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Quinta-feira, 8/12/2005
O show do Pearl Jam e a Pedreira
Adriana Baggio

A pedreira encravada no bairro até hoje incomoda alguns moradores. O lugar é um vale do tamanho de 20 campos de futebol, rodeado por uma escarpa que chega a até 30 metros. Mas apesar de pedra lembrar aridez e desolação, esta pedreira passa uma impressão muito diferente. As rochas são cobertas por uma bela vegetação e, no fundo do vale, do lado esquerdo, um lago complementa a paisagem bucólica.

Atualmente, as explosões que às vezes desgostam os vizinhos não são mais de dinamite. As pedras que rolam não vêm das escarpas destruídas. O movimento não é o de operários em condições insalubres. Tudo o que acontece hoje, na pedreira, é fruto da multidão que chega empolgada para assistir aos grandes shows que acontecem em Curitiba.

No dia 30 de novembro, foi a vez do Pearl Jam subir ao palco e mobilizar uma quantidade de gente capaz de cobrir toda a superfície do vale. As estatísticas variam: 20 mil, 30 mil pessoas? O fato é que, para onde você olhasse, via um tapete humano formado por roqueiros de todas as idades e estilos, com camisetas da própria banda ou de outras que também fizeram shows no local, como o Ramones. Se quem está embaixo já se emociona, imagina a sensação de quem vê do palco. Deve ter sido essa emoção que fez Eddie Vedder, mesmo com tantos anos de estrada, confessar, em um português capenga, que aquele era um lugar "tesão" para tocar.


A multidão que não parava de chegar à Pedreira para o show

A Pedreira, que hoje tem o nome de Paulo Leminski, é o melhor local de Curitiba para grandes shows, talvez o melhor do Brasil. A combinação de espaço e natureza confere um clima muito especial para curtir o som da banda ou do artista que você mais gosta. Tudo bem que um lugar aberto, com o tempo instável dessa cidade, pode parecer arriscado para os organizadores. Mas isso nunca foi problema. No show do Pixies, em maio de 2004, fazia muito frio. As pessoas estavam todas encapotadas, de gorro e cachecol. A fumacinha saía das bocas junto com as músicas. A temperatura era baixa, mas até isso contribuiu para o astral mágico da Pedreira, combinando perfeitamente com o esnobismo e a postura cool da banda.

Se a frieza do Pixies estava proporcional ao clima no dia do show, o mesmo se pode dizer do calor que fazia na Pedreira à noite. Os sites de previsão do tempo davam 80% de chances de chuva. O dia foi terminando cada vez mais abafado, veio a noite, começou o show e nada de água. Tudo estava quente: o ar, o astral, a banda. Eles tocaram mais de duas horas, Eddie Vedder passeou no palco prá lá e prá cá e conversou diversas vezes com o público. Definitivamente, é uma banda muito calorosa.

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Algumas horas antes do show:
clima abafado e chuva que acabou não vindo

Pareceu um revival de outro show antológico da Pedreira, quando tocaram Raimundos, Sepultura e Ramones. Foi em um mês de novembro também, mas de 1995. Neste dia, choveu. Choveu demais. Uma chuva de verão, de lavar a alma e ensopar a roupa. No final, milhares de pessoas empestando os ônibus com cheiro de cachorro molhado.

A diferença boa entre o show de 2005 e o de 10 anos atrás é que a segurança e a infraestrutura melhoraram bastante. Curitiba passou algum tempo sem receber grandes shows devido a vários incidentes neste tipo de evento, um deles até com vítimas fatais (em maio de 2003, três pessoas morreram pisoteadas em um evento ironicamente chamado de "Unidos pela Paz"). Por conta disso, a Pedreira foi desativada. Ela reabriu em maio do ano passado, justamente para o show do Pixies (contribuiu para isso um interesse especial de algumas pessoas simultaneamente ligadas à área de cultura da Prefeitura de Curitiba e à indústria local do entretenimento), com algumas modificações. Foram providenciadas saídas de emergência, estabeleceram-se normas rígidas de segurança e limitação no número de ingressos.

