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Terça-feira, 15/11/2005
O descobrimento da internet
Gian Danton

A primeira vez em que ouvi falar em internet foi em 1995. Nessa época eu tinha acabado de entrar no mestrado da Universidade Metodista de São Paulo e um amigo me mostrou uma sala na biblioteca da universidade onde ficava um computador que pegava a tal internet. Havia apenas um professor que usava a sala, pois estava pesquisando sobre o Mercosul. O local era uma espécie de santuário onde só entravam escolhidos, que, através dela, poderiam ter acesso a todo um mundo mágico e incompreensível para nós, pobre mortais.

Nessa época, alguém que tinha acesso a essa internet pré-histórica conseguiu para mim uma entrevista do quadrinista inglês Alan Moore, em inglês, que foi de grande utilidade para minha dissertação de mestrado sobre Watchmen e a teoria do caos.

Mas eu só fui ver a internet na tela de um computador em 1997, quando visitei um amigo em Belém e ele me mostrou a novidade. Esse mesmo foi o que me convidou uma vez, no início da década de 90, para ver seu computador, na época em que a tela era um televisor e tudo que se ia fazer deveria ser antes programado. Depois de passar horas programando, quando ia finalmente mostrar o resultado de seu trabalho grandioso para nós, faltou energia e tudo que lhe restou foi ficar nos olhando com cara de bobo. Assim, quando ele disse que ia me mostrar a internet, pensei: "Lá vem outra maçada!". Ele entrou no site do Lulu Santos e mandou uma mensagem perguntando quando ele iria a Belém. Só não dormi por respeito.

Poucos meses depois, visitei amigos em Curitiba e eles me deixaram passear pela internet. Acessei o Cadê e digitei Alan Moore. Vieram todos os Alan e todos os Moore do mundo e pouca coisa tinha a ver com o que eu queria. Concluí que, ou eu era muito burro, ou aquilo tinha pouca utilidade para quem não conhecesse o caminho das pedras. Nessa época um amigo quadrinista, o Rovel - o primeiro cara a lançar um CD de quadrinhos no Brasil -, publicava meus textos em listas de discussão e me mandava os comentários do pessoal. Era muito estranho para mim aquelas páginas e páginas repletas de "Eh, naum, ateh" e eu podia apenas imaginar do que se tratava.

Em 1998, eu comecei a dar aulas, comprei um computador, mas não se sabia muito o que era possível fazer com ele. Minha mulher, que também era professora, reclamou quando eu peguei a mesa de estudos para colocar o novo utensílio doméstico: "Onde é que eu vou fazer minhas transparências?" Pouco tempo depois, ela descobriu que podia fazer transparência no Power Point e isso foi uma revolução pedagógica (algum tempo depois, ironia do destino, ela viria a fazer pós-graduação em Informática na Educação).

Aliás, foi minha esposa quem assistiu a uma palestra com um representante da UOL na qual ganhou um CD de instalação e veio toda feliz me mostrar a novidade. No mesmo dia, nós instalamos e ficamos viciados. Eu fiquei particularmente fascinado com a possibilidade de ler jornais e revistas na tela do computador. Para quem morava em Macapá, talvez a região mais isolada do país (e a única capital para a qual você não consegue viajar de carro ou ônibus), era como de um momento para outro descobrir o que estava acontecendo no mundo. A verdade não estava lá fora, estava na tela do computador.

A internet virou para nós um vício. Eu passava às vezes a madrugada inteira navegando, trocando e-mails, pesquisando, imprimindo. Era uma coisa meio desenfreada e até doentia. Eu ficava aguardando ansioso pela atualização de alguns sites, especialmente os que tinham como timoneiro o Nemo Nox, como o Esfera e o Pijama Selvagem. O Esfera era uma revista virtual, talvez a primeira a aparecer no Brasil, que se destacava por fugir do que normalmente se considera arte, dando espaço para assuntos como televisão e quadrinhos. Já o Pijama Selvagem era composto, basicamente, por crônicas humorísticas. Eu, de fã, virei colaborador. Um dia mandei um texto para o Nemo e ele publicou.

Quando percebi, já era colaborador tanto do Esfera quanto do Pijama. Hoje, nenhum dos dois sites existe mais. O Esfera foi substituído pelo Burburinho, que não parece ter a mesma magia do anterior. O Pijama não foi substituído por outro, e sobreviveu apenas na memória de quem o leu.

Em menos de um mês, a internet já deixara de ser um vício, mas continuou mostrando que ainda tinha algo de novo a oferecer. Certo dia encontrei a biblioteca Virtual Books e baixei um livro de contos de H.G. Wells. Não era ainda no Acrobat Reader, formato que praticamente dominou o mercado de livros virtual. Na época, era algo diferente, que rodava em uma página muito parecida com um livro. A idéia era imitar a leitura de um livro de papel, e, embora fosse interessante, não foi em frente. Como tinha vários textos produzidos para a editora Gaveta, comecei a enviar alguns para a Virtual Books, que publicou com prazer, pois, na época, eles praticamente não tinham autores novos. Quase todo o catálogo era composto de clássicos. Hoje, já me disseram que é difícil conseguir publicar pelo site, mas naquele tempo era fácil e a boa aceitação das obras abriu caminho para que eles publicassem praticamente tudo que saía da minha lavra. Até a minha dissertação de mestrado foi publicada e conquistou mais de sete mil leitores...

Então, um conhecido chamado Rafael Lima me indicou para ser colunista do Digestivo Cultural. Aliás, conhecido talvez seja forçar a barra, pois só trocamos até hoje dois ou três e-mails e nunca nos vimos pessoalmente.

Aliás, aí está um traço interessante da internet: parece que os espaços geográficos foram eliminados. Dia desses, um autor cuja obra foi resenhada por mim me mandou um e-mail elogiando a resenha e sugerindo que nos encontrássemos para tomar um café em algum lugar do centro de São Paulo. Quando expliquei a ele que moro em Macapá e que gastaria pelo menos uns 5 mil reais para ir tomar café no centro de Sampa, ele me respondeu abismado. Pensando bem, não é tanto que a internet tenha eliminado as distâncias geográficas. O que aconteceu foi que todo mundo que tem algum destaque na rede passou a ser visto como morador da região Sudeste...

Hoje, quando a internet parece entrar em uma nova fase, começo a perceber novamente o afastamento que sentia antes de entrar na rede. Em Macapá, ainda não existe internet rápida para pessoas físicas (para ser mais exato, existe, mas custa uma fortuna). Eu, com conexão discada, me sinto como as pessoas do século XIX cujas ruas eram iluminadas por lampiões quando esses vislumbravam as cidades movidas a eletricidade. Parece que estamos em mundos diferentes. Amigos que moram em outros locais me mandam mensagens com anexos pesadíssimos, que levam até meia hora para serem baixadas. Quando reclamo, eles respondem: "Pensei que estivesse leve. Só gastei alguns segundos para enviar...".

Aliás, se você gostar deste texto, por favor, não me mande nada mais pesado que 100 k. É que minha conexão ainda funciona a vapor...

Nota do Editor
Gian Danton assina o blog Idéias de Jeca-Tatu.

Gian Danton
São Paulo, 15/11/2005

 

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