busca | avançada
65269 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Segunda-feira, 24/4/2006
Como começar uma carreira em qualquer coisa
Ram Rajagopal

Não acredito muito em receitas prontas para vida. Para ser sincero, uma execeção é meu mapa astral indiano, que prevê que eu serei um recluso famoso em uma montanha do conhecimento ou um milionário qualquer. De vez em quando é bom relaxar na sabedoria de que posso ser um recluso numa montanha do conhecimento, já que aprender é uma de minhas atividades preferidas. Pois bem, meus amigos até me perguntam por que procuro aprender tanto. Será que é para encher currículo? Acho que não. Afinal, não faria o menor sentido abrir um livro qualquer que acho interessante e ler até o final simplesmente porque desejo incrementar um currículo. Eu o faço porque é uma das atividades pela qual mais tenho tesão.

Pois então, se você vai começar qualquer coisa na vida, começe algo por que você tenha tesão. Um aluno do curso em que fui assistente de ensino veio me perguntar quais cursos da universidade deveria fazer. Perguntei a ele quais as áreas da engenharia eletrônica que mais o empolgavam. Seriam as formulações matemáticas de sistemas lineares ou as incríveis técnicas para simular circuitos em computador? E ele me respondeu que tudo lhe era indiferente. Afinal, o que ele mais gostava era de História, línguas e de tocar violão clássico persa. O único conselho que lhe dei é: investigue mais então essas coisas, mesmo que, no início, 80% do seu tempo ainda esteja voltado para o curso original... (Uma oportunidade que apareceu, anos mais tarde, para ele foi a de trabalhar com aplicações de eletrônica em música, num centro recém-fundado...)

O que aprendi com alguns dos grandes mestres de Berkeley é que o melhor é nunca pensar no fim da vida. Não estou falando em pensar na morte. A morte é um fato que deve ser eventualmente encarado e aceito. Mas, sim, de pensar no fim da carreira, na glória, na fama. Nada disto se aproxima do prazer que é fazer o que se ama. Daniel Mc Fadden, prêmio nobel em economia e professor da minha universidade, sempre diz que nunca esperava ganhar prêmio algum, que o próprio projeto que lhe deu o Nobel foi algo acidental e não era uma de suas prioridades. Teve até dificuldades para encontrar o que pesquisar. O professor John Doyle, de Caltech, e um dos pioneiros em teoria de controle, penou na universidade até encontrar o que gostava.

Um dos grandes empreiteiros de uma indústria de bilhões de dólares, a análise de circuitos por computador, Joe Costello, contou sua história pessoal que inclui uma breve temporada no programa de pós-graduação de Berkeley, até concluir que fazer pesquisa acadêmica não era a dele, mas que levar a pesquisa até o mercado era algo que sempre lhe dera prazer. Depois de persistir por muitos meses (muitos mesmo) procurando algo para levar ao mercado, se envolveu com CAD. Pois aqui está o segundo elemento importante para alguém que quer fazer o que gosta: encontrar seu próprio caminho.

Encontrar seu próprio caminho, ter tesão. Mas e se nada disso estiver claro? Como pagar as contas do fim do mês? Minha mãe sempre me disse: não se comprometa com o que você não quer. É possível viver com bem pouco por mês, mas é impossível se viver com pouca satisfação. Para sair do marasmo é necessário explorar e tomar riscos. Converse com pessoas que parecem fazer aquilo que você acha interessante. Em 1998, sendo aluno na UFRJ ainda, enviei muitos e-mails para o renomado pesquisador da IBM Jean Paul Jacob para que me convidasse para uma visita ao centro de pesquisas onde trabalha. Nem eu acreditei quando o convite apareceu, e passei um dia inteiro conhecendo pioneiros que inventaram o mouse, o hard disk e os bancos de dados. No fim do dia, o renomado pesquisador me disse: "te convidei aqui porque você é o cara mais chato e persistente que encontrei! E nunca se sabe o que vai inspirar um indivíduo como você". Até hoje é um grande aprendizado ouvir suas idéias sobre tecnologia e o futuro da computação. Já fiz muitas loucuras assim. Algumas deram certo, outras, não. Mas aprendi bastante, que sempre foi o que me dá maior tesão.

Então o infame terceiro elemento da receita é "criatividade". Não tenha medo de ser criativo. Nem mesmo de acreditar em suas idéias e gostos, por mais mal formulados que lhe pareçam. Algumas coisas muito boas da vida começam num impulso. Mas nenhuma encontra fruição sem persistência. Criatividade não é só "ter idéias" como se propaga por aí. É também ter persistência para levar uma idéia a cabo, até ela dar certo. É também ter muitas idéias para poder escolher a melhor delas para persistir... Durante minhas andanças pelo mundo da tecnologia, conheci um indiano que (co-)fundou cinco empresas. Encontrou o sucesso na sexta empreitada. É um cara que tem vinte idéias por ano. Mas formula todas elas, e repete para sua esposa, que seleciona com carinho aquelas que ela, ao menos, acha compreensíveis...

