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Sexta-feira, 26/8/2005
Lula, PT, essas coisas...
Julio Daio Borges

Ultimamente, as pessoas têm me pedido uma opinião sobre o que está acontecendo ao Lula e ao PT. Dizem que eu tenho de me manifestar, que é minha obrigação, etc.

Pessoalmente, desconfio um pouco dessas ondas humanas. Tanto as de adesão quanto as de combate. Quando muita gente se aglomera numa direção, eu olho e acho tudo muito estranho.

Quando eu era mais jovem e surgia uma briga dentro do meu grupo, contra outro grupo de fora, os amigos me cobravam porque eu não aderia ao quebra-pau incondicionalmente. Se todo mundo estava batendo, eu tinha também de bater; se todo mundo estava apanhando, eu também tinha de apanhar.

Isso tudo nunca fez muito sentido pra mim. Eu sempre preferi pensar com a minha própria cabeça; e isso me custou caro, algumas vezes, eu tenho consciência.

Enfim, é o que sou.

Então quando as patrulhas ideológicas insistem em me procurar, para que eu me posicione, tendo a oferecer certa resistência. Prefiro parar e pensar sobre...

Foi assim em 2002. Eu acho que o melhor que eu consegui fazer naquele texto meu sobre a eleição presidencial de 2002 foi registrar meu espanto diante de um fenômeno que - hoje vemos - era pura propaganda. Eu, para variar, fiquei estarrecido com a maneira fanática como, de repente, todo mundo era pró-PT e pró-Lula, principalmente quem nunca foi. Claro que havia petistas e lulistas históricos, mas sem esses adesistas de ocasião - eles sabem -, eles jamais teriam ganhado a eleição.

Era uma época em que eu escrevia de véspera e soltei o texto precisamente na última hora, no último fim de semana, e os comentários explodiram desde então. Quem vinha metendo o pau no Lula, com bastante sucesso, era o Alexandre Soares Silva, mas quando eu - o Editor do site - me posicionei, foi uma avalanche. Lembro de um Comentário que falava em "decepção", era de alguém com quem eu vinha me correspondendo há meses, era alguém que comentava meus Digestivos, esse Comentário me incomodou - outros, não. Muitos aderindo (a mim); a maioria, claro, não. Apaguei vários.

Foi programa para todo o fim de semana: antes, durante e depois da eleição. E eu, que inicialmente tentei responder racionalmente, no final estava me apoiando no Nélson Rodrigues, que tinha frases ótimas sobre a esquerda e os esquerdistas, quando estes estavam no auge (eu não me comparo ao Nélson nem de longe mas, por esse episódio, tive um gostinho do que deveria ser a realidade do nosso polemista e dramaturgo-mor). Alguns flashes me marcaram.

O Alberto Beuttenmüller, na reunião subseqüente do Digestivo, veio dizer que, diante da enxurrada de Comentários, o site tinha cumprido a sua função - havíamos chacoalhado a opinião pública (pelo menos, a virtual) e havíamos mobilizado as pessoas. Na outra direção, um Colunista me ligou para me chamar de "reacionário" e "conservador" (olha o Nélson aí de novo) e para dizer, definitivamente, que eu estava errado, pois... "a esperança... havia vencido... o medo" (ele gaguejou um pouco). Era o slogan do Duda Mendonça. Eu não assistia televisão mas reconheci a "programação" até no meu Colunista, que, até então - até onde eu sabia -, não era nenhum idiota. Depois dessa constatação, percebi que estava mesmo cercado.

Não insisti no combate. O Lula havia ganhado; não adiantava mais.

Também porque aquele texto ocupou um lugar meio estranho nas minhas Colunas. Eu sempre soube que não entendia nada de política e meu comentário se apoiava apenas em alguns nexos lógicos (ou na falta deles). Um sujeito sem experiência... não poderia governar. Um presidente não poderia ser - mais uma vez -... um salvador da pátria. Uma adesão irracional e fanática... não poderia dar em boa coisa. E assim por diante. Eu não lia política, eu não conhecia - além do básico - a trajetória do PT e do Lula, eu não tinha formação em resumo. Em tese, eu nem poderia palpitar. Não deveria mas quis. Achei que seria emocionante. Foi.

Mas eu nunca quis transformar o Digestivo num palanque. Nosso negócio sempre foi cultura e assim deveria continuar. Jornalista cultural que se mete a falar sobre política geralmente fala bobagem. Mesmo o Diogo Mainardi. (Ou principalmente o Diogo Mainardi.) Mesmo o Paulo Francis, que - segundo o Daniel Piza - reconhecia, no fim da vida, ter perdido muito tempo com política e que ficava mais famoso por seus julgamentos estéticos (no terreno da política), como quando deu a favor do Collor porque ele era "alto", "branco", essas coisas...

