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Quinta-feira, 3/11/2005
E você, quer casar?
Adriana Baggio

Depois de quatro anos, aqui estou eu, de novo, falando sobre casamentos no Digestivo. Da primeira vez, participei de uma cerimônia tão bela, tão simples, que me inspirei a refletir sobre o assunto. Fiquei contente porque o texto acabou contribuindo com as aspirações de uma moça casadoira, que tirou idéias para a decoração do seu casamento pela descrição que fiz aqui. Mesmo gostando bastante do ritual, de lá para cá fui apenas a outras duas cerimônias. Muito pouco, se considerarmos que eu e minhas amigas estamos por volta dos 30 anos e, teoricamente, bem na época de casar.

Essa realidade reflete o que dizem as estatísticas do IBGE. As pessoas casam cada vez menos e mais tarde. De 1991 para 2002, foram 4% a menos os casamentos realizados. No começo da década passada, as mulheres casavam por volta dos 23 anos. Hoje, estão esperando até os 26. Lá pelos 35, elas se divorciam. A maior participação no mercado de trabalho e a flexibilização das convenções sociais liberaram as mulheres para o divórcio, contribuindo para um aumento de 55,9% nos casamentos oficiais desfeitos em relação a 1991. No entanto, o matrimônio continua sendo um dos principais temas que a indústria cultural trabalha para o público feminino.

Parte desse público, formado por mulheres na faixa dos 30, parece ter sido "redescoberto". Elas não estão mais só em casa cuidando dos filhos, mas também se estressando no trabalho e ainda em busca de um companheiro para dividir e comemorar as novas conquistas. A indústria desistiu de oferecer livros de receitas e passou a vender revistas com guias de conquista e manutenção de relacionamentos e seriados de TV com pretensas abordagens dessa nova realidade. Apenas trocaram um estereótipo por outro.

Refletindo essa mulher atual, surgiram livros e filmes que contam histórias de moças inteligentes e irônicas que, no fundo, só querem mesmo é o tal do príncipe encantado. São títulos como Bridget Jones e Melancia, cujas capas lembram mais uma agenda de adolescente do que livros adultos. O que pensar de um volume com um visual assim e que ainda traz uma cinta promocional onde se faz referência a esses títulos?

No mínimo, que é mais do mesmo. Talvez o pessoal do marketing da Nova Fronteira tenha ficado com medo que Temporada de casamento (2004, 340 págs.) não vendesse por ser um pouco mais profundo que seus parentes do mesmo segmento. A cinta promocional nivela-o aos outros. Porém, ele é um pouco diferente.

O começo do livro de Darcy Cosper é um típico roteiro de sitcom americano: cheio de piadinhas. Os diálogos são repletos de tiradas engraçadinhas e os personagens não têm conversas de verdade. A profusão de descrições torna óbvio o que informa a orelha do livro: Temporada, o filme, já está em produção e terá Nicole Kidman no papel de Joy Silverman, a heroína da história. Só quero ver como resolver em imagens o momento em que a personagem passa a pensar mais do que falar. A certa altura, as tiradas dão lugar a reflexões e o leitor começa a entender os motivos de Joy para permanecer oficialmente solteira.

Sim, por incrível que pareça, ela não quer casar. Na verdade, Joy vive com o namorado, um verdadeiro sonho de consumo: alto, bonito, fotógrafo, rico, adora ela e ainda ajuda a fazer faxina no apartamento. Os dois se conheceram em um casamento e descobriram que tinham a mesma opinião sobre o ritual: hipócrita e dispensável. Porém, enquanto Gabe tem apenas restrições, Joy é radicalmente contra, a ponto de se tornar uma chata quando tem que enfrentar 17 cerimônias em seis meses.

É uma maratona de casamentos de todos os tipos, dos mais tradicionais, em igrejas chiques, aos hipermodernos, com transmissão via internet. Entre os nubentes estão amigos e familiares de Joy, incluindo sua mãe (terceiro casamento), seu pai (segundo casamento) e a estréia do irmão mais novo. Até a tia, uma mulher chiquérrima e profissionalmente bem-sucedida, acaba se rendendo ao matrimônio e abandonando Joy na sua convicção de que existem aquelas que não desejam casar.

No decorrer dos meses e das cerimônias, Gabe acaba pedindo Joy em casamento. Ela releva sua opinião anterior e aceita? Claro que sim. Quem quer perder um homem como Gabe? Mas a história não termina aí. Entre o noivado e o altar existe um longo caminho, que para Joy terá muitos obstáculos e lições de vida. Nesse momento do livro, o foco muda da irritação da personagem com os casamentos e passa a destacar suas refelxões sobre ética e princípios.

A esperança de que a indústria cultural talvez esteja vendo as "balzaquianas" de uma forma um pouco diferente está no desfecho não-previsível de Temporada de casamento. Outro exemplo desta tendência é Avassaladoras, de 2002, um filme bobinho em que Giovana Antonelli faz mais uma dessas indefectíveis mulheres bem-sucedidas de 30 anos em busca de marido. Apesar dos clichês, tem alguns pontos bem interessantes e um final que é feliz sem passar, necessariamente, pelo casamento.

Para ir além





Adriana Baggio
Curitiba, 3/11/2005

 

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