Ser criativo é também saber usar suas idéias naquilo que você faz. Meu "orientador alemão" Lothar Wenzel, como chamo um dos pesquisadores mais geniais que já conheci, sempre me disse que até mesmo a tarefa mais banal de engenharia pode ser abordada com vigor e criatividade. E que coisas incríveis resultam disso. Uma pessoa teve a idéia de ordenar quase aleatoriamente a ordem de visitas de um serviço de distribuição de alimentos para aposentados incapacitados. Baseado em sua intuição experimentou mudar uma metodologia que estava instituída há muito tempo. Uns anos mais tarde, professores demonstraram que a ordem quase aleatória escolhida é bem próxima da melhor ordem possível...

O mundo clama por criatividade e inovação. Muitas coisas só estão esperando quem as faz, se mexer, sair do marasmo, para encontrar uma nova solução. Mas nunca devemos nos esquecer de que, para inovar, é necessário aprender como fazer o que se faz com competência. Para isso, é preciso se interessar pelo assunto minimamente, seja o que for. Ser curioso. Estudar, ler, e, o mais importante, trocar idéias com pessoas mais experientes, sem no entanto tomar as idéias delas como sendo definitivas. Para trazer o novo à tona, não é necessário ignorar o velho. O melhor é quando se entende o que existe, e quais as suas limitações, para então pensar num novo jeito de fazer. Tudo que falei até aqui parece óbvio e abstrato. Óbvio é mesmo. Abstrato, nem tanto. Mas se você quer um conselho bem prático: que tal investir aquela grana para prestar mais um concurso público - que você só quer por causa do dinheiro - para fazer um curso em algo que você gosta? Senão, porque não investir numa viagem para algum lugar? Necessidade de talento (de repente, seu talento) não falta neste mundo. E você não precisa ser o próximo Einstein. Até mesmo se você tem talento para falar, para uma boa conversa, por que não se dedicar a ensinar, por exemplo, português?

Deixei para o fimzinho aquilo que acho que foi o conselho mais importante que já me deram, e me deram muitas vezes: não se preocupe muito com o caminho que vai seguir na vida. Invista em você mesmo, até descobrir o que você ama fazer. Quando descobrir, se agarre naquilo. Jamais espere pela aprovação da sociedade no que você faz. Nunca se deixe sancionar por ninguém. Fazer os famosos "sanity checks" (testes de sanidade) são importantes de vez em quando, mas quando se começa alguma coisa, o melhor é deixar a sanidade um pouco de lado e seguir o coração. Não estou propondo nada novo, nem descrevendo um mapa para seguir para o sucesso. Como disse um outro grande professor meu: "acabei fazendo este trabalho porque foi o que descobri que gosto de fazer. Imagina se tivesse feito alguma outra coisa. Talvez ganhasse algum reconhecimento rápido, mas para que me escravizar baseado na opinião dos outros?". Ele acabou de ganhar uma das medalhas de mérito mais importantes de sua área, e é amplamente reconhecido por ser um dos melhores orientadores acadêmicos norte-americanos.

E mais uma coisa, de vez em quando faça coisas sem sentido. Compre livros cuja capa lhe agrada, mas o tema parece impenetrável. Se você é aluno, vá para outro departamento e assista a uma aula que lhe parece interessante no site da universidade. Experimente. A minha avó, que é uma das pessoas mais ativas que eu conheço, sempre me disse para nunca deixar nada para amanhã. E sempre complementou: mas também não se condene pela pressa... Um grande mestre espiritual indiano confidenciou comigo, uma vez, "o melhor momento da minha vida foi quando estava descobrindo estas novas experiências". Nem mesmo todo reconhecimento e fama que ele tem mundo a fora, parecem ter feito esquecer a experiência sensacional que é experimentar, descobrir, errar, experimentar mais um pouco, e assim por diante... Nunca é tarde para se esquecer a carreira, e começar a viver suas idéias.

Post Scriptum
Enquanto escrevia este texto, pensei num amigo meu aqui em Berkeley. Ele deixou o doutorado para abrir uma pequena loja de modificações de bicicletas. Hoje, usando um software que ele mesmo desenvolveu, está projetando peças inovadoras para suas bicicletas. Tem patentes e tudo. Outro dia, eu o encontrei na sorveteria, e ele comentou comigo: "como é bom estar sujo de graxa de bicicleta!". Isto, sim, é expressão de prazer.

Post Scriptum II
Para você ver como nada é impossível, este autor está envolvido com um projeto de aprender a tocar violão. Quando começou, não sabia nem contar as batidas de uma música... Mas, graças ao apoio de vários outros violeiros de plantão, hoje ele já é capaz de tocar uma música orgulhosamente mal. Se isto é possível, hoje ele acredita que quase tudo é possível...!

Nota do Editor
Leia também "A ousadia de mudar de profissão".

Ram Rajagopal
Berkeley, 24/4/2006

 

busca | avançada
65269 visitas/dia
2,0 milhão/mês