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Terça-feira, 23/8/2005
Uma literatura entre crimes e cães
Luis Eduardo Matta


Rodrigo Capella em foto de Anselmo Gomes

É sempre bom conhecer novos escritores e travar contato com os seus trabalhos. Afinal de contas, a Literatura, como uma manifestação artística em constante movimento, precisa se renovar de quando em quando, desbravar novos caminhos, abrir horizontes e assumir o seu caráter múltiplo e gregário. Volta e meia, reservo uma tarde para percorrer livrarias e garimpar, em meio aos lançamentos, títulos de novos escritores brasileiros. Não raro, o garimpo é infrutífero, pois, infelizmente, muitos escritores não conseguem transpor os obstáculos impostos pelas casas editoriais e seus textos acabam circunscritos à esfera virtual, isso quando não permanecem ocultos na solidão do fundo de alguma gaveta, à espera de uma oportunidade que, muitas vezes, nunca chega.

Lançar-se e consolidar-se como escritor num lugar como o Brasil é uma tarefa dura, que exige uma dedicação fora do comum por parte dos aspirantes ao ofício. Não chego ao ponto de afirmar, como fez o meu querido amigo, colega e Editor aqui do Digestivo Cultural, Julio Daio Borges, neste belo artigo recentemente publicado, que "não existe pote de ouro no fim do arco-íris dos escritores", mas é inegável que, na intimidade dos lares e dos círculos sociais, a atividade literária é desencorajada, quando não condenada. Imagino que um pai zeloso nunca irá aconselhar o seu filho a ser escritor profissional. Do mesmo modo, a leitura - por ser ainda uma atividade bastante estigmatizada dentro das salas de aula, em função da equivocada metodologia de ensino de Literatura nas escolas que, via de regra, afasta os alunos dos livros para o resto da vida -, acaba não adquirindo prestígio no seio maior da sociedade, tornando-se quase um exercício de resistência por parte de uma minoria. Tudo, no Brasil, parece conspirar para desencorajar os vocacionados ao ofício da escrita e forçá-los a desistir ou, numa hipótese mais amiga, a encarar a criação literária como mero hobby - o que, em geral, não costuma produzir resultados consistentes.

Pensei muito nisso quando fui apresentado aos livros de Rodrigo Capella e tomei conhecimento do seu trabalho como autor. Com três títulos publicados, Capella, aparentemente, soube enfrentar os obstáculos que se interpuseram no seu caminho, contornando-os, a fim de dar vida à sua produção literária. De algum modo, ele conseguiu abstrair as orientações que a nossa sociedade, imediatista, narcisista e mercantilizada, se empenha em nos impor diariamente, traçando o seu próprio rumo e trilhando-o, na medida do possível. Ele vem conquistando vitórias num terreno onde muitos desistem ou fracassam. Isso, por si só, já torna o seu trabalho digno de aplauso e reconhecimento.

Nascido na cidade de São Paulo, em 1981, Rodrigo Capella estreou na Literatura, em 1997, aos 17 anos, com Enigmas e Passaportes, livro policial protagonizado pelo renomado detetive Kall, personagem que retorna, agora, no recém-publicado Transroca - O Navio Proibido (Editora Zouk; 112 páginas; 2005). Nesta obra, Kall e sua mulher, Amanda, embarcam num navio, o Transroca, para um sonhado cruzeiro de lua-de-mel. Durante a viagem ocorre um assassinato, cuja investigação, é claro, cai nas mãos de Kall que vê, assim, o seu descanso ser subitamente interrompido.

