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Quarta-feira, 11/1/2006
Sobre cafés e diversão 0800
Ana Elisa Ribeiro

Em Minas Gerais, às sextas-feiras, a maior parte dos jornais traz um caderno com sugestões de bares, filmes, restaurantes e exposições. Estão ali, também, as opções de shows e peças de teatro. Gente famosa e gente nem tanto aparece naquelas páginas para convidar para o sarau, a degustação ou a festinha.

Em geral, abro o caderno à procura de um filme. Não sou muito dada às visitas às salas de shopping. Irrito-me facilmente com as filas imensas, a multidão apinhada na sala, o cheiro morto de ar-condicionado. Prefiro, quando vou, as salinhas pequenas, em cinemas que são também livrarias, cafés, bar e até lojinha de bijouteria e artesanato. Delícia. Divirto-me muito mais a procurar calendários e colares de artistas plásticos do que ao comprar pipocões na entrada lotada. Gosto não se discute.

Dia desses, estava lá, no caderno, o show do Lenine. A imensa preguiça de sair numa noite de chuva me fez manter a inércia das samambaias. Deixa pra lá. Enquanto prefiro a estagnação de um cacto, meu marido corre léguas, de ônibus, para assistir a um show no Rio. Tem gosto para tudo.

Há algumas semanas que namoro o filme Jogos Mortais 2. Quando decidi encarar, descobri que ele já havia saído de cartaz dos cinemais mais centrais e estava no afastado shopping Norte. Só pelo nome do lugar já é possível imaginar que esteja ele localizado numa ponta da cidade, das mais extremas. Deixa pra lá.

Decidi, então, convidar o marido para uma noite no Café com Letras, na verdade, além da companhia dele, eu queria era pedir a maravilhosa salada de rúcula e o petit gateau mais delicioso da capital mineira.

Belo Horizonte, de uns tempos para cá, parece ter aberto cafés no lugar dos bares de todas as esquinas. Se antes era conhecida como a capital dos botequins, agora se parece com uma cafeteria gigante. Qualquer birosca em que se sirva café e uma rosquinha mais requintada ganhou o nome cult de café. Mas o charme dos primeiros cafés-livrarias é imbatível e inabalável.

Para quem não teve o prazer de conhecer esta capital, vale a pena seguir este mini-roteiro que vou rascunhar aqui:

1. Primeiro, vale visitar o Café Book, na Avenida Brasil com Padre Rolim. Trata-se do primeiro café livraria autêntico da cidade. E está lá, do mesmo jeito, até hoje. O dono chama-se Álvaro e costuma atender, ele mesmo, os clientes fiéis. A história do lugar é tão deliciosa quanto o ambiente. O Álvaro veio do interior para Belo Horizonte com mil reais no bolso e um imenso amor pelos livros. Ao passar na porta de uma lanchonete, reparou que a parede dos fundos estava vazia, morta, e que poderia pôr ali livros à venda. Na cara de pau, Álvato perguntou à dona da lanchonete se poderia expor uns livros naquele lugar, e ela topou. Nasceu aí o Café Book. Os livros? Foram comprados com os únicos mil reais do Álvaro.

O Café Book tem aquele cheiro de livraria de verdade, onde o atendente sabe exatamente o que está fazendo ali e que tipo de produto ele está vendendo. O próprio Álvaro atendia as pessoas há uns três anos atrás.

2. A Travessa é a livraria mais charmosa da cidade. No coração da Savassi, nosso bairro de seriado americano, a livraria tem, além dos livros, as mesinhas do quarteirão fechado, os garçons simpáticos e o café no segundo andar. Sábado de manhã a Travessa parece um filme. Não se troca aquele clima por mais nada neste mundo.

3. A Status era uma banca de jornais, dessas que são apenas um fino e fundo corredor. Da rua a gente quase não a via. Um dia, a galeria sofreu uma reforma e abriu-se no lugar uma grande livraria e café, o Café Status. Lá dentro, além de um corredor imenso cheio de livros, jornais e revistas, há shows de rock, jazz, chorinho e outros sons, além do café mais cheiroso da cidade.

4. O Café com Letras existe há pelo menos uma década, quando ainda era uma casa de paredes cor de vinho e tinha, no andar de baixo, uma chocolateria. Com o tempo, ganhou a cara que tem hoje. Já teve fama de ambiente GLS, vez ou outra a fama volta, mas o público mais fiel da cidade deve estar ali. Na década de 90, o Café era um bar que tinha uma livraria coadjuvante. Tanto é assim que os livros têm 25% de desconto. A especialidade da casa é o pão de queijo com mussarela de búfala e tomate seco. Delícia. Mas o espaço também faz as vezes de galeria de arte, festival de gastronomia, é palco para apresentação de DJs famosos, música eletrônica, jazz e lançamentos de livros. A diferença entre o Café com Letras e os outros lugares citados é que enquanto eles são livrarias-cafés, o Café é um bar com livraria. Isso se reflete nos horários de atendimento. Enquanto o Café funciona à noite, os demais abrem no horário comercial.

Mas não é necessário gastar dinheiro para ver uma coisa bacana na cidade. O café do Cine Belas Artes também é muito agradável e também conta com uma livraria e uma loja de bijouterias (lindas, por sinal). No entanto, a boa mesmo é topar com alguma coisa 0800, bem no meio da cidade, e sair de lá feliz da vida...

Exemplo fantástico dessa alegria foi ver a exposição dos quadrinhos do artista plástico Marcelo Xavier dando sopa nas paredes da entrada do cinema.

A degustação visual, por Marcelo Xavier

Para quem não sabe, Marcelo Xavier é um artista mineiro que trabalha, especial e principalmente, com massinhas coloridas. Marcelo é premiado em vários lugares do mundo por diversos livros. Alguns trabalhos dele são Asa de Papel e Festas. E não há quem não se divirta olhando aqueles bonecos cheios de detalhes e expressões.

Marcelo Xavier projeta personagens e ambientes com perfeição. Enquanto a criançada ama os livros, os pais ficam loucos pelo trabalho criativo e perfeito do autor.

A exposição CineDegustação é formada por 24 quadrinhos de mesmo tamanho. Todos eles estão expostos, na altura dos olhos, na parede da entrada do Cine Belas Artes, de graça. É só entrar lá e olhar. E a reação das pessoas é fantástica: não há quem não sorria e não queira ver mais de pertinho.

Marcelo Xavier criou cenas relacionadas ao cinema, aos nomes de filmes famosos ou a expressões do mundo cinéfilo. É brilhante como ele recria as relações de, por exemplo, "cenas picantes" e "filme cabeça" com humor e ironia.

Também são especialmente graciosos os quadrinhos de "Fila de cinema", "Tapete mágico" e "Desanimação".

Por que eu estou dizendo isso? Ah, para concluir que os cadernos de jornal trazem as sugestões mais bacanas, pagas e conduzidas, muitas vezes, pela crítica. Mas é particularmente divertido e gostoso topar com uma exposição tão deliciosa quanto a de Xavier, bem no meio da cidade, no meio da tarde e, o melhor, de graça.

Alguém tem que lembrar à cidade que diversão pode ser a liberdade. Essa é a desculpa do ano para sair de casa à procura de boas experiências, sem precisar gastar dinheiro.

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 11/1/2006

 

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