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Quarta-feira, 18/1/2006 Sua majestade, o ator Guilherme Conte Esqueça os grandes cenários, as produções milionárias, as máquinas de fumaça e os milhares de figurantes em cena. Estamos falando aqui de um teatro em que a riqueza está na simplicidade. Nada sobra, não há nenhum peso desnecessário. O ator se despe de recursos de apoio e se expõe nu e cru. Ao seu lado, um bom texto. E eles acertam em cheio. O segredo de tamanho acerto? Um trabalho longo e sério de pesquisa. Daqui a duzentos anos é fruto de um olhar demorado sobre a dramaturgia. Bons atores contando boas histórias. Neste caso em particular, contos de Anton Tchekov, monstro sagrado da literatura russa. A criação ficou por conta do curitibano ACT - Ateliê de Criação Teatral, coordenado pelo brilhante Luís Melo, ator com uma longa e premiada carreira, e por Nena Inoue. Melo, aliás, é a estrela do espetáculo, que lhe valeu o APCA de melhor ator em 2005. Ele divide o palco com Edith de Camargo e os jovens André Coelho e Janja, e a direção fica por conta de Márcio Abreu, o comandante da Cia. Brasileira de Teatro (também de Curitiba, e que aporta por aqui nesta sexta-feira, dia 20, com a ótima Suíte 1, tema da minha próxima coluna). O espetáculo nasceu a partir de uma necessidade sentida pelo ACT de um trabalho mais aprofundado na questão do texto - e, por conseqüência, em um foco na figura do ator. Para tanto, o diretor Márcio foi chamado e o trabalho foi ganhando corpo. A simplicidade e a encenação enxuta não saíram da pauta um momento sequer. Já "Prêt-à-Porter 7" é uma etapa avançada de um trabalho que se desenvolve desde 1997. Naquele ano, o diretor Antunes Filho, no comando do CPT - Centro de Pesquisa Teatral, um verdadeiro oásis de excelência no fazer teatral, deu uma guinada em seu trabalho, com a criação do projeto "Prêt-à-Porter". A idéia era botar o ator no centro das preocupações, a partir de um extenso e árduo trabalho fincado no naturalismo. Os (poucos) objetos que entrassem em cena deveriam revelar algo sobre aquelas personagens. Os atores-dramaturgos, com total independência, construíam uma gênese que desse conta de explicar, dar um sentido para tudo aquilo. As improvisações foram se elaborando e se transformando nas cenas. Mais uma vez, nada de sobras, nada fora do lugar. "Foi um trabalho de aguçar o olhar", conta Emerson Danesi, desde 1996 no CPT e integrante do elenco deste PPT 7. "Nós buscamos a precisão nos mínimos detalhes, com gestos muito limpos, nos olhares, nas respirações." O resultado impressiona pelo realismo. A riqueza de PPT 7 repousa em três de seus aspectos fundamentais. Primeiro, no domínio absoluto dos atores sobre suas personagens. Segundo, na simplicidade das cenas; ali, menos é mais. E em terceiro, nas múltiplas possibilidades suscitadas em um espetáculo aberto por excelência. As cenas não se prestam a dar a totalidade daquelas existências, nem indicar o caminho. O importante é em como aquelas cenas, aqueles recortes, ressoam em cada um dos espectadores. Cada um se identifica com uma cena, um personagem ou uma passagem. É interessante notar como o projeto repercutiu na própria trajetória de Antunes e seu grupo. Com essa busca pelo aprimoramento do ator, suas montagens passaram a tê-lo como centro. Não é à toa que seu olhar se voltou para a tragédia grega, fato que nos deu ótimos espetáculos como As Troianas, Medéia e Antígona. Mais que montagens de qualidade incontestável, Daqui a duzentos anos e Prêt-à-Porter 7 dialogam na medida em que nos mostram que um trabalho primoroso e a pureza de uma arte são sempre atuais. É nesta medida em que é um privilégio de assistir a espetáculos como estes. Saímos do teatro mais sensíveis, nos questionando, conhecendo um pouquinho mais a nós mesmos. Não é esta afinal a função do teatro? Para ir além Daqui a duzentos anos - SESC Belenzinho / Galpão 1 - R. Álvaro Ramos, 915 - Belenzinho - (11) 6602-3700 - Sábado e domingo, 21h - R$ 15,00 - Até 29/01. Prêt-à-Porter 7 - Sesc Anchieta / Espaço CPT - R. Doutor Vila Nova, 245 - Consolação - (11) 3234-3000 - Sábado, 18h30 - R$ 10,00 - Até 29/07. Guilherme Conte |
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