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Quinta-feira, 25/8/2005
Blogues: uma (não tão) breve história (I)
Ram Rajagopal

"A computer lets you make more mistakes faster than any invention in human history with the possible exceptions of handguns and tequila."
Mitch Ratliffe para Technology Review

Se você está lendo este ensaio provavelmente já visitou, pretende visitar ou visitará um blog. Um site popular de buscas semânticas da internet cataloga para cada definição para jornal, três definições para blog. Um blog pode ser de um simples diário, um espaço para apresentação de idéias mal acabadas ou uma coleção de links comentados. Minha definição preferida foi dada por um blogueiro conhecido, Alexandre Inagaki em "Blogo, logo existo". O abrasileiramento da palavra blog que aparece aqui e ali é blogue; na verdade, trata-se da tradução oficial da palavra blog do francês.

Os blogues hoje são motivo de polêmica, pois se oferecem como alternativas a mídias tradicionais de comunicação como um jornal, uma revista ou até um livro. Discussões ferozes sobre os méritos dos blogues e seus autores, os blogueiros, suscitam longos artigos que delineam os conflitos entre esta nova mídia e as existentes. Mas será que o blogue se contrapõe a mídias tradicionais ou é somente uma evolução das mesmas? Qual o futuro dos blogues? Será que blogues são financeiramente viáveis? Respostas para estas perguntas residem em parte em saber de onde vêm os blogues. O que se encontra no DNA de um blogue? Entender um pouco do DNA da tecnologia blog, dos movimentos de bits e bytes que levaram a sua origem, sugere também quais os caminhos que os blogues podem seguir e para onde o seu DNA pode evoluir.

A evolução de espécies que resultou no surgimento dos blogues aconteceu em ritmo acelerado. Um blogue tem um pouco de tudo que aconteceu no mundo da informação e ciência nos últimos 40 anos. Os blogues têm a ver com coisas tão disparatadas quanto física de partículas, aluguel de apartamentos e comprar um livro com um clique do mouse. E, ao mesmo tempo, os blogues têm muito a ver com a minha geração de pessoas. Crescemos juntos. Sou provavelmente da primeira geração que já nasceu num mundo onde existiam computadores pessoais, que cresceu com a internet, e que começou a ver o teclado e o mouse como sendo tão naturais quanto uma caneta e um pedaço de papel. Uma geração que sempre viu viajar com a maior naturalidade, e que aprendeu até a fazer amigos através de seqüências de zeros e uns. E trocou o diário com capa de couro, e os fanzines amadores, por um blogue. E ainda coloca uma catraca eletrônica para descobrir quantos incautos leram o diário... Talvez por tudo isso, sejamos também a primeira geração que irá encontrar e enfrentar os mesmos conflitos que os blogues encontram e enfrentam.

O blogue não é somente uma tecnologia. Pode ter começado como uma, mas criou novas maneiras de comunicar e dividir idéias e informações. O blogue está sendo também um agente transformador da linguagem, e, aos poucos, da cultura popular. Da mesma maneira, o DNA do blogue é composto por idéias que encontraram sua manifestação no universo da tecnologia, das ferramentas. O homem evolui esteticamente e intelectualmente incorporando e criando novas ferramentas para sua busca por conhecimento. Muitas vezes, a própria ferramenta se torna o agente da forma de pensar e criar. É importante, então, descobrir quais as teias de idéias que levaram ao surgimento da ferramenta. Quais conceitos, imagens e necessidades resultaram no agente transformador. É com esta premissa que escrevi este ensaio.

Mas onde começa a história dos blogues?

Andréa Trompzyncski diz que os homens das cavernas já blogavam com seus desenhos em tinta vermelha. Daniela Sandler cita os journaux, os diários publicados, como exemplo de blogue do Século XVIII. Eu acrescento que os seguidores de Jesus já blogavam e com comentários, gravando e compartilhando suas experiências com o Filho de Deus, e os filósofos indianos escreviam em folhas de palmeira pequenos sonetos sobre eventos observados no dia aos quais atribuíam profundo significado espiritual. Não seriam os cantores de cordel nordestinos blogueiros em potencial? Mas, em todos estes casos, um componente essencial do blogue não está presente: o acesso ao público no pressionar de um botão. Por isso, minha história dos blogues começa em um outro lugar....

