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Quinta-feira, 23/2/2006
Cruzeiro marítimo: um espetáculo meio mambembe
Adriana Baggio


Os cruzeiros marítimos sempre foram ícones de um estilo de vida luxuoso, reservado a poucos privilegiados. Uma viagem longa, durando vários dias, deixa de ser uma desvantagem quando se passa a bordo de um belo navio, repleto de mordomias. O praxe é que essas mordomias incluam uma comida de primeira, bebidas da melhor qualidade e opções de lazer de alto nível. A gente logo lembra dos ambientes luxuosos e da toilette caprichada das passageiras de Titanic. Com todos esses atrativos, viajar em um transatlântico é um verdadeiro espetáculo. Mas fazer um cruzeiro nos dias de hoje, talvez, não passe de espetacularização.

A popularização dos cruzeiros na costa brasileira permitiu que a classe média tivesse acesso a uma opção de turismo antes muito exclusiva. O dólar em baixa e a economia establizada também facilitam que cada vez mais pessoas possam desfrutar de alguns dias de mordomia em alto mar. Os preços, no total, podem ser equivalentes aos de uma viagem aérea com hotel. Qual a vantagem, então?

Para mim, é a possibilidade de viajar pelo mar, de estar em um navio - meio de transporte que, assim como o trem, tem uma aura de romantismo. Para outras pessoas, talvez seja a oportunidade de experimentar, por alguns dias, uma vida de luxo e muito conforto. É aí que entra a espetacularização: o luxo e o conforto estão muito mais na aparência do que na essência dos serviços e das opções disponíveis em um navio de cruzeiro.

As opiniões meio mal-humoradas sobre este tipo de viagem são baseadas em experiência própria. Há muito tempo desejava fazer uma viagem de navio. Realizei este sonho no começo de fevereiro, em um cruzeiro a bordo do Island Star, com saída e chegada em Santos, passando por Buenos Aires, Punta del Este e Florianópolis. Sonho? Bem, uma viagem de sonho, que custa valores em dólar na casa do milhar, não combina com filas e café fraco.

O Island Star é um belo e imponente navio. Antes se chamava Horizon, mas foi reformado, recebeu o novo nome e juntou-se ao Island Escape na frota da Island Cruises. O grande diferencial dos cruzeiros desta companhia é a "informalidade": você não precisa se preocupar caso não possua muitos vestidos de gala, porque eles não serão necessários nas atividades do navio. O atributo "informalidade" acabou sendo uma boa justificativa para cruzeiros com valores um pouco menores do que os de outras companhias e para um serviço às vezes deficiente. Como esta foi minha primeira experiência, não sei se em outros navios acontece o mesmo ou se é uma característica apenas da Island Cruises.

Quando você compra uma viagem como esta, espera não precisar gastar com certas coisas dentro do navio, porque "tudo" já está incluído no valor pago antes: a acomodação, as refeições, as opções de lazer. O problema é que se você fica apenas com este pacote básico, passa longe do "luxo". O que tem mais qualidade e proporciona mais conforto é por fora. No entanto, para não decepcionar as pessoas que preferem não pagar a mais, o pacote "básico" é revestido de um luxo fake, como uma bijuteria folheada: quando o ouro descasca, aparece apenas metal ordinário.

E o ouro acaba descascando em vários momentos. Por exemplo: as descidas nos portos previstos obedecem a uma hierarquia relacionada a valores. Quem comprou lugar nas excursões em terra, desce antes. Quem vai por conta, desce depois. Em Punta del Este, isso significa esperar mais de três horas pela sua vez de sair do navio. A não ser que você, nas suas férias tão aguardadas, disponha-se a levantar cedo para ficar na fila para pegar senha para poder embarcar nos primeiros barcos que deixam o navio rumo ao píer do Yatch Club do balneário. Peraí, isso é um cruzeiro ou uma visita ao INSS?

O mesmo acontece com a comida. Este navio tem quatro restaurantes e uma lanchonete. Dois dos restaurantes estão incluídos, o Island e o Beachcomber, sendo que o último funciona 24 horas. Se você aguentar o tempero, pode comer o dia inteiro. A lanchonete serve fritas, cachorro-quente e um hambúrguer gorduroso à vontade. Os outros dois exigem "reservas". Dentro do glossário de eufemismos vigente na linguagem no navio, isso significa que você tem que pagar a mais para comer neles. Nesses, o serviço é a la carte. Nos "liberados", é bufê.

Não que a comida seja ruim. No começo, você consegue aproveitar. Mas depois de alguns dias, o estilo "culinária internacional de fachada" começa a enjoar. No anseio de dar uma cara sofisticada a uma refeição preparada com ingredientes mais simples, os pratos acabam ficando muito gordurosos, ou muito empapados, ou com um sabor padrão de açafrão.

