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Quinta-feira, 4/5/2006
Os meus conflitos
Marcelo Maroldi

Todo mundo tem conflito. Rico ou pobre, branco ou negro, crente ou ateu, homem ou mulher, escritor ou padeiro. Tem conflito!, não tem jeito. Pode ser um conflito pequenino, que dura apenas uns 10 segundos e depois expira do mundo das idéias, ou pode ser um bem grandão, assustador, que dura uma vida inteira e nunca esmorece. Esses últimos são os que movem a roda deste mundo, fazem os sonhadores parecerem loucos, os poetas uns pobres coitados e os filósofos uns seres largados (os poetas-filósofos-loucos então, nem se fala!). Os pequenos conflitos se perdem, feitos os sonhos que com eles nascem, efêmeros, mas os grandes conflitos da alma produzem as histórias mais interessantes, as personagens mais extremadas, as emoções e sensações mais puras e buscadas. Aquele lágrima no rosto, o nó na garganta, o peito apertado.

Uns anos atrás conheci este Digestivo Cultural e passei a observá-lo, a distância, um pouco assustado, sem entender direito, sem compreender boa parte. Eu me sentia somente um menino bobinho num mundo de mentes preparadas. Meus conflitos estavam hibernando nesse período e eu levava a vida como o Zeca Pagodinho recomenda fazê-lo. Um belo dia eu parei de ler as colunas, e achei que dele não precisava. Assim foi por um longo tempo. Diversas semanas - ou meses, nem sei - sem abrir o site. Mas, quando eu ainda morava na capital da nação e, trabalhando para nosso governo, claro, estive umas tardes bastante ocioso e sendo remunerado com o dinheiro público, eu digitei no meu browser o endereço do site. Andréa Trompczynski lá estava, estampada, e atingiu tão duramente a minha face que eu nunca mais voltarei a deixá-la.

Depois disso, entre idas e vindas, tornei-me um colunistas desse simpático site (e a srta. Andréa era minha colega, aliás) e, durante pouco mais de 1 ano, escrevi algumas dezenas de colunas, umas boas e outras nem tanto. Tudo isso até umas semanas atrás, quando um novo conflito se apoderou de mim. Eu reconheço um conflito quando avisto um, e, posso afirmar: esse é um dos grandões. Então, consegui escrever uma única coluna (dos amores possíveis). A propósito, camarada leitor, você sequer percebeu que eu fiquei umas semanas sem publicar, hein? Hum.... Só uns poucos é que se atentaram, alguns me enviando e-mail, coisas assim. Já que toquei no assunto, compartilharei com vocês um desses e-mails, um que dizia que depois de ter escrito esse texto dos amores eu nunca mais escreveria nada tão bom. Curioso isso, tão novo e já decretaram minha falência literária, mas, enfim, paciência.

Bem, o fato é que eu não consegui mais escrever nada, travei. Não, não é aquele famoso bloqueio de escritor, até mesmo porque não sou um deles. É o maldito conflito que me impede de escrever, só pode ser isso. Em princípio, entendo eu, o conflito é o cenário ideal para as artes, e para a literatura em especial. É dele que borbulham poemas, peças de teatro, canções, tudo isso. É ali que nascem as traições, os adultérios, os suicídios, os confrontos, os crimes, as paixões, os amores, as lágrimas, o pranto e a dor. Todavia, meu conflito não está gerando nada disso! O meu conflito é, pela primeira vez, um conflito bom, se é que conflito e bom não são conceitos excludentes e que se anulam. O fato é que eu não consigo escrever nada do que me acostumei a escrever em toda a minha vida. Em todas as minhas colunas anteriores, eu sentei, iniciei meu texto e, sempre, 30 minutos depois o encerrava. Agora, já se vão semanas e não consigo redigir nada interessante.

O outro efeito colateral do meu conflito é ainda mais grave. Estou há semanas sem ler um único livro. Eu não tenho vontade, fazer o quê? Eu até tento, mas tenho achado tudo tão chato, tão repetitivo, tão igual. Um cara como eu, que já leu 4, 5 livros numa semana "boa", estou há 30 dias sem finalizar nenhum capítulo. Isso tem me preocupado. Para piorar, o único livro que eu conseguia ler, Confissões, do meu mentor Agostinho, foi surrupiado lá de minha casa, e nem mesmo Padre Antonio Vieira, ou Santo Tomás de Aquino têm me feito esquecer do Gustinho...

Eu me acostumei a escrever bem (a escrever bastante, pelo menos) nos momentos de conflito no meu peito. Paulinho da Viola age assim também, só que com o violão. E agora que os versos me fogem, bem como as reclamações contra o mundo insano, as ironias, as revoltas, as dores de amor, etc., eu me sinto tão sozinho, eu me sinto tão sem mim, mas ao mesmo tempo tão feliz. É como se a minha força criativa nascesse de meu conflito, do meu conflito ruim, apenas, e, desprovido dele nesse momento, fui ceifado de minha capacidade de combinar palavras e reuni-las numa coluna deste Digestivo. Minha escrita é oriunda de minhas agitações interiores. Meu conflito atual é distinto desses, é novo, inédito, é o conflito de uma nova vida, uma nova opção, uma nova escolha. Um conflito que, parece, assassina meu coração de poeta... e me dá um coração normal, um que vive sem os gigantescos conflitos peitorais dos que poetizam, dos que se embebedam antes do sol ousar desafiá-los, dos que dramatizam as situações mais corriqueiras e tolas, dos que jamais saberão o que é sentir o peito transbordar de emoção, inundados por um sem número de sentimentos potencializados no âmago...

Eu estou preocupado, mas ainda não muito...

Bom, camarada leitor, eu ainda posso escrever bula de remédio, não é? Mas será que isso vai impressionar as garotas?

Marcelo Maroldi
São Carlos, 4/5/2006

 

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