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Terça-feira, 6/12/2005
O Brasil em desenvolvimento
Fabio Silvestre Cardoso

Nas últimas semanas, na contramão da crise política, os índices do IBGE deram um alento ao país. Para quem não leu (e prometo que não vou me ater às estatísticas e às curvas dos gráficos), depois de muito tempo, o fosso social, conforme anunciava a vinheta da Folha de S.Paulo, entre pobres e ricos diminuiu. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio informa que o número de empregos subiu 3,3% ao mesmo tempo em que a taxa de desemprego abaixou cerca de 0,7%. Esses mesmos indicadores apontam para a queda de renda entre os mais ricos, ou os 50% dos trabalhadores que ganham mais, fator que diminuiu um pouco, segundo os especialistas, a deflagrada desigualdade social. Não foi à toa, portanto, que todo o governo sentiu-se aliviado e pôde anunciar, à vontade, a realidade dos números.

Ainda assim, para além do discurso, não é preciso ser nenhum expert em índices de desenvolvimento econômico e social para constatar que, apesar desses avanços, o Brasil precisa crescer muito para ser o "país de todos", como quer a propaganda oficial. Nesse sentido, aqueles que quiserem entender quais são os caminhos para tal avanço, os dois volumes de Brasil em desenvolvimento são de grande valia, uma vez que trazem vários pontos de vista dos mais gabaritados nomes da Economia, Ciência Política, Tecnologia, todos eles ligados ao think thank acadêmico - é bom que se diga, aliás, que a obra foi composta a partir de uma série de seminários sobre o mesmo tema (Brasil em desenvolvimento) para a UFRJ.

Dada a abrangência dos assuntos tratados, a obra foi dividida em dois tomos: o primeiro aborda economia, tecnologia e competitividade; enquanto o segundo trata de instituições, políticas e sociedade. Em cada livro, uma série de especialistas desfila seus argumentos que buscam interpretar os índices de desenvolvimento, assim como analisar os motivos de determinadas estratégias. É bom ressaltar, ainda, que o trabalho esteve sob a organização de Ana Célia Castro, Antonio Licha, Helder Queiroz e João Sabóia.

Pode-se argumentar, com razão, que não se trata de um trabalho original, uma vez que algumas instituições ou já produziram seminários parecidos, como o DNA Brasil nos últimos dois anos, ou obras com o escopo analítico semelhante após o fim de um determinado período, como A Era FHC (lançado no final do governo Fernando Henrique Cardoso, em 2002) e A História do Real (obra que chegou às prateleiras neste segundo semestre de 2005). Entretanto, o que torna o presente estudo uma obra interessante é o fato de que os livros obedecem a uma perspectiva do que está para acontecer. Não tanto no ramo especulativo, mas sim na ingrata seara das previsões com base nos índices de crescimento. Este, por sinal, é o principal fio condutor dos trabalhos.

Afora isso, nota-se uma preocupação por parte dos organizadores em fazer com que os artigos funcionem também como motor de um projeto de país, "detalhe" que governos políticos de ambas as esferas reclamam durante o período eleitoral. Isso fica notório nos tópicos relacionados ao debate do desenvolvimento brasileiro, dentre os quais se destacam: "organizar e mobilizar definitivamente os atores nacionais relevantes; viabilizar políticas de inclusão social no plano de educação, de emprego, de inclusão digital e de infra-estrutura social".

Para o bem ou para o mal, nos artigos, esses objetivos do parágrafo anterior só se materializam do ponto de vista teórico. No quesito tecnologia, por exemplo, um dos textos mais relevantes é o do professor de Economia da UERJ, Paulo Bastos Tigre, que avalia os pormenores da sociedade da informação e da inclusão digital. Sua proposta para a universalização das tecnologias de informação e comunicação (TIC, de acordo com a nomenclatura) passa pelo software livre. Segundo a avaliação do professor, em São Paulo, os programas de inclusão digital que mais foram bem-sucedidos uniram software livre e hardware simplificado, ampliando as opções até então restritas. Em contrapartida, ainda na esfera tecnológica, Mario Dias Ripper observa uma barreira para a expansão nas telecomunicações principalmente porque há uma excessiva carga tributária no setor, o que demandaria, no caso, mais investimentos do Estado.

Como se observa nos artigos citados, boa parte da discussão sempre passa pelo debate econômico. Subsídios do Estado, investimentos, política macroeconômica são termos em comum em todos textos. Infelizmente, não se pode dizer que os textos correlatos à economia façam a mesma concessão. Muito pelo contrário. O que se vê por parte dos autores é uma exacerbação de análises totalmente voltadas para estudiosos do tema - fator que, em si, não é ruim, mas que limita por demais o entendimento para os demais leitores. Obviamente que não se propõe uma guinada ao populismo analítico de um Freakonomics, mas os textos poderiam ser bem menos áridos, com a mesma fluência de idéias de Eduardo Giannetti.

É com essa clareza, por exemplo, que o ex-grão-fino do PT, Francisco de Oliveira, assina uma artigo sobre o papel das instituções, a partir de uma perspectiva política. Sempre crítico ao modelo neoliberal, ele escreve que as políticas macroeconômicas obedecem cegamente à política de ordem global. E sendo esta fiadora daquela, não resta ao Brasil sequer o papel da conclamada soberania. E ele até brinca: "o homem do povo que assiste ao desfile já não pode dizer, como na lenda clássica, que o rei está nu. Qual rei?". Pode-se até discordar das contundentes e perspicazes observações de Francisco de Oliveira, mas não se pode dizer que ele não se faz entender.

Nos dois livros de Brasil em desenvolvimento, o papel da cultura está presente, ao menos em referência, ao segmento das políticas de educação. É reconfortante que exista esse raciocínio de que desenvolvimento não se faz sem educação ou cultura, por mais acessório que isso ainda possa parecer. Pois de tudo o que foi dito e comentado vale a velha máxima de que o Brasil não será o país de todos enquanto a desigualdade for tão grande. A diminuição dessa desigualdade e até mesmo a compreensão desses estudos passam pela educação e pela cultura.

Para ir além








Fabio Silvestre Cardoso
São Paulo, 6/12/2005

 

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