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Quarta-feira, 28/6/2006
Livros sobre livros
Ana Elisa Ribeiro

Pense aí em três personagens históricos. Vejamos: digo aqui, do alto da minha mineirice, Tiradentes, Juscelino (mais ou menos o da minissérie) e Gustavo Capanema. Lembro quando visitei o Museu da República pela primeira vez. Fiquei deslumbrada quando toquei a cadeira do Capanema. Ele havia sido um dos grandes personagens da área da educação.

Mas não é preciso ficar só nos mineiros. Pense aí dois personagens históricos importantes para o país, de qualquer estado do Brasil. Podemos dizer Getúlio Vargas, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães. Para não ficar só na política (explícita, porque existe a política pequena e importante), podemos citar aí uns músicos que mudaram os costumes, como Roberto Carlos, por exemplo. Ou figuras emblemáticas, como Leila Diniz. Nas artes, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Mário de Andrade.

Em todas as áreas é possível citar figuras importantes. Não apenas pessoas que produziram grandes obras, como pessoas que pensaram. Pensaram bem, muito, alto. Ou pensaram pouco e deram tacadas de mestre.

Na escola, costuma-se ensinar essa História aí. A dos grandes feitos, grandes personagens, obras monumentais, frases de efeito, estátuas, calamidades. O 11 de Setembro, a Queda do Muro de Berlim, as Grandes Navegações. Tudo assim, com letra maiúscula. Mas história não é só isso. História é a narrativa passada entre as pessoas. E assim tudo o que há pode ser histórico.

História Cultural

A História Cultural é uma faixa dos estudos históricos que recupera, estuda e interpreta a micro-história. Não essa história das pessoas visíveis, mas a história dos costumes, das culturas, dos gestos, dos usos, das pessoas "comuns". É a história que nos faz compreender as razões de nossos hábitos, nossas ações, nossas crenças. Uma história preocupada com a vida pequena, o cotidiano de uma comunidade, os efeitos de uma técnica pela qual ninguém dá nada.

Vou citar os nomes de alguns historiadores importantes para a consolidação desse tipo de história. Michel de Certeau escreveu A invenção do cotidiano. Dois volumes onde ele faz uma visita à vida cotidiana em sua fórmula mais prosaica.

Há uma série imensa de livros chamada História da vida privada. Em cada volume, alguns historiadores esclarecem sobre a micro-história de cada época. Entre os nomes conhecidos estão Philippe Ariès e Roger Chartier. O primeiro ficou conhecido pela recuperação da história da infância. Sim, não aquela infância de crianças como Anne Frank, que estiveram na Guerra e se tornaram conhecidas no mundo inteiro por conta de um diário. Mas das crianças em geral, do conceito de criança, do tratamento que elas vêm tendo ao longo dos séculos.

Roger Chartier é o historiador do impresso, do livro e das práticas da leitura. Escreveu uma série de livros que recuperam a história do gesto de ler, dessa ação tão prazerosa e perigosa.

São conhecidos livros de Chartier: A ordem dos livros, Práticas da leitura, A aventura do livro: do leitor ao navegador, Cultura escrita, literatura e história e Os desafios da escrita. Em todos eles, o historiador pincela a história da escrita e das técnicas de reprodução dos textos, a difusão da leitura a partir da invenção da prensa (pelo alemão Gutenberg), as maneiras de produzir livros ao longo dos séculos, assim como traz à tona o leitor histórico, que passou por diversas fases de apropriação do objeto impresso de ler.

No Brasil, a coleção História da vida privada no Brasil também foi lindamente publicada. Podem acreditar: é esclarecedora.

Você sabia que a leitura silenciosa é recente entre as maneiras de ler? Sabia que a França foi a pioneira no lançamento de coleções de livros a preços populares? Sabe o que é a Biblioteca Azul? Sabe o que é um códice? Aprendeu em algum lugar como os tamanhos das folhas dos livros é mensurado? Sabe para que serviam as erratas? Será que você pensa que as equipes das editoras modernas são muito diferentes das equipes de tipógrafos medievais? Sabe por que as letras maiúsculas são chamadas de "caixa-alta"?

É absolutamente fascinante entrar nesse mundo de leitores e compreender as razões de nossos hábitos atuais. E não pensem que Roger Chartier fica só no papel. Ele também faz incursões pela discussão sobre os novos jeitos de ler, na tela, por exemplo.

Vale a pena também conhecer as obras do italiano Carlo Ginzburg. O queijo e os vermes, seu livro mais conhecido, traz a história do moleiro Menocchio, homem simples, viciado na leitura de obras que os inquisidores não consideravam "adequadas" a ele. Menocchio passou por uma terrível investigação porque foi considerado um leitor "perigoso", já que tinha lá suas interpretações não muito autorizadas... E tudo isso é verdade, na medida em que, dentro da escola da história cultural, Ginzburg recupera a história de um homem comum, com hábitos e gestos que podem esclarecer algo sobre a maneira de viver de certa comunidade italiana em dada época.

Você sabe qual foi o primeiro livro impresso pela oficina de Johannes Gutenberg? Sabe por que as fontes do seu computador se chamam Garamond ou Bodoni? Tem idéia do que seja um in-octavo? Sabe o nome do primeiro jornal publicado no Brasil? Você sabia que a prensa (máquina de fazer impressos) só chegou ao Brasil 300 anos depois de inventada? E sabe quem a trouxe?

Pois é. Vão dizer que importante é viver o presente. Mas considere-se uma coisa: saber sobre o passado pode jogar luzes novas nas coisas atuais, deixando tudo muito mais nítido. Muito melhor e muito mais inteligente saber o porquê das coisas. Isso qualquer criança sabe, não é?

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 28/6/2006

 

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