Me incomodava também o fato de o Digestivo, nesse momento, ser identificado com uma certa ala jovem mais à direita, dentro da internet, etc. Claro que trazia mais audiência; claro que trazia mais Comentários - mas se eu quisesse montar um site sobre política, não montaria um site com esse nome; e tentaria discutir política a sério, e não fazer essa bandalheira. Fora que é preciso ter um estômago que eu penso que não tenho. Freqüentemente me decepciono com o meio cultural - recentemente são conhecidas as minhas diatribes contra os jornalistas e os escritores contemporâneos -, mas o assunto "cultura" me interessa como um todo, apesar das pessoas. Já a política nem como assunto me balança (e as pessoas são aquela decepção que todo mundo sabe).

Assim, eu passei muitos anos longe do assunto política. Podia, como o Diogo Mainardi, ficar acompanhando os deslizes do Lula, e de seus assessores, mas, como disse, não teria estômago. Acho que foi uma boa opção. Leguei coisas mais interessantes à posteridade. Quando for reunir o Digestivo em livro, haverá uma taxa de aproveitamento consideravelmente maior, porque assuntos "políticos" ficaram de fora.

Agora, querem saber se eu achava que ia dar no que deu, se eu achava que o governo Lula seria um desastre, se os culpados têm de ser punidos, se eu sou a favor do impeachment, se devemos convocar eleições antecipadas, se os réus têm de ser condenados em praça pública, essas coisas...

Lógico que eu não previa essa hecatombe. O máximo de previsão que eu consegui acertar foi que os eleitores do Lula se arrependeriam tanto quando os eleitores do Collor (na verdade, eu acho que até mais...). Eu imaginava que não iria funcionar, mas nunca que o esquema PT seria maior que (ou tão grande quanto - ei, eu não tenho provas...) o esquema PC. Para o meu ponto de vista, os petistas se revelaram até mais engenhosos (estou falando no mau sentido, tá?).

E óbvio que os culpados têm de ser punidos, mas não sei se o impeachment é a solução. "Não deu certo, então troca" - não acho que a política é uma brincadeira, em que você elege, se arrepende e depois pede pra voltar atrás. Não tem "undo". O engraçado é que os que votaram, agora, são os mais exaltados no sentido de "des-votar": deram seu voto de confiança quase três anos atrás, agora querem tirar. Eu não votei no Lula em 2002 mas respeito a decisão da maioria que votou (embora essa mesma maioria não a respeite mais), e acho que faz parte do jogo esperar até a próxima rodada. Eu sou um bom perdedor. "Ganhei" no final das contas, mas aceito a decisão tomada em outubro/novembro de 2002.

Ironicamente, a maior riqueza de todo este episódio, a meu ver, está no fato de as pessoas acompanharem, diariamente, os desdobramentos do escândalo pelos jornais, pela internet, pelo rádio, pela televisão. Eu mesmo nunca li tanto o primeiro caderno, sobre política, nunca ouvi tanto a CBN, nunca recebi tantos e-mails sobre o governo e nunca respondi a tantas mensagens sobre o assunto. Deveria ser sempre assim. Era esse o nível de atenção, para com a nossa classe política, que se deveria exigir da sociedade. É essa a vivência política que falta à minha geração, e que ganhamos mesmo quando falamos (e espalhamos) bobagens pelo ar.

Particularmente, não acredito em mobilização (pelos motivos expostos logo no início desta crônica-da-morte-anunciada). Desconfio sempre, até porque - soube há pouco - a primeira manifestação foi "a favor" (!?).

No dia famoso dos caras-pintadas (atenção: eu sou dessa geração), eu saí da faculdade e vi uma certa movimentação de uns ônibus, um pessoal indo pra Paulista, era um programa como outro qualquer, era como fazer "pedágio" em dia de "trote" (eu era calouro), não tinha nada de mais. Depois transformaram naquela "grande mobilização". Numa festa, no outro fim de semana, um sujeito contava rindo que havia encontrado uma ex-namorada, em meio à celebração dos cara-pintada, e que eles (ele e ela) haviam "ficado" de novo, e que ele não conseguia se concentrar na transa, só pensava no jogo do São Paulo, a menina lá, o jogo do São Paulo rolando, e a falta de concentração, e os cara-pintada... Uma confusão. Um carnaval em Salvador.

Por isso, agora, quando eu olho em volta, e vejo todo mundo pulando (em cima do PT e do Lula), não sinto nenhuma emoção, sinto, pelo contrário, um tédio profundo, é só mais um ano - igual a tantos outros... - no País do Carnaval em Salvador.

Julio Daio Borges
São Paulo, 26/8/2005

 

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