Afirmando escrever uma Literatura diversificada, guiada pelo leitor e destinada, igualmente, a crianças, adolescentes e adultos, Rodrigo Capella aponta, entre as suas principais influências, Agatha Christie: "pela ousadia e pelas histórias sempre criativas" e Sir Arthur Conan Doyle: "pela inteligência ao criar e dar vida a Sherlock Holmes". Transroca - O Navio Proibido tem a orelha assinada pelo cineasta e roteirista Ricardo Zimmer, diretor de O Exército de Um Homem Só - adaptação do livro homônimo de Moacyr Scliar - o que pode sugerir uma perspectiva cinematográfica para a obra, cuja ambientação num navio é bastante sugestiva. O clima de mistério deflagrado pelo assassinato do biólogo Gláucio, que transforma todos os passageiros e tripulantes em suspeitos, talvez tenha sido inspirado no célebre Assassinato no Expresso do Oriente da já mencionada Agatha Christie. Com Transroca, a ainda incipiente narrativa policial nacional dá mais alguns passos, quem sabe, rumo à consolidação de uma corrente de escritores dedicada firmemente ao gênero, ao contrário do que ocorre hoje, em que os livros policiais nacionais, em sua maioria e descontados uns quatro ou cinco escritores, não passam de iniciativas isoladas e diletantes de pretensos autores que, não raro, empacam no primeiro título publicado.

De qualquer forma, Rodrigo Capella foi além da ficção policial e buscou no universo canino a necessária inspiração para escrever um bem bolado compêndio de cinqüenta dicas para os amantes de animais, intitulado Como Mimar Seu Cão (Editora Zouk; 72 páginas; 2005). Não sei se por coincidência ou por acaso, o texto da orelha deste livro também é assinado por um cineasta, no caso, Carlos Reichenbach, diretor de filmes como Dois Córregos e Garotas do ABC. Para compor Como Mimar Seu Cão, Capella baseou-se no relacionamento dele e de seus familiares com o mini-yorkshire Brutus; relacionamento este que transformou a percepção de Capella em relação aos cães e, por conseguinte, a sua própria perspectiva pessoal. Eu compreendo perfeitamente o impulso dele em escrever este livro. Também tenho um cachorrinho, um poodle, que veio morar em minha casa aos dois meses de idade e, hoje, está em vias de completar dezessete anos. Todo esse tempo em que convivi com ele, aprendi muitas coisas. Um animal doméstico pode, sim, mudar uma pessoa, desde que esta tenha sensibilidade para entregar-se a um convívio sadio e descomplicado. O único problema, a meu juízo, é o tempo de vida de cães e gatos, muito curto. O animal vive pouco e choramos sua perda, muitas vezes, como se fosse alguém da família. Tive uma gata de estimação chamada Chaminga que viveu dezoito anos e faleceu há cinco. Embora eu soubesse que ela havia cumprido seu período normal de vida, embora eu tivesse absoluta consciência de que um gato, por mais saudável que seja, jamais viverá oitenta, noventa anos como muitos seres-humanos, sua morte me abriu um enorme vazio - compensado com o nascimento do meu primeiro sobrinho, no mesmo mês. Sei que o mesmo acontecerá com o meu cãozinho daqui a algum tempo - não sei se meses ou anos - e esta perspectiva, confesso, não me agrada nem um pouco. A leitura de Como Mimar Seu Cão me trouxe a lembrança o convívio muito próximo que, desde criança, sempre tive com os animais, um convívio quase de cumplicidade. É uma leitura muito interessante para aqueles que têm animais domésticos ou gostariam de ter e bem poderia estar à venda em todas as pet shops do Brasil.

E Rodrigo Capella não pretende parar por aí. Ainda neste ano de 2005, provavelmente na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ele deverá lançar mais um livro, Rir e Chorar: O Cinema Sentimental, uma biografia sobre o cineasta Ricardo Pinto e Silva, que trabalhou em mais de vinte filmes. A obra integra a Coleção Aplauso, coordenada pelo crítico de cinema Rubens Ewald Filho. Enquanto esse livro não vem, os leitores podem conferir Como Mimar Seu Cão e Transroca - O Navio Proibido já à disposição do público nas livrarias de todo Brasil. Além disso, Rodrigo Capella mantém um website, que convido a todos a visitar desde já. É a novíssima Literatura brasileira mostrando mais uma das suas faces.

Para ir além





Luis Eduardo Matta
Rio de Janeiro, 23/8/2005

 

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