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Segunda-feira, 28/11/2005
A ousadia de mudar de profissão
Marcelo Maroldi

Tem um dia na sua vida que você acorda e não quer ir trabalhar. Bem, eu já tive. Às vezes, esse dia passa a ser duas vezes por semana, ou três, ou mais, e aí mora o perigo. Logo, o problema se torna mais evidente e você já o transfere para a noite anterior: puxa, amanhã tenho que ir lá trabalhar! Essa inquietação pode ter várias causas, claro, mas, geralmente, quando observo meus amigos e colegas, encontro como principal razão à insatisfação com a profissão escolhida, ou com a atividade exercida na sua profissão. É muito comum, mais do que se pensa. Um vizinho quer ser pintor, mas sobrevive dando aulas de inglês. O primo quer ser médico, mas não tem condições financeiras de estudar para isso. Aquela moça aspirava ser bailarina, mas se mencionar seu desejo aos pais, que sonharam-na dentista, estes morrerão de angústia.

Acredito que a vida é confusa demais para passarmos tanto tempo (1/3 do dia ou mais) numa atividade de que não se gosta. Mas, ainda assim, mudar de profissão é uma atitude considerada radical, até mesmo para os mais radicais. A mudança causa medo, causa insegurança, torna confusa a cabeça das pessoas. Não tem, portanto, nada de distinto do que a própria vida: medo, insegurança, confusão. Mas mesmo assim é para poucos. Tem que ser muito decidido - ou muito tonto - para abandonar uma carreira de sucesso, um emprego, um salário, uma vida social, e dizer que se abre mão de um diploma e corre-se atrás de um sonho. Em teoria, até que é um preço justo trocar 6 anos de estudo, digamos, pela tentativa de realização de um sonho, não é? Não, não é. A maioria das pessoas jamais faria algo assim. Elas abrem mão de seus sonhos, vendem-nos covardemente por uma oferta de emprego, um pedido familiar, ou uma promessa de vida mais fácil.

O sonho fica quase sempre em segundo plano. A única coisa que se tem na vida fica em segundo plano! O importante é a tal da estabilidade. O que importa é eu ser chamado de doutor, ou ter um carro na garagem, ou ter aquele dinheirinho para tomar uma cerveja. Se eu tenho isso, por que preciso fazer o que de fato gosto? Engenheiro, artista plástico ou confeiteiro, que importa, é tudo a mesma coisa!, o que interessa mesmo é trabalhar, em qualquer coisa, e conseguir de modo indireto o que meu trabalho não me dá diretamente. Muitos ainda acreditam, como nossos avós e pais, que qualquer trabalho serve, pois o que importa é levar o dinheiro para casa. A felicidade pessoal não estaria relacionada ao trabalho, o trabalho é somente a maneira de você conseguir sobreviver. A sua felicidade é a margem do trabalho, o trabalho é só algo que se tem que fazer. Sinto muito, mas eu não penso assim, vovó.

Eu cruzei algumas pessoas que estudaram em universidades públicas, em boas universidades públicas, fizeram cursos concorridos, que lhe rendem salários altos, mas eles não estão bem. Eles querem outra coisa. Uma amiga minha, desde a faculdade, sonhava em abrir uma loja de perfumes. Quando ela vai tomar coragem?, respondo: nunca.

Por que é tão difícil tomar coragem e correr atrás do que se gosta, afinal?

Vivemos em uma sociedade que privilegia algumas atividades e despreza outras. E eu não falo somente de salários, isso já é óbvio. Eu falo do status (ou a falta dele) que algumas profissões têm. Você pode ser um imbecil, ter comprado seu diploma, ser sem educação, grosseiro, etc., mas, se você for médico, te olham de outro jeito. E, se você for "apenas" um professor do ensino médio, te chamam de professorzinho. Não importa o que você carrega consigo, você é apenas um professorzinho ralé. E então, as profissões são escolhidas de acordo com esse critério, sem contar os salários e o prestígio que você herdará com seu diploma. E, no final, você vai ser um descontente, e vai querer abrir uma loja de perfumes tão logo adentre na melhor universidade do país (mas vai terminar seu curso, mesmo detestando-o, e seguir sua vida, mesmo detestando-a).

Eu bato palmas aos que ousam mudar.

Talvez eu seja somente um pessimista por acreditar que a vida não é essa maravilha que falam por aí (aliás, já ousou dizer isso para alguém? Vão ficar com pena de você, meu amigo. Se você não acha que a vida é uma grande festa e é ma-ra-vi-lho-sa, você é um perdedor, ou um depressivo, ou algo assim. A vida tem que ser maravilhosa, a de todo mundo é! Se a sua não é, tem algo de errado contigo). Mas, se isso for minimamente verdade, não há um único motivo para eu não fazer o que eu quero fazer, não importa se eu ganhar pouco, ou se não serei convidado para a posse do novo presidente do clube da cidade. E, também, não quero que me digam o que fazer! Quero fazer o que eu acreditar que vá me fazer feliz, e se errar, eu volto atrás. A vida não é isso, tentativa e erro? Por que é tão complicado ser o que se quer, afinal?

Não espere pelo epitáfio...

A primeira vez que vi Mario Sergio Cortella foi há alguns anos, na televisão. Eu não sabia quem era ele, mas fiquei atraído pelo seu jeito seguro de falar, o discurso coerente, a habilidade com as palavras. Depois, comecei a reparar mais nesse filósofo que tem uma relação íntima com a educação, e passei a respeitá-lo. Não espere pelo epitáfio - Provocações Filosóficas (Editora Vozes, 2005, 158 págs.) é seu mais recente livro, composto de algumas dezenas de crônicas publicadas pelo autor na Folha de S.Paulo entre 1994 e 2004.

Antes de tudo, não se trata de um livro de filosofia. Ele é classificado, primeiro, como um livro de crônicas, e, portanto, não é necessário ser um filósofo para saboreá-lo. Além disso, ele é um livro de leitura simples, vocabulário comum, bom andamento. Não exige demais de quem o ler. É claro que Cortella tem conhecimento e erudição suficiente para escrever um livro de difícil digestão, mas não é o caso. Lembre-se que foram crônicas publicadas em um jornal, e o jornal é lido por todo tipo de gente. Nas crônicas, entretanto, já é possível imaginar a vasta cultura do autor, seja através da citação freqüente de escritores, seres mitológicos, personagens e fatos históricos, seja através das descrições sobre a origem das palavras, dos termos, de expressões inteiras em latim, ou em grego.

Estas crônicas podem ser lidas rapidamente, e relidas muitas vezes. Um leitor mais afoito terminará o livro em uma única tarde e, depois, talvez, retornará as crônicas que mais gostou. Embora tenha o sugestivo subtítulo de Provocações Filosóficas, tais crônicas provocam muito superficialmente. O termo provocações é usado no sentido de instigar, cutucar, despertar a reflexão. Isto, sem dúvida, ele consegue.

Para ir além





Marcelo Maroldi
São Carlos, 28/11/2005

 

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