O provável primeiro blogue elétrico e a rede humana

O ano é 1848, e um pequeno grupo de pessoas representando jornais de Nova York que competiam intensamente entre si discutem a criação de uma cooperativa para unir esforços para conseguir as últimas notícias da Europa. Estava criada a Associated Press. Dois anos depois, na Inglaterra, uma organização com a missão de distribuir notícias dentro da Europa o mais rápido possível era fundada, a Reuters.

As tecnologias usadas na época para angariar notícias eram eficientes pombos correios - só a Reuters tinha 200 escritórios espalhados pelos continentes. As notícias transcontinentais chegavam por navio, e réporteres da Reuters e da Associated Press utilizavam a rede humana-elétrica para enviar as informações para os diferentes escritórios atingindo as várias regiões dos continentes.

O provável primeiro blogue elétrico surge um século mais tarde, quando em 1951 a AP lança o primeiro circuito de teletipos operado por uma agência de notícias. "A cópia das notícias eram editadas no escritório da AP, e posteriormente perfuradas em fitas de papel para serem lidas pelas máquinas de teletipo. A máquina de teletipo enviava as histórias a uma taxa de 53 palavras por minuto, para as plantas dos jornais. O tipo era automaticamente preparado e a notícia estava pronta para ser impressa e distribuída".

A existência de agências de notícias capazes de enviar informações rapidamente começa a ter sua influência na linguagem escrita. Frases mais curtas, objetivas e menos calculadas, escritas para satisfazer a necessidade de se enviar a informação o mais rápido possível. Os leitores começam a ser incutidos com a mentalidade de ter a informação o mais rápido possível, já que, no mercado financeiro e na política, a informação representava dinheiro e poder.

"Information is the resolution of uncertainty."
Claude Shannon

O desenvolvimento de comunicações e agenciamento de notícias induz a uma dúvida natural: o que é informação? Saber o que é informação e como representá-la é o primeiro passo para comunicar informações eficientemente. Em 1948, para modelar a transmissão de linguagem através do telégrafo, Claude Shannon criou e definiu o conceito de bit. O bit foi uma revolução na maneira como pensamos sobre informação. Foi a primeira vez que a idéia de informação pôde ser quantificada.

Em seu trabalho revolucionário, Shannon apresenta o conceito de complexidade de informação; a idéia de compressão de informação e linguagem; uma forma de quantificar a complexidade e redundância de um texto; sugere uma análise sistemática de formas eficientes de comunicação e a perda de confiabilidade que acontece quando nos comunicamos. As idéias de Shannon vieram a formar as peças centrais para o desenvolvimento de vídeo em tempo real pela internet e da telefonia celular e por satélite. Ao mesmo tempo, praticamente criaram a área de análise quantitativa de linguagem e estilos literários. Ou seja, o bit revolucionou não só a tecnologia, como também a estética e a linguagem.

Nesta viagem de pouco mais de um século, de 1848 a 1952, o primeiro blogue aparece; e, ao mesmo tempo, começam a surgir as primeiras noções formais da idéia de informação, conteúdo e comunicação. Estas idéias formam hoje a base central do que entendemos por internet. É incrível como idéias tecnológicas aparentemente inofensivas, como o telégrafo, que nada mais é que uma versão elétrica da brincadeira do telefone de fio, podem fundamentar toda uma revolução em como comunicamos e pensamos.

Mas uma segunda revolução, a ser trazida pelos computadores e suas redes, vai mudar ainda mais a maneira como nos relacionamos com informação e linguagem. Outra vez uma tecnologia, construída para tornar mais eficiente e confortável como se vivia, irá mudar a nossa maneira de ser, pensar e viver. E é sobre os primeiros passos desta revolução e como ela afetou o universo dos blogues que eu tratarei na seqüência...

Nota do Autor
Esta série é dedicada a todo o pessoal do Digestivo Cultural (e em especial ao Julio Daio Borges, Editor do site) que está definitivamente ajudando a mudar o status quo do jornalismo cultural no Brasil.

Nota do Editor
Ram Rajagopal, engenheiro de sistemas e doutorando em engenharia eletrônica na Universidade da Califórnia, Berkeley, escreve também no blog Cataplum.

Ram Rajagopal
Nova York, 25/8/2005

 

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