz se depara com uma linda loira americana e seu cérebro procura palavras em inglês para poder flertar com a garota. Obviamente, não encontra e decide pela língua "enrolation". Descobri que a "enrolation" não é uma opção preguiçosa apenas do rapaz. Os empregados das companhias aéreas têm um inglês sofrível, e, pelo que tenho visto, a maioria das pessoas está como a personagem do filme Terminal.


Ainda sobre o filme Terminal
Vemos a Krakhovia explodindo e nem sequer sentimos vergonha. Dizemos, orgulhosos: "oh, é a nossa casa, as praias são lindas. E tem carnaval e futebol." Quanto a mim, volto em breve para aquela linda cidade de colonização britânica. Sem levar nenhuma saudades da Krakhovia a explodir. Este país é carnaval e futebol.

Andréa Trompczynski
São Mateus do Sul, 28/7/2005

 

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