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Sexta-feira, 21/4/2006
Desejo de Status
Fabio Silvestre Cardoso

Meu plano para esta coluna, inicialmente, era outro. Já tinha até conversado com o Julio, avisando que falaria a respeito do livro A cultura do novo capitalismo, de Richard Sennett. Na verdade, não seria mais uma resenha, uma vez que relacionaria o tema do livro com o Teia, evento que ocorreu no início do mês de abril, aqui em São Paulo. Ocorre que eu mudei de idéia. Explico por quê. Depois de alguns meses às quintas-feiras, na companhia de ninguém menos que Adriana Baggio, estou, agora, às sextas, com a difícil tarefa de substituir o Eduardo Carvalho (aliás, onde anda você?). Então, nessa minha "estréia", decidi fazer uma homenagem ao Edu e vou falar de um dos livros que mais me chamaram a atenção nesses últimos meses: Desejo de Status (2005, Rocco, 304 págs.), do filósofo suíço Alain De Botton.

"Por que uma homenagem"?, quase consigo ouvir as perguntas. Eu explico também. Foi o Eduardo quem me apresentou, via Digestivo, a obra de Alain De Botton. Então, a César o que é de César.

De volta ao livro. Num primeiro momento, os leitores podem suspeitar que o livro de De Botton nada mais é do que mais um manual de auto-ajuda, desses que nos auxiliam a influenciar pessoas e conquistar amigos, ou daqueles que nos ensinam a ter confiança nas nossas aptidões, pensando sempre positivo, em detrimento de uma tentação negativista, derrotista, marcado pela insegurança. Felizmente, porém, a obra não trata desse tema. Ufa. O que Alain De Botton investiga são as causas dessa ansiedade de status, que, segundo pode ser interpretado, é uma espécie de mal-estar do século XXI.

Obviamente que o livro não é um tratado clínico. Antes, um ensaio que quer entender um certo comportamento da sociedade nos nossos dias. Para Alain De Botton, vivemos numa inquietante busca por status, condição que não deve ser entendida, tout court, apenas como posição social em razão da fortuna que, eventualmente, possamos ter. É mais do que isso: é a maneira como nós nos vemos a partir do olhar, crítica e julgamento dos outros.

Na primeira parte do livro, portanto, De Botton explica por que e de que maneira essa inquietação nos atinge. Às vezes a partir do olhar dos nossos vizinhos, às vezes porque não pertencemos ao jet set das colunas sociais e da TV; ora porque não nos sentimos confortáveis com o emprego que temos, ora porque não somos respeitados como gostaríamos de ser. Essa miríade de possibilidades, argumenta o filósofo, causa essa ansiedade, esse desejo de status que torna as pessoas cada vez mais infelizes. Nesse ponto da obra, os leitores vão notar uma das razões porque o livro não é de auto-ajuda. De Botton sustenta suas opiniões a partir de uma escrita que não doura a pílula. Pelo contrário. Prefere a eloqüência e a ironia que desmascaram, em muitos momentos, a mesquinhez e a vilania por detrás desse desejo de status, como se lê no trecho a seguir:

É possível que as lutas entre mão-de-obra e capital, pelo menos no mundo desenvolvido, não sejam mais tão cruas como na época de Marx. Porém, apesar dos avanços nas condições de trabalho e na legislação trabalhista, os trabalhadores continuam a ser instrumentos de um processo em que sua felicidade ou bem-estar econômico é necessariamente incidental (...) [e portanto] seu status não é garantido

Soluções
De fato, a obra seria muito mais crítica - na acepção negativista do termo - se o autor não se predispusesse a apresentar a contrapartida. Uma lista com algumas soluções que podem, de certa medida, aplacar essa necessidade por uma posição mais privilegiada. E o filósofo enumera uma lista de cinco tópicos para que o leitor compreenda claramente seus pontos de vista, a saber: "Filosofia", "Arte", "Política", "Cristianismo" e "Boemia".

Conforme a divisão do próprio livro, esta é a segunda parte da obra. Uma leitura mais atenta, no entanto, mostra que este segmento é muito mais um complemento, um arremate, das idéias inicialmente apresentadas pelo autor (em que ele tratou, respectivamente, de "Falta de amor", "Esnobismo", "Expectativa", "Meritocracia" e "Dependência".) E isso fica claro não somente pelo estilo, que segue conduzindo o leitor pelas mãos, mas também pela proximidade de cada assunto em relação aos que foram debatidos na primeira parte.

Assim, ao dizer como a arte pode instaurar uma atitude mais contemplativa e reflexiva, o filósofo consegue transmitir conceitos aparentemente simples e sem pretensão, mas que, examinados a fundo, possuem uma rara complexidade na sua origem. Afinal, quem consegue responder, assim de pronto, para que serve a arte? A resposta está na ponta da língua, mas dificilmente consegue ser externada com clareza. A virtude em Desejo de Status é que esse objetivo é atingido com muita propriedade.

Uma outra característica do livro, que, de certa forma, se relaciona com o que está escrito no parágrafo anterior, é o fato de o autor ser adepto de um ensaísmo cada vez mais raro no mundo preso às rédeas da academia e das citações auto-referentes. Em outras palavras, De Botton opta por um texto rico em menções literárias e alusões a diversos autores, sem necessariamente se prender a eles e, o que é mais difícil, sem parecer pedante. É elitista, sim, mas o que há de mal nisso? Quem está acostumado (!?) com a aridez literária dos chamados "suplementos culturais" (e à sua "balcanização", como disse Teixeira Coelho em debate na Folha) vão se surpreender com o quilate das referências: Jane Austen, Sófocles, Proust, Aristóteles. E os leitores aprendem um pouco mais acerca desses nomes também.

Pode-se dizer que Desejo de Status não alcança propriamente uma conclusão sobre o tema. Ou, ainda, nota-se que o autor prefere não apresentar respostas acabadas ao assunto, mas, sim, algumas considerações com base em sua observação e, principalmente, a partir da exposição reflexiva de seus argumentos. Sem dogmatimos, Botton faz uma elegia (e um elogio) à inteligência, ao escrever sobre um assunto muito discutido, mas, como é de praxe, pouco entendido. Decididamente, uma resposta absoluta só com os livros de auto-ajuda.

A menção na contracapa, nesse caso, faz jus ao que o livro representa: De Botton trouxe a filosofia de volta para o seu propósito mais simples e mais importante: nos ajudar a viver nossas vidas.

A partir da leitura do livro, não se entende muito por que o debate intelectual, no Brasil, ainda prefere os temas, em tese, mais abrangentes, ignorando solenemente a obra de autores como Alain De Botton. Uma resposta possível: talvez se julgue capaz de muito mais do que realmente é. Como? De onde adquiri essa resposta? Fácil: lendo Desejo de Status.

Para ir além





Fabio Silvestre Cardoso
São Paulo, 21/4/2006

 

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