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Sexta-feira, 5/8/2005
Minha formatura
Eduardo Carvalho

Eu acabei me formando - depois de cinco anos e meio na faculdade - três vezes: uma formatura espiritual, com os amigos que entraram no curso comigo; outra prática, quando eu estava, apesar de ainda ligado à faculdade, praticamente formado; e a última, teórica, em que GV finalmente reconheceu que eu merecia estar em outro lugar. Tenho quatro camisetas de formatura. Nenhuma delas foi completa. A festa da formatura espiritual foi naturalmente a melhor. O fato de estar praticamente formado acelerou bastante minhas outras atividades, porque liberou tempo para eu me dedicar a elas. E a formatura teórica formalizou meu desligamento definitivo do ambiente universitário, pelo menos por enquanto e como estudante. O normal é que as pessoas concentrem essas três formaturas em uma só: depois de quatro anos do vestibular, com uma classe e em uma festa. Eu preferi diluir essa emoção. E pensei que a sensação de estar formado, para mim, seria menor em cada um desses momentos. Não foi.

E percebi isso com clareza quando vesti a toga e subi no palco para buscar meu canudo. A sensação não foi a de que aquela era uma formatura teórica. Ao contrário. Foi a conclusão do meu curso de graduação e, além disso, do meu processo de formatura: que já estava durando mais de um ano. Senti a emoção de um formando - em vez de dividida por três - elevada ao cubo. Foi uma realização e um alívio. E foi, sobretudo, um momento para repensar e relembrar o meu curso. E uma época da minha vida que - se não foi a melhor - acho pelo menos que aproveitei da melhor forma que pude. Hoje, não me sinto frustrado nem incompleto por nada que deixei de fazer. E se fiz menos uma coisa do que outra, se estudei mais um assunto em vez de outro, se me dediquei mais a uma atividade do que a outra, estou confortável em saber que experimentei o máximo que pude. Não há nada mais a fazer.

O começo do curso de Administração de Empresas foi, em vários sentidos, decepcionante. Achei as matérias e os professores, em geral, desconectados com o que acontecia fora do ambiente acadêmico. E isso mesmo em Administração da Produção, por exemplo. Parecia que faltava alguma coisa. E não era, decididamente, o que nos foi apresentado em Filosofia, Psicologia, Sociologia, e outros assuntos parecidos que só me entediaram. Era uma época em que eu estava absorvido - e disso me lembro bem - por temas como Ética. Eu me lembro de, numa ocasião, explicar para a classe a diferença entre a pegada de Kant e de Santo Agostinho; entre as Virtudes Cardinais e Teologais; sabia buscar a origem etimológica da palavra ética e conseguia detonar argumentos relativistas dos professores mais arrogantes. Não sei se estava certo nem se sei responder isso agora. Mas eram temas que me interessavam - e são muito mais atuais do que um sistema de controle de estoque japonês hoje em desuso.

Eu não acho que li muito durante a faculdade. Deveria ter lido mais, talvez. Ou começado antes. Mas combinei esse interesse por temas de filosofia com literatura - a literatura pura. E me convenci de que os romances são a expressão artística mais completa e mais influente. Huxley, Conrad, Twain, Exupéry e Proust ampliaram minhas perspectivas, espirituais e geográficas, até um ponto que não imagino ser possível alcançar de outra forma. Foi um momento em que Álvaro Lins também me apresentou impressões inéditas, sobre livros e personagens. Era muito mesquinho alternar esse tipo de estudo com Sistemas e Métodos num modelo atrasado, ensinado de forma arrastada. Busquei alternativas. Montei com amigos um grupo de discussão sobre política, que se reunia sistematicamente com professores e organizou seminários bacanas. Escrevi algumas edições de uma coluna literária para o jornal da faculdade. Nunca fui, porém, de viver no DA: preferia sempre, por exemplo, ir ao clube ou ao cinema à tarde. Adorava voltar sexta-feira para casa à pé, andando pela Paulista, num dia azul, comprar a Gazeta Mercantil, pelo "Caderno de Fim de Semana", e assistir a um lançamento no Espaço Unibanco ou no Cinsesc - depois de ler todas as resenhas sobre o filme.

Acho que vivi os melhores momentos da faculdade longe dela. No cinema, no clube, em casa - ou na casa de amigos e namoradas. Em Juneau, Havana, Pipa, Winnipeg, Varsóvia, Araguaína, Brugges. Viajei todas as férias, para vários lugares, em vários estilos e com várias intenções. Foi sensacional, por exemplo, com 19 anos, rodar por dois meses o Brasil de carro, por 12 mil quilômetros, como eu fiz nas férias com um amigo. Contei sempre com o apoio dos meus pais. É bom ser responsável. Certas experiências não se repetem mais: o roteiro pode ser o mesmo, mas a curiosidade e a disposição - maiores ou menores - são outras. E a viagem acaba sendo diferente. Fiz todas que consegui.

Eu escrevi, na na minha apresentação, que já quis ser marinheiro, tenista, fazendeiro, etc. Uma coisa não exclui necessariamente a outra. Hoje, avalio minha experiência na faculdade como extremamente positiva. Considerei seriamente estudar Direito ou Economia. Comecei a estudar História. Acho que acertei em escolher Administração. O curso - apesar de todas as falhas - me ofereceu uma formação prática que provavelmente eu não encontraria em outro ambiente. A GV me treinou a pensar racionalmente sobre assuntos diferentes. É importante entender como uma empresa funciona, porque - sem forçar muito - praticamente tudo que a gente consome é produzido por uma delas: de cinema a passagens de avião. É muito importante entender o que é VPL, IRR, margem de EBITDA, eficiência operacional, etc. - até porque vários conceitos de Marketing e Finanças ilustram precisamente situações que acontecem fora da empresa. Você reclama menos do mundo - que, em grande parte, é controlado por empresas mesmo - quando começa a entendê-lo. E pode até aproveitar a vida melhor também.

Muita gente tem preconceito contra o aluno de Administração e, mais ainda, da GV. Às vezes, o estereótipo coincide com a realidade: alguns alunos são malas mesmo, deslumbrados com o mundo corporativo, e adquirem hábitos e jargões de ambientes fechados, limitados, que imaginam ser os lugares mais interessantes e sofisticados do mundo. E nunca vão descobrir belezas mais sutis, que não têm capital aberto nem geram caixa. Só que essas são as exceções. Acho que a maioria das pessoas - a maioria das pessoas com quem convivi, pelo menos - também está interessada em temas que passam longe do cotidiano empresarial: da coleção de gravuras modernistas ao cultivo de abelhas exóticas. Não foi difícil, num ambiente assim, eu também encontrar o meu lugar.

Eduardo Carvalho
São Paulo, 5/8/2005

 

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