No show do Ramones, em 1995, as pessoas que se aglomeravam na entrada da Pedreira (uma rua com casas de um lado e um barranco do outro, transformada em um verdadeiro curral) foram pressionadas, na parte da frente, pelos cavalos da polícia, que barrava o portão, e na parte de trás, por mais pessoas que não paravam de chegar. Poderia ter acontecido uma tragédia que, felizmente, não se concretizou. Além disso, não havia banheiro nem saída alternativa.

Um dos grandes méritos da apresentação do Pearl Jam foi a organização. Primeiro, não era permitido entrar com bebidas alcóolicas, garrafas e latas. Frutas, só se fossem cortadas (não entendi bem essa parte, talvez algumas frutas inteiras sejam consideradas perigosas, como um abacaxi ou uma jaca.). Câmeras fotográficas sim, jornais e revistas, não. Perto dos limites da área de shows, diversos banheiros químicos davam conta dos apuros do pessoal, principalmente das mulheres, que sempre se dão mal nesses lugares ao ar livre. No começo do show, os banheiros estavam melhores que muitos daqueles encontrados em bares e restaurantes: tinham papel higiêncio e até espelho!

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Palco de mais de 400 metros de largura:
A banda pequenininha lá em cima

Nesta mesma área, um pouco antes dos banheiros, foram instaladas as barraquinhas de cachorro-quente, crepes e bebidas. Não foi servida cerveja: apenas água, refrigerante, energético e aquela água suja da Nova Schin. Depois das nove e meia da noite, até mesmo ela foi proibida. O resultado é que, com essa interdição, no final de duas horas de show já tinha gente sóbria e de ressaca.

Apesar de toda a organização, sempre existem aqueles que dão um jeitinho de se aproveitar. Enquanto as barraquinhas vendiam copos de cerveja a três reais, os ambulantes cobravam quatro. Depois das nove e meia, quando pararam de servir bebida alcóolica, o preço da cerveja dos ambulantes subiu mais um real. Ser obrigado a tomar Nova Schin já ruim, mas pagar cinco reais por isso, é de matar!

Por falar em esperteza, uma tática bem malandra tem sido usada pelos promotores de shows. Eles fixam um preço "inteiro" absurdo para o ingresso, fora da realidade. E aí, estudantes pagam meia entrada, bem como qualquer pessoa que leve uma lata de leite em pó. Ou seja: é uma forma de extinguir o ingresso com valor subsidiado. No show da semana passada a meia entrada era de 75 reais - um valor alto para se cobrar por um evento de 30 mil pagantes, em local aberto que, por mais estrutura que tenha, não se compara ao custo de uma produção em casa fechada. A malandragem é tanta que o pessoal que recolhe as latas de leite fica antes das catracas dos ingressos. Ou seja, quando você chega lá, ninguém confere sua carteira de estudante ou se você levou a doação.

Apesar do logro da meia-entrada e da crueldade em forçar as pessoas a beberem Nova Schin, foi um show fantástico, memorável, profissional. Além de ser uma banda ótima e extremamente carismática, o Pearl Jam também entende de negócios. Eles não são muito queridos pelas gravadoras porque estão seguindo uma tendência cada vez maior no comércio de música: disponibilizar tudo na internet.

Se você ficou com vontade de ouvir a performance do Pearl Jam de 30 de novembro em Curitiba, pode comprar e fazer download do CD ao vivo agora. No momento em que escrevo este texto, ainda não se passaram 24 horas da minha chegada à Pedreira e eu já tenho o meu. Custa 10 dólares e vem com imagens para você fazer a capa.

Qual a diferença entre ter este CD ou qualquer outro de loja, camelô ou baixado de graça pela internet? A experiência. Há um ano, no caderno especial do Digestivo Cultural encartado na revista da FGV, meu artigo falava justamente sobre isso: o que faz as pessoas pagarem por música é o valor agregado. No meu caso, valor agregado é ter o CD que reproduz o exato momento em que eu fui ao delírio ao ouvir, uma em seguida da outra, "Last kiss" e "I believe in miracles". Pearl Jam e Ramones, um ciclo de 10 anos que se fecha.

Adriana Baggio
Curitiba, 8/12/2005

 

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