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Terça-feira, 22/11/2005
O Afeto Autoritário de Renato Janine Ribeiro
Fabio Silvestre Cardoso

O professor Renato Janine Ribeiro é persona corriqueira na TV, tanto na aberta como na fechada (ou a cabo). A seu favor, pode-se dizer que, entre seus pares, é um dos poucos a encarar o debate político frente às câmeras em atrações como Globonews Painel, quando trata de política internacional e política doméstica, e também no Café Filosófico, da TV Cultura, no qual, se não me engano, já palestrou sobre Maquiavel, entre outros temas. Tais aparições não devem ser recebidas com descrédito, principalmente porque, hoje em dia, há uma longa fila de intelectuais que prefere o silêncio em vez da discussão. Nesse sentido, à primeira vista, a coletânea de textos reunida em O Afeto Autoritário (Ateliê Editorial, 2005, 215 págs.) seria leitura obrigatória a todos aqueles que pretendem analisar a TV sob uma perspectiva crítica e criteriosa de um pensador presente nas telas. Entretanto, não é isso o que acontece. Num texto impecável do ponto de vista retórico, Janine faz da TV um trampolim para suas interpretações políticas e/ou sociológicas, mas deixa de lado o objeto primeiro de sua análise.

O livro é dividido em três partes. A primeira traz os artigos escritos por Janine para o suplemento "Telejornal", d'O Estado de S.Paulo, entre 2000 e 2001. Em seguida, ainda sob o recorte da "imprensa", há alguns artigos escritos para a revista Bravo!. Por último, ainda há um longo ensaio, este mais acadêmico, em que Janine analisa a cultura e a democracia com foco na TV. Já nessa divisão nota-se, para o bem e para o mal, uma diferença na natureza dos artigos.

Na primeira seção, Janine se volta à crítica mais ligeira, quase como analista em tempo real, uma vez que seus textos são produzidos no calor da hora ou, mais apropriadamente, no momento em que os respectivos programas comentados estão no ar. Aqui, é patente como Janine tenta construir um raciocínio em seqüência, seja ao fazer referência às colunas anteriores publicadas no mesmo espaço (que, à época, ele dividia com Gabriel Priolli, em regime quinzenal), seja ao escrever artigos tratando os temas em série. Ao remeter às colunas anteriores, o autor não só era redundante e caía não só nos assuntos da moda, mas também referendava as opiniões da moda.

Exemplo disso é quando ele escreve que a Rede Globo tem como estratégia principal contratar as estrelas de outras emissoras para, então, congelá-los em horários pouco nobres. Ou que a mesma Rede Globo não conseguia interagir com o novo e que, por isso, o programa de Cazé, à época saído da MTV, não tinha dado certo. Já nos temas em série, o professor da USP repetia sempre a cantilena antiamericana, antiimperialista e anticapitalista ao abordar a relação entre Cultura e entretenimento da TV. Chega a ser até risível, tendo em vista os acontecimentos nos subúrbios de Paris, a maneira como ele se dispõe a relacionar os europeus, os franceses em especial, a uma certa tolerância "à preservação das culturas nacionais, regionais, locais". Não é isso que as notícias e os debates acerca da Constituição da União Européia mostram. As folhas do jornal não perdoam nem mesmo os filósofos.

A propósito, no que se refere aos artigos selecionados da revista Bravo!, há mais consistência naquilo que Janine escreve. Talvez a razão seja o fato de Janine poder dissertar sem a necessidade de arrematar tão logo o artigo por falta de espaço, sem mencionar que os temas na revista eram um pouco mais perenes do que no jornal. Entretanto, mesmo nesses artigos Janine prefere esconder seus argumentos por trás da polarização extremista direita/esquerda. Para o autor, direita e esquerda concordam em criticar a superexposição da sexualidade na TV: mas enquanto a direita faz isso porque acha que falar de sexo é um mal, a esquerda, sempre progressista, enxerga que o problema jaz justamente em não trazer o debate à tona.

Em verdade, essa não é a única vez em que ele traz o debate político para a esfera televisiva. É possível afirmar, com efeito, que a raiz de suas teses reside na sociologia e na ciência política. É com esse olhar estrangeiro que ele determina a qualidade (ou a falta) de alguns programas. Ao refletir sobre o comportamento dos telejornais, por exemplo, Janine escreve que os noticiários da TV passam mal na prova de ética. Quem lê um pouco dos argumentos do autor, logo observa que, se os telejornais não passam nessa prova, é mais porque o professor - no caso, o próprio Janine - faz uma prova absolutamente subjetiva, e com base em critérios particulares para analisar um universo efêmero por excelência.

Na última parte, o autor dedica um longo espaço para a reflexão do papel do Estado em relação à televisão. Em outras palavras, Janine ataca o fato de o Poder público estar ausente na, digamos, organização dos meios de comunicação. Se o leitor acompanhou esta resenha com atenção, logo percebe que este argumento estava ensaiado em outro artigo, lá atrás. Constata-se, assim, que o autor possui as mesmas idéias fixas que serviriam, a um só tempo, à inovação, ao aprimoramento da ética, à regulação da TV e a melhora da qualidade da programação, sempre tendo como pedra fundamental a perspectiva ideológica. Se a TV é, de fato, um espaço público, conforme sugerem os adeptos da Escola de Frankfurt, Renato Janine Ribeiro utiliza a crítica como trincheira de batalha.

Em contrapartida, ao longo do livro são poucas as vezes em que o autor se propõe a observar e a analisar a linguagem televisiva (câmera e edição), tendo como base de comparação a dinâmica européia ou norte-americana. Quando ele decide falar da estética do videoclipe, falta-lhe parâmetro para fazer um comentário sólido, sobram-lhe os achismos; do mesmo modo ocorre quando ele decide analisar a minissérie Os Maias, levada ao ar em 2001 por Luiz Fernando Carvalho. Nesta última, por sinal, ele repete os mesmos chavões dos bem-pensantes: "vejo Os Maias, e pergunto porque essa linda série, certamente um dos pontos altos da TV este ano, não emplaca como deveria". Em vez de tentar explicar o "fracasso de audiência" (coloco as aspas porque a média de audiência da minissérie foi de 22 pontos, acima de todos os outros concorrentes no mesmo horário naquela época), ele poderia ter se debruçado um pouco no aspecto técnico, um dos grandes destaques daquela atração, por sinal.

Em que pese a dedicação, o estilo e o método empreendidos pelo autor, O Afeto Autoritário peca justamente naquilo que identifica como fator preponderante na influência de corações e mentes de telespectadores Brasil afora. Ao acusar o autoritarismo na TV, Janine reputa que sua interpretação do fenômeno televisivo estaria correta porque ele, e mais ninguém, vê como e por que a TV oprime a maioria (basicamente, porque não é regulada pelo Estado, e está nas mãos do mercado, refletindo uma tendência americana que é, por extensão, imperialista). Contudo, é preciso observar que ele mesmo pode exercer, ainda que sem querer, um olhar autoritário em relação à TV.

Para ir além





Fabio Silvestre Cardoso
São Paulo, 22/11/2005

 

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