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Sexta-feira, 11/11/2005
Causos e coisas da internet
Daniela Castilho

Eu tenho um velho caso de amor com a cidade de São Carlos. Comecei a ir para aquela cidade em 1991, quando uma amiga passou no vestibular da UFSCar. Passei quatro anos indo para lá, final de semana sim, outro sim. Na época, eu já trabalhava como designer gráfica e como autora e produtora de cursos para Ensino a Distância - que, como vocês podem adivinhar, eram impressos, vendidos em bancas de jornal, com professores tirando dúvidas dos alunos por carta, via correio, sim, com selo, envelope... (Alguém aí lendo se recorda dessas cousas? Elas ainda existem). Logo depois, comecei a trabalhar com cinema e vídeo, como designer. Em ambas as áreas, o meu maior diferencial era saber usar muito bem Macs e softwares gráficos, como o Adobe Photoshop 1.2 ou o Aldus Freehand ou ainda o QuarkXpress 1.0 - rapaz, e aquilo era "o bicho" em tecnologia. Em vídeo, editávamos usando o Toaster do Amiga - alguém aí lembra do selo "Amigos do Amiga", que muita gente usava em carros, pastas, etc.? - ou ilhas em beta, a última palavra em tecnologia. Claro, a Casablanca Finish, que é mais chique, usava já o Avid em estações Silicon.

Em 1995, um grande amigo meu, Arnaldo, de São Carlos, me chamou na sala da casa dele e falou "vou te mostrar uma coisa". Ligou o computador, digitou linhas no prompt do DOS e acionou uma traquitana barulhenta que rangeu e rangeu e conectou - segundo ele me disse, rindo de satisfação da minha cara de estranheza. Daí, abriu um software chamado Netscape Gold. Digitou umas coisas na barra daquilo e uma tela branca escrito "Yahoo" apareceu. "Que diabos é isso?", eu perguntei; "Internet", ele respondeu, sorrindo. Tinha GIFs animados. Coloridos.

Dali para eu largar tudo que andava fazendo e ir trabalhar com ele demorou uns dois filmes e poucos meses. Ele estava abrindo um dos primeiros provedores de acesso comerciais do Brasil - existe até hoje, a famosa Linkway, de São Carlos - e eu fui trabalhar com ele. Ele dizia que internet era a minha cara, multimídia, dinâmica, tecnológica.

Minha primeira página pessoal foi na Geocities, recém-fundada. Eu tinha um e-mail [email protected] (que, obviamente, não existe mais). Foi nessa época que inventei o nick DaniCast, porque era um nome que nunca dava problema no momento de registrar, era bastante único para eu usar nos canais do IRC, como usuário em sites, etc. O servidor era Apache, em Workstation Solaris.

Comecei a fazer sites e muitas outras coisas nessa época. Foi através do link rápido do servidor do meu amigo Arnaldo que eu baixei o videoclip do NIN "Perfect Drug". Tinha uns 12 megas e levou quase dois dias para baixar. Conectávamos num modem de 14.400, usando Trumpet, um software que mais dava pane que funcionava. Eu lia e-mail no Pine, direto no prompt do Unix. Escrevia HTML em bloco de notas, mas logo depois saiu um software bacaninha chamado Hot Dog Pro, que facilitava muito a vida. E, acreditem ou não, o Frontpage da Microsoft já fez queixos caírem, quando foi lançado em 1997. Era WYSIWYG!!!!!! (What You See Is What You Get). O sonho de quem ama diagramar.

Meu primeiro flash - tenho aqui em back-up! - foi feito com Flash 1.5 (acho eu, ou 2.0) para uma campanha maluca que meu amigo Arnaldo inventou para tentar ajudar a libertar um país chamado Timor Leste, do qual eu nunca tinha ouvido falar. Isso foi em 1996.

Alguns anos depois (em 1998 ou 1999), um outro amigo meu, o Michel Lentz, inventou que todos nós, que estávamos então trabalhando com multimídia a pleno vapor, deveríamos montar uma associação. Chamava-se PROMIT - Associação dos Profissionais de Mídia Interativa. Michel era grande fã de Real Audio, um dos primeiros softwares de streaming áudio e vídeo da internet - que era um verdadeiro horror, com as imagens soluçantes e o áudio que parava de dois em dois minutos para fazer buffering.

Mas eu fui sentir mesmo o que era a internet em 2000, quando comecei a fazer add-ons para The Sims. Em termos profissionais, era uma das poucas coisas que eu ainda não tinha feito - porque já tinha passado por revista, publicidade, cinema, vídeo, multimídia, internet, até VRML - participei de uma comunidade de criadores para VRML que existe até hoje, a CyberTown - mas faltava alguma coisa em games!

Comecei com um site bem modesto, fazendo umas coisinhas para colocar no jogo - papéis de parede, pisos e skins, que nada mais eram que bitmaps adaptados, depois objetos e finalmente, meshes - e coloquei on-line para dividir com outros jogadores que, como eu, achavam que faltavam umas coisinhas mais legais para temperar o jogo. Sabe onde isso foi parar, graças à internet? Eu criei mais de 600 objetos e 2000 skins e meshes em quase 3 anos, distribuídos em mais de 40 sites em 14 línguas. Recebia e-mails da Austrália, Rússia e Japão, de pessoas me dizendo como gostavam das minhas criações, como as coisinhas que eu fazia eram lindas e davam prazer a elas, em seus jogos. Mas eu senti a medida da minha fama virtual quando entrei uma vez no chat oficial dos desenvolvedores da Maxis americana (The Sims é da Eletronic Arts) e fui soterrada por uma avalanche de fãs virtuais. Rapaz, até os desenvolvedores do jogo sabiam quem era eu, sempre no meu nick DaniCast.

Em 2003, abri meu blog, o afamado Chá. Fiz amigos, tenho alguns visitantes ilustres que deixam comentários ilustres, uso meu site para fazer uma propaganda básica do meu trabalho. No começo desse ano, fui selecionada para a Bienal de Florença por pessoas que viram meu trabalho artístico numa galeria virtual. Também obtive meu atual trabalho de coordenadora da Educine através da internet.

Continuo apenas remediada, estou longe de ficar rica - embora existam muitas lendas sobre as PontoCom, tão poderosas a ponto de quebrar a Nasdaq em 2001 - mas tenho me divertido muito. Isso tudo é internet. E o mais bacana é que continua aí, cada vez mais acessível, cada vez mais espalhada. Feliz aniversário, Dona Internet.

Nota do Editor
Daniela Castilho é designer, diretora de arte e assina o blog MadTeaParty.

Daniela Castilho
São Paulo, 11/11/2005

 

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