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Segunda-feira, 3/10/2005
A vida, os escândalos e a vida sem escândalos
Marcelo Maroldi

Hoje, até a pessoa mais ignorante em esporte deste país está ciente do "escândalo do apito" (aliás, não sei pra que essa prática da mídia em dar nomes aos escândalos!). Infelizmente - ou não - os escândalos fazem parte das nossas vidas e, portanto, esse é somente mais um deles. É mensalão, mensalinho, marido que bate na mulher, atriz que trai o namorado, político que se assume homossexual, filho que usa droga, ator que vende droga, vizinho que sonega imposto, temos de tudo... Sendo, assim, eventos, digamos, cotidianos, não deveríamos ficar tão perplexos quando esse tipo de coisa ocorre, afinal, uma hora ou outra isso vai acontecer, nas melhores famílias inclusive. Mas, por que ocupar minha Coluna aqui para falar de uma coisa dessas? Os escândalos sempre mostram as partes ruins das pessoas (é por isso que se chama escândalo, a propósito), nunca o contrário (não seria escandaloso descobrir que seu vizinho mantém sozinho uma instituição de caridade, por exemplo?), e rir da desgraça alheia é inerente ao ser humano. Somos os únicos animais que tiram sarro de nós mesmos, e massageamos nosso ego vendo nosso pares metidos em encrencas, fofocas e picuinhas. O escândalo é legal...quando não é conosco!

Embora o futebol ocupe papel de destaque na vida social e cultural brasileira, geralmente pessoas intelectualizadas não gostam de admitir que perdem seu tempo com isto. Preferem fingir que estavam lendo Kant e ouvindo música clássica nesses dias. Os intelectuais geralmente têm vergonha de assumir que vêem novelas ou assistem futebol. Entre estas pessoas, certamente não se fala sobre o "escândalo do apito", afinal, discutir sobre futebol não é como discutir filosofia, ou política, ou teatro russo. Mas eu entendo que deveriam fazê-lo. E o faço agora através de algumas considerações.

Em primeiro lugar, devemos lembrar que somos vítimas da era da informação. Há 500 anos, os escândalos não ultrapassavam as fronteiras do vilarejo, da nação, ou o que seja. E, depois, morria naturalmente, como nascera. Hoje, se o seu ex-namorado contar no blog dele que você não toma banho, o escândalo está formado. E é justamente aí que o ser humano ávido por escândalos entra. Um português que nem sabe onde fica o Brasil pode se interessar pela história, repassá-la e dormir contente por ter contribuído para te desmoralizar. E, ainda argumentaria: "ora pois, ela não toma banho! Que culpa tenho eu?" Ele realmente não teria culpa de você não tomar banho, só de ser um ser humano que se importa com esse tipo de informação, para ele, inútil. A primeira culpa é da tecnologia...ela (telefone, e-mail, internet, blogs...) espalha e perpetua a informação. Qualquer uma. A culpa é da grande oferta da informação disponibilizada maciçamente pela tecnologia.

Em segundo lugar, o ser humano, que nesse exato momento dispõe de bilhões e bilhões de informações interessantes a sua disposição, prefere se ocupar com futilidade. Dá menos dor de cabeça fofocar do que entender Platão. São milhares de livros que jamais serão lidos, bilhões de páginas na internet com praticamente todo o conhecimento humano que nunca serão visitadas, etc. No auge da era do conhecimento, nos tornamos carentes de informações fúteis e idiotas. No ponto mais alto da evolução do homem, perdemos nosso tempo discutindo a vida da Paris Hilton, sua performance sexual disponível na internet e que cor de roupa ela usa para agradar o namorado. Não é de se estranhar que buscas como "Britney Spears" são as campeãs nos sites de busca em todo o mundo. Nossa vida se torna cada vez mais fútil quando nos aproximamos de informação fútil (ou é o contrário?), que é o que mais tem e o que mais buscamos hoje. O modo como vivemos nos incita a procurar esse tipo de informação. A segunda culpa é da nossa sociedade e do nosso modo de viver... Eu me preocupo com coisas tolas, porque sou um tolo. E a informação é altamente disponibilizada, como descrevi no parágrafo anterior, logo, serei um tolo que acessa informação tola. E muita.

Ok, alguns escândalos não são informações fúteis, é verdade. É importante saber do mensalão, esse escândalo não é proibido se interessar. Há tipos e tipos de escândalos, e deveriam os sábios desse mundo criar uma escala-escândalo para resolver o problema. Dessa forma, olhando a escala-escândalo saberíamos quanta atenção dar a cada um deles. Se me interesso mais pela foto da calcinha da Luana Piovani, vejo este escândalo. Se prefiro o escândalo dos padres pedófilos, é outra classificação e outra escala. Escândalos políticos outra, e assim por diante. Pouparia tempo, inclusive. Afinal, todas as pessoas com quem converso não têm tempo! Eu não sei o que essa gente tanto faz que não tem tempo pra nada! Imaginem se Einstein, Sócrates ou Bach não tivessem tempo...

