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Quarta-feira, 2/11/2005
Os dez mais e os cinco menos da internet
Ram Rajagopal

Faz pouco mais de 10 anos que a internet está no Brasil. A internet não é uma pessoa, nem mesmo um único programa. É uma rede de computadores e informações, um conceito, que mesmo sem entender direito, todos aceitamos. Outro dia, uma querida amiga me perguntava onde podemos encontrar todos os arquivos da internet. Quando expliquei que não existe um único lugar, uma única pessoa, nem mesmo uma única empresa que tem isso, ela ficou estupefata. Pois é, ninguém é dono da internet, e como uma linda mulher independente, ela faz o que quer, e no caminho vai arrastando multidões. Uma espécie de Sophia Loren dos computadores e da comunicação.

Pois é, e a Sofia, para abrasileirar um pouco, está completando seu aniversário indo de vento em popa. Para comemorar, os editores do Digestivo decidiram jogar o tema no ar: o que você pensa sobre os dez anos de carreira desta moça? Como eu sou fã, dependente, fascinado e praticamente casado com ela, fica difícil apresentar um ponto de vista neutro. Lembrando de uma frase de uma época mais distante, por trás de todo sucesso de um grande homem, há uma grande mulher. Neste caso, a Sofia vem ser a grande mulher por trás do sucesso de muitos homens e mulheres desta década extra-oficial (1995-2005) que passou. Particularmente, foi nitidamente determinante para a minha própria vida e carreira. Estou com ela já há dez anos, e o primeiro contato foi numa linda estação solar (Sun Sparc X), num prompt de Unix da UFRJ.

Como todo homem casado, posso escolher as dez melhores coisas de se estar casado, e as cinco piores. Todo mundo sabe que se fosse dez a dez, é quase hora do divórcio, e como sou completamente apaixonado por Sofia, além de desavergonhadamente dependente dela, vou ficar no dez a cinco. Pois seguem então as dez melhores coisas que a Sofia me trouxe, e as cinco não tão boas coisas (para a patroa não ficar zangada evitei usar aqui a palavra pior).

Os dez mais

* Você já deve ter ouvido aquela música do Cidade Negra que diz que com o pensamento, "eu ganho o mundo sem sair do lugar". Troque pensamento por internet, ou por internet mais pensamento, e voilà. Pois é, a internet me faz viajar o mundo inteiro, virtualmente, que nem agora há pouco quando estava visitando uma parte das cordilheiras do Himalaia, ouvindo Buena Vista Social Club na rádio on-line. E o mais importante, me fez viajar ainda mais no mundo de verdade. Acompanhado de Sofia, eu consigo descobrir dicas de hotéis em lugares pouco visitados, passagens ultrabaratas para os quatro cantos do globo, fazer reservas e o proverbial contato com as pessoas nos lugares que eu quero ir.

* Não fosse por ela, nem sei como iria viver longe da minha família e dos meus amigos no Brasil. Com o Skype ou o MSN posso falar sempre com meus pais e com minha irmã, e trocar figurinhas com meus amigos no Rio e no Texas. Posso até me dar ao luxo de ter conversas longas, aquele artigo de luxo aqui nos Estados Unidos. Posso pedir à minha avó lá em Madras para me ensinar como se faz o Pongal, acompanhar tudo com uma receita da web, e depois entrar em contato com o monge do templo para organizar as bodas dos meus pais. E ah, sim, quantas vezes já não fui a algum lugar porque um amigo aparece no MSN e diz, pô cara você tem que passar por aqui neste feriadão. Foi assim que conheci Montreal, Eindhoven, Bangalore, Novo México, Recife e um tanto de outros lugares lindos.

* Minha vida acadêmica deve quase tudo a Sofia. Foi através dela que entrei em contato com os professores para vir para cá, e através dela que acesso com facilidade 90% das notas de aula, artigos científicos, dados e programas que uso nos meus projetos. Ela também me permite manter o meu péssimo hábito de assistir poucas aulas. Só vou quando quero ou preciso mesmo ir. Senão, baixo o famigerado reader (notas) no site do curso, um e-mail aqui e ali, e pego as listas que tenho que fazer, e tiro as dúvidas ao vivo com o professor ou por e-mail com o assistente de ensino. Com o tempo livre, fico lendo livros, estilo Guthenberg mesmo, ou atazanando amigos daqui de Berkeley pelo MSN para ir tomar um café na esquina.

* Ainda bem que a Sofia não é ciumenta. Quase todo mundo que eu conheço já saiu com alguém que conheceu pela internet seja num chat, no Orkut, no Facebook, ou em um site como o Almas Gêmeas. O que todo mundo dizia ser atividade de gente sem noção, se tornou uma das maneiras usuais de se conhecer um par romântico. Acho que é a falta de tempo, o corre-corre, e o infinito de alternativas que fazem as pessoas se reencontrarem pouco. Daí, a importância desses sites. Para mim, particularmente, a Sofia me trouxe o que está sendo um grande amor. Incrível encontrar alguém tão especial quando procurava informações sobre como e onde ficar em Bonito, MS. Eu tenho muitos amigos que já se casaram por causa da Sofia. Nada daquelas estórias nerds de cinema, não. É mais simples e prático. Conheceram alguém no Brasil, tiveram que voltar, mantiveram contato pela rede e deu em casamento. Em outras vezes, foi como no cinema mesmo.