Eu não esperava muito da comida, porque algumas comunidades que falam do Island Star no Orkut estavam repletas de reclamações sobre esse aspecto. Mas acredito que, se eles se preocupassem em fazer o melhor com a "verba" disponível, ao invés de oferecer uma comida sofisticada fajuta para combinar com a pretensa imagem de luxo do cruzeiro, as refeições seriam muito mais saborosas.

Por exemplo: entre as opções de sobremesa, sempre tinha alguma coisa parecida com mousse. Os nomes e os sabores mudavam de um dia para o outro, mas o gosto permanecia o mesmo. Cheguei a conclusão de que eles utilizavam alguma espécie de base já pronta, extremamente gordurosa, e só trocavam a essência. Dessa forma, conseguiam com que mousse de chocolate, soufflé de laranja e cheesecake de framboesa parecessem tudo a mesma coisa. Que tal, ao invés de oferecer essas sobremesas "chiques", preparar um simples, mas porém autêntico, honesto e saboroso sagu com creme?

Para encerrar o quesito "alimentação", é preciso reclamar com veemência da qualidade do café do navio. Foi o pior que já provei na minha vida! Imagine um café solúvel (que já não é lá essas coisas) e fraco. No restaurante Island, além de fraco, é velho e requentado. Quem gosta de café sabe que a bebida requentada tem até cheiro ruim. Ah! Esqueci de dizer que tinha um quiosque da Casa do Pão de Queijo no navio, que servia café expresso. Adivinha? Pago à parte, claro, ao custo em dólar equivalente a uns 5 reais.

Pode parecer que eu odiei o cruzeiro, mas não é verdade. A frustração maior é que eles prometem algo que não é entregue. O verdadeiro conforto e a verdadeira mordomia têm um custo a mais. O resto continua sendo muito bom, mas aquém das expectativas criadas em torno de uma viagem como esta. A única coisa que realmente valeu o que custou é a cabine. Por falta de vagas em opções mais em conta (que eram o meu objetivo), acabei ficando em um deck alto, com direito a varanda e tudo. O banheiro é ótimo, o chuveiro é maravilhoso, a cama é uma delícia. Mas o melhor mesmo é poder admirar, da sua própria cabine, o sol se pondo na água muito azul do alto-mar. Só por isso, já vale a viagem! Ano que vem, pretendo fazer mais uma. Porém, acho que vou experimentar outra companhia.

Wave

Em novembro de 2004, o Projeto Pixinguinha trouxe para Curitiba um show fantástico com grandes nomes da música brasileira, como Alaíde Costa, Escurinho, Guilherme Vergueiro e Filó Machado. Nunca tinha ouvido falar neste último. Antes dele entrar no palco, fiquei imaginando como poderia ser. Em primeiro lugar, achei que fosse uma mulher, talvez por associar o nome ao tecido ou àquela personagem de programa humorístico. Uma mulher baixinha e magrinha, vestida de chita e apresentando um repertório "regional". Quando Filó Machado entrou no palco, foi uma surpresa. Um homem alto e negro, vestido de branco e com uma voz e um sorriso estrondosos. Ri um pouco de mim mesma e passei a curtir o show.

Naquela noite, o músico fez maravilhas com a voz e o violão. Hoje posso relembrar da apresentação através do CD Tom Brasileiro (da Lua Music, gravado em 2005), em que o violonista e Cibele Codonho cantam Tom Jobim. A semelhança entre o show e o CD não é o repertório, mas a maneira como Filó utiliza o violão. Às vezes, o instrumento é responsável pela melodia, em outras, pela percussão.

Como em "Wave", por exemplo. A versão da dupla lembra os arranjos de música eletrônica que têm sido feitos para clássicos da MPB, ao estilo Fernanda Porto. A diferença é que as "batidas" vêm das cordas do violão, e não de instrumentos tradicionais de percussão. Particularmente, não é minha preferida, talvez pelo estranhamento causado. No entanto, é preciso reconhecer o virtuosismo de Filó e a maneira inovadora com que ele e Cibele conseguiram interpretar uma das músicas mais belas - e manjadas - do compositor.

As outras faixas do CD seguem o estilo padrão, mas nem por isso deixam de ser melhores. Os maiores sucessos de Tom, como "Desafinado", "Por causa de você", "Insensatez" e "Anos dourados", ganharam belas interpretações na simplicidade da voz e violão. Só me incomodam os vibratos de Cibele, mas isso é muito pessoal.

A associação de Filó Machado com elementos regionais, que tive antes de conhecê-lo, desapareceu quase por completo. Só voltou um pouquinho quando vi a capa de Tom Brasileiro. Ele e Cibele estão na varanda de uma casa antiga de madeira, dessas bem comuns no interior. É que as fotos do encarte foram feitas em Paranapiacaba, vila histórica próxima a São Paulo. Cenário inovador para um CD cujas canções exaltam o sol e o mar e são verdadeiros ícones da cultura carioca.

Adriana Baggio
Curitiba, 23/2/2006

 

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