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Quarta-feira, 23/11/2005
No início, era o telex
Vitor Nuzzi

Telex? Quem aí se lembra? Pois durante dois anos fui funcionário público - concursado, por favor - e meu cargo era agente legislativo de telecomunicações. O nome, bonito, disfarçava a função, que era a de operador de telex. Era uma máquina imensa, mais ou menos parecida com uma máquina de escrever, mas com teclado bem maior. Quando você escrevia, gravava uma fitinha perfurada, que ia se movimentando ao lado. Você podia também deixar textos gravados na tal fitinha, em caso de repetição de mensagens. Quando acaba de transmitir, apertava uma tecla que fazia soar um sininho no aparelho para onde você estava transmitindo. Era momento de escrever: "CRV CLG?". Traduzindo do telexês para o português, significava "como recebe você, colega?" Aí o colega operador dava o ok, a mensagem tinha sido bem recebida, a tarefa estava feita.

Toda essa longa introdução me pareceu necessária para dar conta da mudança de patamar em tão pouco tempo. Operei telex de 1987 a 1989. Menos de 20 anos atrás. Para ser aprovado no concurso tive de fazer prova de datilografia. O teste foi no Instituto Brasileiro de Mecanografia, no centro de São Paulo. Será que alguém lembra dessas coisas? Pois eu sempre gostei daquelas máquinas de teclado colorido. Ainda surgiriam as máquinas elétricas. A IBM elétrica, com aquela bolinha em cima, era qualquer coisa de sensacional.

Ainda fui reencontrar o telex em redação de jornal, também em 1989. O telex chegava, alguém tirava da máquina, o papel era colado na lauda - e da lauda, vocês lembram?, não é o ex-piloto Niki Lauda -, e aí outro alguém, com uma caneta, "penteava" o texto. Isto é, colocava acentuação e pontuação adequadas.

Depois passamos para o fax, que já era um absurdo de modernidade. E, agora, a internet. A evolução é impressionante. Dez anos. E 1995 foi um ano tão incrível que até o Botafogo ganhou o campeonato brasileiro.

Foi, também, o ano de consolidação do Real. O ano em que Hugh Grant e Divine Brown se conheceram, digamos assim, em uma rua nos Estados Unidos. A Mesbla pediu concordata. A Ferrari anunciou a contratação de um tal Michael Schumacher. Florestan Fernandes, um grande brasileiro, morreu, assim como um dos nossos melhores atores, Paulo Gracindo, nascido Pelópidas.

Tudo bem, em todos os anos alguém morre, alguém é contratado, acontecimentos estarrecedores chocam as pessoas. Mas, ao longo dos tempos - e tempo é uma palavra apropriada para essa situação -, os grandes avanços da humanidade estiveram relacionados à comunicação. Pouquíssimo tempo atrás, qualquer episódio ocorrido em um lugar distante do mundo levava dias para chegar ao nosso conhecimento. No início da História, as mensagens eram transmitidas durante semanas, meses.

Dois flashes vêm à memória, mas cada leitor há de ter o seu. Quando Jânio Quadros renunciou à presidência da República, em 1961, foi um deus-nos-acuda até localizarem o vice, João Goulart, que estava viajando pela Ásia. Foi outro deus-nos-acuda para ele tomar posse, mas isso já é outra história. E o outro momento? Ah, sim. O filme Doutor Fantástico (Mr. Strangelove), com o simpático subtítulo Como Parei de me Preocupar e Aprendi a Amar a Bomba. Grande sátira de Stanley Kubrick aos tempos de Guerra Fria, grandes atuações de Peter Sellers. Há uma cena em que o presidente dos Estados Unidos, um dos papéis de Sellers, conversa por telefone com o presidente da União Soviética. Mesmo com o famoso telefone vermelho, a comunicação era dureza. Você tinha de pedir ligação à telefonista, a ligação caía. É verdade que, hoje em dia, você xinga quando a conexão cai, quando o sistema não funciona. O mundo não é perfeito, definitivamente.

Não é preciso ir tão longe. Hoje em dia, é normal acontecer o intercâmbio entre escolas, alunos daqui que vão para o exterior, e vice-versa. Trinta anos atrás, contava-se nos dedos de uma só mão quem ia para fora. No tempo do regime militar, chegou a ser criado um depósito compulsório, em que o fulano tinha de pagar uma taxa para sair do Brasil. Quando alguém viajava, levava uma lista de encomendas de parentes e amigos. Até o início dos anos 90, éramos um país absolutamente fechado.

Começaram a aparecer os internautas. Eu assistia ao Programa do Jô e via, encantado, ele falar "chegou aqui um e-mail". A expressão soava tão bonita quanto desconhecida. Agora, a questão é saber se a vida na Terra ainda é possível sem o correio eletrônico. Acho que alguns arriscarão dizer que seria mais fácil viver sem árvores. E o Brasil é um dos países onde esse tipo de comunicação cresce de forma mais acelerada - as pessoas nem perguntam se você tem; perguntam qual é o seu e-mail. Colegas de trabalho já conversam dessa maneira, mesmo sentados a poucos metros uns dos outros. E à Justiça do Trabalho já chegaram processos em que funcionários são demitidos por uso considerado indevido do correio eletrônico interno da empresa. Também já é possível consultar o Diário Oficial pela internet. Tem gente que só namora assim. Pensando bem, nem tudo é possível. Desculpe, internet, não podemos viver sem você, mas isso também tem um limite.

Vitor Nuzzi
São Paulo, 23/11/2005

 

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