* Voltei a amar escrever por causa da Sofia. Primeiro foi uma lista entre amigos, chamada Estertores da Razão, cujas crias mais famosas são o LEM e o Rafael Lima. A lista de e-mails foi o jeito que encontramos de manter vivos os nossos papos de bar e discussões. Com o tempo, e falta de tempo do pessoal, a lista virou blog. E blog em grupo deu lugar aos blogs individuais, como o Cataplum! e o Na Cara do Gol. Não fosse a internet, provavelmente já teria esquecido como escrever em português. Uma benção, diz o São Bits de Bytes. E uma praga, para meus detratores e leitores, que desde então convivem com piadas sem muita graça, textos longos e um monte de vontade minha de escrever.

* O e-mail virou uma parte tão grande de mim quanto falar. Quantos projetos já não foram entregues no horário combinado só por causa do e-mail? Quantas amizades eu não mantive simplesmente porque com o apertar do botão posso mandar um feliz aniversário ou perguntar o que aconteceu no fim de semana? O e-mail também é responsável pela minha ida a muitas festas, almoços e jantares. Além de muitas reuniões com meu orientador.

* Sofia sabe tudo de direções. Sem ela, não iria visitar metade das pessoas que visito. Elas moram em bairros com ruas pequenas e difíceis de chegar. E as pessoas aqui nos EUA não sabem direito como dar direções. Imaginar navegar pela cidade sem Google Maps ou Mapquest ficou impossível. E agora, não posso nem mais dar aquela desculpa de que me perdi no caminho. Se há um caminho, há um clique de botão que te leva a ele.

* A internet abriu um mundo de conhecimento e informações para mim. Acompanho o noticiário brasileiro exclusivamente pela internet. Fico sabendo das últimas de cultura pelos sites do Digestivo ou de um The New York Times. Leio críticas de filmes on-line, blogs e aprendo mais sobre meus interesses espirituais. Nunca foi tão fácil verificar se algo é fabricado. Nunca foi tão difícil saber quando devemos suspeitar que algo é fabricado. Por outro lado, viva a Sofia por abrir as portas da percepção!

* Na minha estante de livros importantes que vão comigo para onde eu for, eu tenho uns 200 volumes. Mais de 100 deles foram comprados on-line. Mais da metade dos meus CDs foram comprados on-line, e alguns até foram por recomendação da Amazon ou de um blog. Pela internet, descobri meu ascendente, meu numerário judaico e toda sorte de badaluques, como, por exemplo, meus homônimos científicos. Quando me canso disso, fico vendo fotos, vídeos, flash animations e outros mata-tempo que substituíram de certa forma a televisão. Ah, sim, e a internet acabou com a multa por atraso na entrega de DVDs (ufa!).

* Sofia me permitiu colaborar remotamente em vários projetos. Um deles está sendo escrever uma série para o Digestivo sobre blogs. Outro foi poder trabalhar para minha empresa, estendendo minha estadia no Rio. E mais outro foi escrever um artigo sobre probabilidade em árvores. E mais outro ainda foi organizar um workshop sobre meditação no Rio de Janeiro. E digo mais, quase todo mundo que conheço uma hora ou outra já colaborou remotamente. C'est fantastique, Sofie!

Minha predileção por textos longos e completos, me deixou sem muito espaço para as cinco menos coisas. Talvez seja algo positivo, pois nunca é bom ficar falando mal da patroa. Então lhes deixo, sucintamente, como uma mensagem SMS texto na internet wireless, as cinco piores coisas.

Os cinco menos

* Responder a muitos e-mails. Quem já não passou por isso? No meu caso, porque gosto de arquivar as mensagens, e em geral, detesto deletar alguma coisa, a minha caixa postal sofre de grotesca explosão populacional (o do trabalho tem cerca de 3000 mensagens). Recebo por dia mais de 50 e-mails. Respondo, ou tenho tempo de responder, menos de 10.

* Overdose de informação ou a síndrome do "tudo o que você pensa, alguém já pensou antes". Pois é, a internet pode ser um verdadeiro ego buster. Mas, aprenda a superar isso e a seguir adiante. Pois tudo que você já pensou alguém já pensou antes, mas para aquele alguém, provavelmente o teorema é válido. Mas ele pensou assim mesmo. Que confusão...

* Spam. Spam me lembra bombril. Queria ter um Bombril para esfregar nos produtores de Spam e removê-los da minha caixa postal. Ato um tanto quanto violento. Mas saibam que já perdi ingressos grátis para o Kirov por causa de spam.

* Obsessão por produtividade. Todo mundo sabe que hoje é impossível ser improdutivo. Quer dizer, ninguém deixa. Se você é improdutivo, seu chefe já lhe indica um website com dez dicas de produtividade. Se você terminou uma tarefa, seu e-mail tem dez outras. Senão, você vai on-line, olha um site aqui, outro ali, e uma idéia se forma. Não é a toa que estamos nos tornando uma sociedade que sofre de ADD generalizada.

* Tempo de ócio. Com Sofia, o ócio é mais difícil. Mas eu deixo ela em casa, junto com meu celular, e vou passear num parque aqui perto ou dar uma volta no quarteirão. Faz um bem danado.

Nota do Editor
Ram Rajagopal, engenheiro de sistemas e doutorando em engenharia eletrônica na Universidade da Califórnia, Berkeley, escreve também no blog Cataplum!.

Ram Rajagopal
Berkeley, 2/11/2005

 

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