Em terceiro lugar, precisamos assumir que temos curiosidades e, também, inveja (além de vários outros sentimentos, como ódio) dos demais membros da nossa espécie. É por isso alguns escândalos aparentemente desinteressantes para você tornam-se para mim interessantes. Deve estar na minha alma, ou no meu DNA, como quiser, e no meu cérebro esse filtro. Para mim, o fato do Pelé não assumir a filha bastarda dele não me importa muito, mas, para um fã (ou inimigo) dele, talvez sim. A informação precisa ser analisada de acordo com seu contexto (e potencial de estrago!) e de quem a obtém, e sua avaliação à margem disso pode enfraquecê-la e minimizá-la, tornando-a descartável para alguns.

Em quarto lugar, como citado antes, alguns escandalos não são meramente fofocas. Eu, cidadão, preciso saber se os políticos que dirigem meu país cometem deslizes éticos. Se meu presidente pinta o cabelo ou não é problema unicamente dele, mas, se ele compra votos, é diferente. Ele dirige o país onde vivo e um escândalo dele me afeta diretamente.

Em quinto e último lugar, não podemos levar tudo a ferro-e-fogo todo o tempo. Se você viver apenas lendo filosofia, ouvindo música clássica e escrevendo teses de doutorado, você vai ter uma vida muito triste. Não, não é porque eu penso que quem faz isso precisa se divertir, não é isso! É que quanto mais as pessoas levam a vida a sério, mais elas sofrem. Já ouviu dizer que a ignorância é uma benção? Isso é a mais pura verdade... É por isso que os pensadores são sempre retratados como aqueles velhos barbudos, corcundas, com cara de sofrimento. Pensar dói, leitor...Às vezes, é necessário ler a respeito da calcinha da Luana Piovani, para desestressar...e para se sentir parte de uma sociedade que é assim e não qual você vive.

Voltando ao escândalo do apito, eu me permito dizer que esse é um escândalo que eu gosto e que me interessa. Como é que fazem uma sacanagem dessa com a massa que acompanha futebol? Puxa, você vai lá ver uma disputa e não tem disputa... é um jogo que não se disputa, só se joga. Roubam, além do dinheiro de quem paga o ingresso, o sorriso do torcedor, a alegria do torcedor, a vida do torcedor. O sujeito - e eles existem e são muitos nesse país - deixa de comprar bife para o jantar para ir ver o jogo de seu time e ele não sabe que está sendo enganado, passado pra trás, um verdadeiro palhaço.

Particularmente, não me sinto uma palhaço por ter sido enganado. Já deixei de levar o esporte a sério há algum tempo. Para mim, é só diversão. Mas, o que realmente me incomoda é essa capacidade que o homem tem de passar os outros para trás, de querer levar vantagem de tudo, de roubar, de mentir, de matar, por dinheiro, por status, por poder, por mulher... E, isso é generalizado. Meses atrás, aconteceu na Alemanha um escândalo do apito também! De onde vem essa capacidade singular de fazer besteira que possui o ser humano? O meu desânimo é generalizado e irrestrito. Todo mundo sempre, sempre, leva (ou tenta levar) vantagem em tudo. No fundo, os grandes escândalos, como o mensalão, só são uma instância maior do que nós fazemos no nosso dia-a-dia. Eles só estão potencializando nossa capacidade de levar pequenas vantagens sobre os outros e de obter pequenos privilégios. Se você estaciona o carro onde não pode estacionar, se declara menos IR, se dá um jeito de não ficar na fila da balada você é um corrupto, e com potencial de crescer. Ora, claro que estacionar em lugar proibido e causar desconforto no transito não é a mesma coisa que manipular resultados de partidas de futebol profissional, são coisas distintas, é verdade, o que não é distinto é seu executor. A corrupção é uma característica do ser humano, que alguns utilizam com maestria, enquanto outros a reprimem limitados apenas e unicamente por leis sociais e éticas antes estabelecidas. Mas, o consolidado e famoso "jeitinho brasileiro" - esse eufemismo que inventaram pra justificar certas atitudes não exatamente gloriosas - tem que parar. Ele abre espaço para desenvolvimento de falhas de caráter, uma pré-escola para corruptos profissionais. Chega de levar vantagem em tudo. Chega de escândalos.

Marcelo Maroldi
São Carlos, 3/10/2005

 

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