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Quarta-feira, 8/2/2006
Você curte o Orkut?
Ram Rajagopal

Os editores do Digestivo me perguntaram sobre o que acho do Orkut. Não acho muito. O Orkut, ao menos para mim, funciona como uma agenda eletrônica. Por lá, tenho como contactar quase todas as pessoas que conheço, e volta e meia recebo convites de pessoas que não via há muito tempo.

Para muitos, é uma ferramenta de socialização. Mas até hoje não entendi a fascinação das pessoas por acessar scrapbooks alheios, por fazer testemunhos e receber estrelinhas de fã. Quer dizer, a única explicação plausível que encontro é que há uma carência afetiva generalizada na sociedade. Ou melhor, aos poucos estamos esquecendo o que é uma amizade, qual o valor de uma verdadeira amizade.

É impressionante a popularidade do Orkut no Brasil. Acho que os brasileiros são ou estão próximos de serem os maiores usuários do sistema. Na nossa cultura, conversar, manter contato, e por que não?, a fofoca, estão entre as formas mais importantes de se conseguir informações. Informações só não. Até mesmo um projeto ou emprego muitas vezes acontece porque conhecemos uma pessoa ou porque alguém que conhecemos nos mencionou para um conhecido seu. (Aqui, nos Estados Unidos, uma estatística conhecida é que a maioria dos cargos de confiança em empresas é preenchida por candidatos vindos por indicação. Mesmo assim, ao menos o primeiro emprego, você consegue com facilidade simplesmente indo a feiras de empregadores.)

Até aí tudo bem. Neste sentido manter uma rede de "amizades" pode ser útil, ainda mais em uma sociedade economicamente ineficiente. No entanto, somente alguma forma de carência, de instabilidade emocional, explica as várias brigas que já presencei sobre trocas de testemunhos ou porque o namorado de beltrano está na comunidade de sicrano e coisas do gênero. Conheço também muitas pessoas que abertamente leêm scrapbooks de homens e mulheres em que estejam interessados. Que rastreiam suas amizades e comunidades. Me pergunto: não seria mais fácil conversar com a pessoa para descobrir tudo isso?

Em uma verdadeira amizade, a necessidade de tapinhas nas costas é inexistente. Ela se baseia em interesses comuns ou em alguma afinidade de experiências de vida. E esta mesma amizade, que raramente se inícia apertando algum botão - até acontece - e certamente jamais se fortalece através de testemunhos, se torna mais forte, mais expressiva a medida em que os amigos vão se conhecendo melhor, e passam a compartilhar experiências novas e interessantes. Parece muito com o amor não é mesmo? Pois é, amizade é uma parte grande do amor, e o amor é o laço que une dois amigos. E em geral, numa amizade, o amor é ainda mais generoso, pois não há nada muito concreto que um amigo oferece. A amizade é um amor altruísta.

Se é altruísta, a amizade não pede ou recebe fan mail. Não requer testemunhos ou condecorações. Não exige nem mesmo um certificadozinho dizendo que se é amigo. Nunca sabemos quando uma amizade começa, e nem quando vai acabar. Não há um link, uma fotozinha na cortiça do nosso quarto com o 3x4 de cada amigo. As amizades duram enquanto elas duram. E a melhor coisa de uma amizade é a conversa e o companheirismo. É difícil manter estas duas coisas através do Orkut.

O que poderia ser uma ótima agenda eletrônica, ou até um ponto inicial para se começar uma conversa com alguém - talvez numa comunidade em comum -, se torna um templo de adoração do próprio umbigo para a maioria. O foco passa a ser o que os outros pensam, como os outros te veêm, como potenciais parceiros sexuais irão te avaliar. No cotidiano, nos preocupamos com estas coisas quando vamos a uma festa social ou à boate. No Orkut, é a única coisa com que a maioria se preocupa, pois não há muitas outras dimensões naquele ambiente.

O meu perfil, caso vocês se incomodem em buscar, inclui fotos da minha família, de amigos, da namorada, etc. Uma concessão feita depois que cansei de responder a pedidos de amigos que estão longe. E após muito tempo mudei o texto que havia preenchido, incluindo coisas como: "Perfect First Date: 1/1/1111" (ei, é perfeito!). Mudei não porque passei a considerar o Orkut algo essencial em minha vida, mas sim porque uma colega me alertou que várias empresas estão averigüando os perfis do Orkut na hora de contratar estagiários e profissionais.

Ou seja, o Orkut já está se tornando uma espécie de dor de cabeça. Quem sabe, não sigo uma das colaboradoras do Digestivo, e cometo o tal do Orkuticídio. Primeiro terei que copiar os vários endereços para a minha velha agenda analógica - aka agenda de papel. E depois terei que convencer meus amigos que não cometi Orkuticídio porque cansei de dar testemunhos e estrelinhas para os outros, ou porque me desinteressei deles, ou porque minha namorada pediu, mas sim porque não curto o Orkut. Isto porque sou educado, senão bastaria desaparecer.

Quanto a amizades, ainda acredito que - como o Danoninho que vale por um bifinho - uma boa amizade vale por mais de um milhão de perfis lincados ao meu Orkut.

Ram Rajagopal
Berkeley, 8/2/2006

 

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