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Terça-feira, 3/1/2006
O melhor de 2005 em 2006
Vitor Nuzzi

Digam o que quiserem. Para mim, o melhor acontecimento de 2005, o mais significativo, se preferirem, só virá em 2006. No início do ano que se aproxima, Chico Buarque, que recentemente mudou de gravadora, lançará o seu primeiro CD desde 1998. Mas vale remeter o fato para 2005 porque o disco, a esta altura, está em gestação, na barriga-cérebro do filho do meio de Sérgio e Maria Amélia, que em 2005 ganhou o quarto neto. Até nisso o feminino prevalece: dos quatro netos, três são meninas - Chico e Marieta Severo tiveram três filhas.

Se falamos de Chico, falemos de Vinícius, o documentário, este sim, lançado neste ano de 2005. Nele, Chico diz que o poeta, diplomata e apaixonado profissional, morto em 1980, dificilmente teria lugar no mundo atual. O mundo perdeu a ingenuidade, assim como as seleções de futebol. Não existe mais time bobo, dizem - talvez só torcedores bobos. Verdade ou não, veja e ouça Vinícius de Moraes e Tom Jobim em cena doméstica: bêbados tentando cantar "Pela Luz dos Olhos Teus" e comentando a - incompreensível? - ira das respectivas mulheres por causa das intermináveis garrafas de uísque.

Agora em dezembro, acaba de passar um documentário sobre os 25 anos da morte de John Lennon - ele, o próprio Vinícius e Nélson Rodrigues morreram no mesmo ano -, com aquelas manifestações na cama com Yoko Ono pela paz. Dêem uma chance à paz. Parece ultrapassado? Não parece, mas até hoje não deram chance alguma.

E o que dizer de Um Filme Falado, do português Manoel de Oliveira, que esteve em cartaz neste ano que está a terminar? Parece falar também de um tempo ultrapassado, do gosto pela história e pelo conhecimento. Em que as civilizações se falam e se complementam. E eis que, enfim, a violência dá cabo da cultura. Em King Kong, a violência dá cabo... do lúdico? Enfim, ao menos a nova versão consegue exorcizar aquela de 1976, ao mesmo tempo em que presta homenagem à original, de 1933.

Casa de Areia foi um alento na tela nacional. Acima de tudo, pela convivência de veteranos como Fernanda Montenegro e Emiliano Queiroz com gente da música, como Luiz Melodia e Seu Jorge, seguindo a trilha aberta por Paulo Miklos. O Casamento de Romeu e Julieta foi outro bom momento, paulistano e bem-humorado - atenção, um não exclui o outro. E, claro, 2 Filhos de Francisco, encontro feliz do cinema com a música, aquela mais estigmatizada. Numa outra ponta, Quanto Vale ou é por Quilo?, seco, duro e igualmente brasileiro e real. A Grande Família continuou exibindo a exuberância singela do talento de Marco Nanini (em seus 40 anos de carreira) e Marieta Severo. Ponto para a TV, que também trouxe Mad Maria, logo no comecinho do ano, e Hoje é Dia de Maria. Afinal, a maquininha de fazer doido, como cunhou Stanislaw Ponte Preta, tem lá seus méritos. E há de se ver ainda um Nanini no cinema revivendo Odorico Paraguaçu, prefeito de Sucupira imortalizado por Paulo Gracindo na televisão nos anos 70, na novela O Bem-Amado. Se o longa-metragem sair em 2006, já faz parte dos melhores de 2005.

Na música, voltando a ela, podem falar com razão de Maria Rita, Gal, Bethânia, Zélia Duncan. Apenas vozes femininas, reparem - Caetano foi notícia mais pelo portão derrubado. Mas quem assistiu a um show no teatro Funarte, em Brasília - vale dizer a data: 18 de abril, uma segunda-feira -, pôde ver Mônica Salmaso, acompanhada do violão de Lula Barbosa (que acompanhou Adoniran Barbosa no início da carreira e tocou no extinto Boca da Noite, na rua Santo Antônio, na Bela Vista, o velho Bixiga) e do violoncelista Lui Coimbra. Um show que certamente não será incluído entre os 10 mais de lista alguma, neste ano ou nos próximos, mas ficará na memória como uma das mais belas demonstrações do que são capazes os músicos brasileiros. Bom falar disso, para que do Planalto Central do país não fiquem apenas más lembranças este ano. Mônica, por sinal, participou de Vinícius - e fará dueto com Chico Buarque na música "Sempre", no melhor acontecimento de 2005, a ser celebrado em 2006.

O melhor de 2005 no futebol também será em 2006, que é ano de Copa do Mundo e a pátria calçará as surradas chuteiras. Até porque o destaque deste ano esteve fora de campo, com 11 jogos do campeonato brasileiro anulados por causa das confissões de um juiz. Foi a vez da voz das arquibancadas, que se sentiu vingada após anos tratando - nem sempre com sabedoria, até porque torcida não rima com sensatez - os atos de sua senhoria, o árbitro. Desta vez, o coro de juiz ladrão valeu.

A bola não esteve lá muito redonda - pelo menos o Ronaldinho Gaúcho ganhou o bi como melhor jogador do mundo -, o país não cresceu como se imaginava, o mundo continua daquele jeito, a arte não nos arrebatou, mas Marçal Aquino e José Saramago voltaram a trazer bons ares à literatura. No fundo, todos os anos deveriam valer um dos tantos ensinamentos contidos na poesia de Cecília Meireles. Porque, afinal, a vida só é possível reinventada.

Vitor Nuzzi
São Paulo, 3/1/2006

 

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