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Quarta-feira, 5/7/2006
Um curso para editores
Ana Elisa Ribeiro

O mercado editorial mineiro, além de ser pequeno, é amador demais. Quem trabalha ou trabalhou nas poucas editoras das Gerais sabe que a produção que impera é a de livros didáticos (para o ensino fundamental, principalmente) e a de livros de literatura infantil e infanto-juvenil.

Respeitosamente, é preciso mencionar que, dentro dessa faixa, são imbatíveis alguns autores como os premiados Bartolomeu Campos Queirós, Ângela Lago, Marcelo Xavier, Marilda Castanha e Nelson Cruz. Há uma turma mais nova, mas fiquemos aqui com os nomes dos bambambãs.

O staff dessas editoras é formado por pouquíssima gente contratada e uma pequena legião de terceirizados. Na verdade, pessoas que trabalham em casa, mas não constituíram empresas, embora leis e governos tenham tentado detonar, de todo jeito, o profissional autônomo. (Como se não bastasse não haver emprego neste país...).

Em sua maioria, os donos de editoras, em Minas, se confundem com a figura do editor. É bom ficar claro que são, quase todos (com honrosas exceções) apenas empresários ou pessoas com extremo senso de oportunidade financeira. Nada mais. Em geral, poderiam fabricar, com o mesmo pique, sapatos, bolsas ou velas. Livros são pouco mais que produtos que entram numa esteira que rola em alta velocidade.

A figura do editor que lê, pensa, critica, ajeita, mexe e sugere não existe muito por estas bandas. E talvez esteja mesmo em extinção. Talvez alguns tenham migrado para a internet. Talvez tenham morrido em silêncio. Mas ainda sobram uns Plínios Martins Filhos, por exemplo.

Se o editor anda em falta, todos os profissionais da cadeia de produção do impresso também. Em Minas, no entanto, esse é um problema de origem: nunca houve cursos que habilitassem profissionais da edição. Explico.

Os bons e velhos cursos de Letras têm bacharelado apenas em algumas instituições. Olhando bem de perto, pode-se verificar que não há, infelizmente, nem mesmo para os bacharéis, especialização substancialmente diferente daquela do professor de português. O bacharelado da UFMG, no qual me formei na primeira turma, era apenas um curso de Letras sem as disciplinas da faculdade de Educação. Bom para quem queria excluir umas matérias "chatas" do currículo.

Os cursos de Comunicação Social, com todas as fundadas críticas que sofrem, em Minas também não formam editores e profissionais de edição de livros. As cadeiras do jornalismo formam profissionais de imprensa. As de publicidade formam pessoas de agência. Os profissionais que migram, por acaso, para editoras fazem pouco mais do que adaptações do que fariam para jornais e revistas no livro.

Recentemente, abriram-se, à semelhança de São Paulo, cursos que habilitam o produtor editorial. Analisando rapidamente uma grade curricular de um desses cursos, pode-se perceber que são idênticos aos cursos de publicidade. Ah, com uma diferença: uma disciplina chamada "redação editorial" no lugar da antiga "redação publicitária". Não é curioso? Esses cursos, que são uma das habilitações da Comunicação Social, não compreenderam ainda seu papel, muito menos o aluno que neles entra e que deles sai. Em geral, são pessoas que não passaram no vestibular para publicidade (não sei por quê, muito concorrido) ou que pensam que se tornarão gerentes de gráfica rápida.

Se fossem mais bem-pensados, de preferência coordenados por profissionais realmente de edição, talvez os cursos de Produção Editorial ajudassem a formar um perfil de profissional que está em falta no mercado. O gerente editorial, por exemplo, é figura rara nas Minas Gerais, e extremamente necessário. Mas não um quase-publicitário-frustrado, nem um jornalista-desempregado. Um profissional que estivesse munido de noções da história editorial, do percurso do livro, do papel desse suporte nos regimes atuais e muito tecnologizados de comunicação. Um profissional que tivesse, também, noções de administração do tempo, dos processos, da informação, de agenda, de pessoas. Alguém capaz de relacionamentos interpessoais inteligentes, além de muito apto a ler e escrever.

A tchurma mais nova acha que a vida se resume ao computador e ao webdesign. Ô dó. Se estão em falta os cursos que formam bons editores, gerentes editoriais e revisores de texto, também estão em falta os professores mais adequados para dar essa formação. Assim como em medicina, é muito complicado dar aula de produção editorial sem nunca ter pisado em uma editora antes. Imagine coordenar um curso disso! Mas é o que acontece.

As iniciativas para mexer nesse cenário têm acontecido, embora timidamente. A Faculdade de Letras da UFMG vem brigando, internamente, há anos, para conduzir a formação de um editor bacharel. Isso não deve sair do papel tão cedo... mas existe. Eu mesma, quando era professora substituta, ofertei uma disciplina de revisão. O primeiro susto foi quando a disciplina foi aceita pelo colegiado. O segundo susto, maior ainda, foi quando tiveram que abrir duas turmas de 30 alunos, para aguentar a demanda. O terceiro susto foi quando muitas pessoas vieram perguntar se poderiam cursar a disciplina apenas como ouvintes, por falta de vagas. Então...

A PUC Minas, na figura do Instituto de Educação Continuada (IEC), oferece, desde 2005, um curso de especialização em Revisão de Textos. A pós-graduação está em sua segunda versão em 2006, mas tenta se aprimorar a cada ano. A idéia é que ela se torne a melhor opção de formação de profissionais de edição no estado de Minas Gerais. Por enquanto, ela é apenas a única. Tem a intenção de ser a mais séria e a mais correta, no sentido de que tenta funcionar com professores que tenham, de fato, conhecimento da área de edição. Todos os docentes são ou foram gerentes, revisores, editores, diagramadores ou assemelhados na produção de impressos. Alguns trabalham ou trabalharam em empresas privadas, outros são profissionais do texto em assembléias legislativas ou câmaras, o que faz muita diferença no perfil profissional e no jogo de cintura da atuação.

Algumas faculdades particulares acenam com a possibilidade de incrementar seus cursos de Letras ou de criar possibilidades para a formação de profissionais de edição. Talvez o curso tecnológico possa oferecer uma alternativa mais rápida e mais acertada para a formação de gerentes editoriais, por exemplo, que não precisam ser doutrinadores e pesquisadores do livro. Agiriam muito bem e satisfatoriamente se soubessem administrar, lidar com pessoas (tanto autores quanto funcionários), além de ler, criticar, escrever e editar textos. Dar tratamento adequado a eles ou saber orientar profissionais que o façam. Esse gerente pode, muito bem, aprender a conduzir o editorial, parte da editora que é a mentora dos projetos, além de conhecer, nem tão de perto, o uso das máquinas no parque gráfico.

Em Belo Horizonte, os poucos profissionais respeitáveis de edição ainda têm que responder à pergunta: em qual gráfica você trabalha? O belo-horizontino ainda não sabe a diferença entre gráfica e editora. É, parece que as proibições do império ainda surtem efeitos entre estas montanhas. Nem mesmo a prensa de Gutenberg parece ter sido bem assimilada por estas bandas. Mas ainda há tempo. O papel parece que não vai ser substituído tão cedo.

Nota do Editor
Leia também "Novos autores: literatura, autonomia e mercado".

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 5/7/2006

 

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